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Novos caminhos para a evangelização - Por Dom Roque Paloschi


Visita e mensagem do Papa Francisco de Puerto Maldonado como abertura do Sínodo Pan-Amazônico 

Despertou alegria e curiosidade quando o Papa Francisco, no dia 15 de outubro de 2017, anunciou sua intenção de realizar dois anos mais tarde, em outubro de 2019, uma Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica. O Sínodo Pan-Amazônico será um Sínodo da Igreja Universal a partir dos nove países que fazem parte da vasta região amazônica (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela), cujos desafios econômicos, políticos, culturais e pastorais, são desafios mundiais. A floresta amazônica, por vezes chamada de “pulmão do mundo”, hoje está em crise e aponta para uma pneumonia do planeta terra e dos seus habitantes. Essa pneumonia, assim como “a miséria não é uma fatalidade: ela tem causas que devem ser reconhecidas e removidas, para honrar a dignidade de tantos irmãos e irmãs”, disse o papa na mesma ocasião ao lembrar o “Dia da Rejeição da Miséria”. Como principal objetivo dessa convocação sinodal, o papa apontou para a busca de “novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus”.

Agora, no dia 19 de janeiro de 2018, ao iniciar sua visita ao Peru através de um “Encontro com os povos da Amazônia”, em Puerto Maldonado, o papa contextualizou esse objetivo sinodal da busca de “novos caminhos”, que vou resumir em cinco pontos.

Diante da presença de um grande número e de uma grande variedade de povos originários da Amazônia, o papa sublinhou o “rosto plural”, a “variedade infinita” e a “enorme riqueza biológica, cultural e espiritual” da Amazônia e se comprometeu com a defesa solidária da biodiversidade dessa região, com a defesa da vida, da terra e das culturas. “A defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida”. Essa biodiversidade é também um indicador e um imperativo para nossa conversão pastoral, que exige uma nova presença ministerial e prática sacramental.
   
A diversidade humana e biológica, disse o papa, está ameaçada por uma “forte pressão de grandes interesses econômicos” que se concentram na exploração do “petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais”. É preciso “romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes”.
   
O estilo de vida dos povos da Amazônia é marcado por uma “sobriedade feliz” (LS 224s), que sintetiza a mensagem da Encíclica `Laudato Si´. O papa considera “imprescindível fazer esforços para gerar espaços institucionais de respeito, reconhecimento e diálogo com os povos nativos, assumindo e resgatando a cultura, a linguagem, as tradições, os direitos e a espiritualidade que lhes são próprios”. Esses espaços institucionais, como por exemplo as organizações indígenas e os sindicatos rurais, podem ser os guardiões das florestas e devem “forçar os governos a desenvolver normativas, procedimentos e controles mais rigorosos” (LS 179).
   
Além dos perigos externos, os povos da Amazônia precisam defender-se contra seus inimigos internos, os “colonialismos ideológicos mascarados de progresso”. É preciso escutar os idosos e discernir entre o que é destrutivo e o que é construtivo na escolha de tratamentos de saúde e de saberes escolares. Considerar as culturas históricas e dinâmicas não significa deixar-se alienar por culturas importadas. A educação deve promover espaços de educação intercultural e bilíngue em todos os níveis. Exige-se uma nova antropologia e uma releitura histórica, sempre “a partir da sua perspectiva”, disse o papa. “Pedimos aos Estados que se implementem políticas de saúde interculturais, que tenham em conta a realidade e a cosmovisão dos povos, formando profissionais da sua própria etnia que saibam enfrentar a doença a partir da sua visão do cosmos”. E se dirigindo aos habitantes da Amazônia presentes naquele encontro, o papa disse: “É bom que agora sejais vós próprios a auto definir-vos e a mostrar-nos a vossa identidade. Precisamos de vos escutar”.
   
O guia para os “novos caminhos para a evangelização” é a teologia da encarnação. Pela encarnação de Cristo todos podemo-nos considerar “auto afirmados n´Ele” em nossa própria cultura. As cosmovisões dos povos da Amazônia podem enriquecer a Igreja “com a visão duma nova faceta do rosto de Cristo”. E o Papa Francisco é enfático quando pede: “Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazônicas”. Pelo diálogo e a participação “podeis plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena”. Esse será o núcleo dos “novos caminhos para a evangelização”: uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena”. Os avanços nesses caminhos serão decisivos para o Sínodo Pan-Amazônico.

Por fim, com muita confiança, o papa fez um apelo à “capacidade de resistência dos povos” que já venceram tantas “batalhas da história” com sua “visão diferenciada das relações humanas, com o meio ambiente e com a vivência da fé”. Depois do discurso do Papa Francisco, todos que estivemos presentes, representantes dos povos da Amazônia, bispos e agentes de pastoral, sentimos ter grandes tarefas pela frente com a construção de uma Igreja mais inculturada, uma “Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena”. Sentimos que não é somente uma tarefa para a Pan-Amazônia ou para uma pastoral indígena ou indigenista, mas para a pastoral da Igreja Universal.

Essa tarefa universal se realiza no dia a dia das nossas paróquias, dioceses e no Cimi. Sim, o papa tinha toda razão quando nos disse: “Provavelmente, nunca os povos originários amazónicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”.

Ao voltar à Porto Velho meditei todas essas palavras do Papa Francisco. Depois de 500 anos de evangelização, a Igreja precisa ter novamente e sempre a coragem de ficar ao lado dos povos originários e empenhar-se em promover espaços de diálogo, e respeito às suas culturas, línguas e espiritualidade. Somos uma Igreja profética, mística e militante, corajosa e sábia no anúncio da Boa Nova e na denúncia das injustiças? Nossa missão junto aos povos indígenas sempre nos introduz em conflitos estruturais da nossa sociedade.

Somente esse ano de 2018, que mal começou, já acumulou tantas violações aos direitos indígenas:

– lembro-me do assassinato do professor Marcondes Namblá Xokleng, a pauladas no Estado de Santa Catarina;

– lembro-me do professor Daniel Kabinxana Tapirapé, apedrejado no Mato Grosso;

– lembro-me da destruição causada por um incêndio criminoso da base de proteção na terra indígena Karipuna, em Rondônia;

– lembro-me do despejo extrajudicial com práticas de tortura contra famílias do povo Kaingang, no Rio Grande do Sul;

– lembro-me dos discursos racistas e de incitação ao ódio que vem se multiplicando em muitos ambientes, inclusive por agentes públicos;

– lembro-me de direitos constitucionais que estão sendo solapados e desmontados de manera sistemática.

Mas lembro-me também das palavras do Papa Francisco dirigidas aos representantes dos povos indígenas presentes naquele encontro de Puerto Maldonado: Vós sois “um grito lançado à consciência de um estilo de vida que não consegue medir os custos do mesmo. […] Vós sois a memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum”. O Sínodo Pan-Amazônico vai ser uma grande oportunidade para a Igreja no Brasil e para a Igreja Universal de se tornarem geradoras de esperança –  a partir da Amazônia, na unidade do Espírito Santo, para a luz do mundo.
 

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