Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025 - 15h24
Poder económico e Poder político em Promiscuidade clara
Estamos no início de uma nova era moldada pelas tecnologias virtuais e pela Inteligência Artificial. Por um lado, essas ferramentas democratizam a informação; por outro, concentram o saber e o poder em poucas mãos. A aliança entre Donald Trump e Elon Musk simboliza essa transição, sinalizando uma mudança radical no sistema político e social. Economia e novas tecnologias – representadas por nomes como Musk, Zuckerberg, Bezos, Altman e Thiel – ousam caminhar agora de forma ostensiva junto ao poder político. Antes faziam-no de maneira escondida porque ainda tinham respeito pelo poder político que, em democracia, ao perder o seu respeito pelo povo colhe agora o desrespeito dos dois.
Talvez isso seja uma reação exacerbada do eixo americano frente à China e aos BRICS, num último esforço dos EUA por manterem o controle da exploração e do destino dos povos. Trata-se de um perigoso jogo com o fogo, especialmente quando se esperava que Trump trouxesse uma abordagem mais conciliadora num mundo em crescente tensão.
As declarações controversas de Trump disparam em todas as direções, deixando uma Europa cativa em estado de alerta. Suas ideias de intervir no Canadá, na Groenlândia e no Canal do Panamá revelam intenções imperialistas claras. Além disso, ele propõe que os países da OTAN invistam 5% de seus PIBs em despesas militares – enquanto os EUA gastam atualmente 3,38%. Para a Alemanha, por exemplo, isso significaria um gasto anual de 200 bilhões de euros em armamento à custa do budget social e da qualidade de vida do cidadão. A satisfação dessa exigência obrigaria a Europa a concentrar seus esforços políticos e económicos no setor militar, liberando os EUA para se dedicarem ao controle dos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico. Nem mesmo os Açores estariam seguros nesse cenário.
A Dinamarca, por exemplo, preocupada com a presença russa, agora enfrenta a sombra do imperialismo americano. Imagine-se um membro da OTAN, como a Noruega, pedindo proteção contra os próprios EUA, que têm utilizado a organização como ferramenta de avanço territorial e político. O imperialismo americano concentra-se agora no domínio dos oceanos não apenas por suas riquezas, mas por sua importância geoestratégica no controle mundial...
Tudo indica que estamos presenciando uma transição de uma colonização ideológica para uma colonização oligárquica...
Como aponta o sociólogo Emmanuel Todd no seu livro Apres la Démocratie (Depois da Democracia), já não vivemos num regime democrático. O exemplo francês de 2005, quando um referendo rejeitou a Constituição Europeia, mas o Tratado de Lisboa foi adotado mesmo assim, ilustra bem essa crise...
Após a Primeira Guerra Mundial, os EUA determinaram o destino europeu, mas em um mundo que busca maior justiça social, é essencial que a Europa invista em colaboração com a Rússia, em nome de interesses próprios e autênticos, mas que respeitem a paz e a justiça entre os povos.
António da Cunha Duarte Justo
Texto completo em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=
O REGRESSO DO NETO AO LAR DO AVÔ
Na quietude da tarde, entre o perfume da lenha queimada e o sonido dos pássaros distantes, o neto Daniel entrou no quintal da casa do avô Joaquim. Fazia já anos desde a sua última visita. O velho Joaquim, de mãos calejadas e olhos de horizonte vasto, aguardava-o sentado no alpendre, esculpindo um pequeno pedaço de madeira.
— Avô, voltei. — disse o neto, hesitante, como se o peso das palavras fosse maior do que a própria presença.
O avô ergueu os olhos com um sorriso que misturava surpresa e uma sabedoria ancestral como o mundo.
— Voltas sempre ao que nunca te deixou, Daniel. Senta-te. Conta-me o que te trouxe de volta.
O neto hesitou, mas sentou-se num tronco que esperava por ser cinzelado. Começou a contar da vida na cidade, das corridas intermináveis atrás de sonhos que se desmanchavam como a fumaraça que saía do tronco fumegante. Falou da confusão que sentia entre o que acreditava e o que via.
— Avô, vi mundo e às vezes sinto que estamos todos num barco que mete água, mas ninguém sabe como o reparar. Pessoas debatendo-se por ser melhores que outras, ateus brigando com religiosos, políticos em luta pelo poder, todos perdendo-se em certezas que são só pedras no sapato da caminhada. E eu sinto-me amachucado e perdido no meio disso tudo.
O avô Joaquim pousou o bocado de madeira e encarou o neto com o olhar de quem vê mais do que ouve.
— Sabes, rapaz, a vida é como este quintal. Tem terra, flores, ervas daninhas, árvores que crescem para o alto e raízes que se entrelaçam no subsolo escuro. Cada um pensa que só o que está à vista importa, mas é lá em baixo, no que não se vê, que está a força.
— E o que fazemos quando nem sabemos onde estamos? — perguntou o neto, com a aflição de quem busca uma bússola.
O avô suspirou, cruzando os dedos envelhecidos.
— Quando Deus perguntou a Adão “Onde estás?”, não foi porque Ele não sabia. Foi para que Adão e nele a humanidade se situasse. Meu neto Daniel, a pergunta continua ecoando na humanidade e em cada um, sem importar se és crente, ateu ou agnóstico. O importante é que respondas honestamente a ti mesmo. Sabes, a vida, com as suas pernas e caminhos, não pede certezas, mas abertura.
O neto abaixou a cabeça, como quem tenta absorver as palavras. E o avô continuou, com a serenidade de quem já viu muitas estações.
— O erro de muitos, meu caro Daniel, é pensar que a razão é o barco e não o remo. A razão ajuda a navegar, mas é o amor — e o mistério que o sustenta — que mantém o barco à tona. Fé, esperança, caridade e dúvidas são os ventos que nos movem. E todos estamos nesse mesmo oceano, procurando um porto que aponte para o eterno.
Daniel sorriu pela primeira vez. Sentia que, apesar de não ter respostas, encontrava um ponto de partida.
— Então, avô Joaquim, o que é o sentido da vida?
O velho levantou-se com esforço e apontou para o céu, onde o sol se punha em tons de ouro e púrpura.
— Vês aquilo no horizonte? A beleza não está só na luz, mas no encontro dela com a noite. O sentido da vida é relação. Estar em relação com, em relação nos outros, com o mundo, com o inefável, contigo mesmo. A vida é dar e receber, um modo de estar em relação pura como mostrou Cristo. Não precisamos de respostas para viver bem. Só precisamos de aceitar o convite de Deus, mesmo sem entendê-lo completamente. Afinal, somos todos peregrinos, não donos do caminho.
O neto ficou em silêncio, contemplando o céu, de coração mais leve. Naquele momento, percebeu que não precisava de resolver todos os mistérios da vida. Bastava viver a pergunta, na vivência de um passo de cada vez.
E o velho, com um sorriso sábio, voltou à sua madeira, esculpindo uma figura que só ele sabia o que viria a ser — tal como a vida.
António da Cunha Duarte Justo
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