Sexta-feira, 19 de setembro de 2008 - 15h31
O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – acaba de divulgar a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2007) com alguns resultados que serão comemorados e difundidos em larga escala pela ala governista do presidente Lula e outras conclusões que servirão de munição para ala oposicionista vociferar toda sorte de diatribes contra os lulistas. Entre percentuais controversos, como o crescimento expressivo de pessoas com mais de 10 anos de estudo e um índice assustador que nos sustenta no posto de líder da América do Sul em analfabetismo, a PNAD nada mais é que mais uma das inúmeras pesquisas do IBGE que consomem milhões de Reais e geram centenas de números, que serão interpretados de acordo com o interesse e os olhos de quem os vê.
Há que se observar com cautela os números de qualquer pesquisa. Tão logo a PNAD 2007 foi divulgada, todos os meios de comunicação festejaram a maior queda da desigualdade social desde 1990. Mas espere um pouco: quer dizer que o primeiro ano de governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello foi mais eficaz no combate às desigualdades sociais? Onde encaixar, então, a famigerada máxima do presidente Lula de que “nunca antes neste país se fez tanto pelo desenvolvimento social”? Segundo a PNAD, Luiz Inácio está mentido, já que Collor teve melhor desempenho, mesmo com todas as adversidades de seu curto e turbulento governo e de suceder a desastrosa administração de José Sarney. Ponto de vista ou apenas números?
Seguindo esse raciocínio, vamos encontrar outras bravatas politiqueiras. A PNAD 2007 informa que o mercado de trabalho vem melhorando lentamente, mas ainda não alcançou os patamares do primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Basta dizer que a taxa de desemprego, que no ano passado ficou em 8,2%, em 1995 era de 6,1% da população economicamente ativa. Se o quesito em análise é o rendimento médio real dos trabalhadores, a situação é bem pior: a renda mensal em 2007 foi de R$ 960,00 enquanto a Era FHC chegou a registrar R$ 1.023,00 em 1996. Ao levarmos em consideração os efeitos da inflação, da desvalorização e de todo esse “economês” que fez nosso dinheiro valer cada vez menos nesses 12 anos, a situação do governo Lula é crítica. No entanto, nosso presidente continua dizendo que o país está uma maravilha. Ponto de vista ou apenas números?
A PNAD também coloca lenha na fogueira de um recente escândalo da administração lulista: os desvios bilionários de verbas destinadas ao programa “Luz para Todos”, um dos carros-chefe da campanha de reeleição presidencial. O que deveria ser a versão potencializada do programa “Luz no Campo” do governo FHC, transformou-se num engenhoso mecanismo eleitoreiro e duto fácil e sem fiscalização para escoar dinheiro público (até 2008 estão previstos gastos na ordem de R$ 9 bilhões). Para quem possa ter esquecido, vale lembrar que foi esse escândalo que derrubou o ex-ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, e levou para a cadeia o empresário Zuleido Veras, durante a Operação Navalha, desencadeada pela Polícia Federal. Eis que a PNAD informa que em 2002 o percentual de domicílios atendidos com os serviços de energia elétrica era de 96,7% e em 2007 passou para 98,5%. Ou seja, o governo Lula, apesar do mega investimento, só levou luz à 1,8% dos domicílios enquanto a gestão FHC contemplou 7,9%. Isso sem falar que esses pífios 1,8% ficaram concentrados em municípios administrados por prefeitos da base aliada ao governo (das 425 cidades beneficiadas, 316 são situacionistas, conforme denunciou o jornal Folha de São Paulo em 04/08/2008, com base em dados do Ministério das Minas e Energia e da Confederação Nacional dos Municípios). Ponto de vista ou apenas números?
Outro dado da pesquisa do IBGE que merece destaque é o percentual de domicílios atendidos por saneamento básico. O governo comemora o está sendo chamado de “avanço com acúmulos de resultados positivos”. Mas será que podemos mesmo festejar? Não, não podemos. Por mais que exista, de fato, uma melhora nesse índice da PNAD, é vergonhoso perceber que apenas a metade dos lares brasileiros tem acesso à rede coletora de esgotos. Ao observar os números por Região, a discrepância é ainda mais assustadora: enquanto a Região Sudeste aparece com 79,4% de domicílios com saneamento básico, a Região Nordeste tem apenas 29,7% e a Região Norte é apresentada com inacreditáveis 9,8%. Uma vergonha absoluta! Prova incontestável da falta de respeito e compromisso dos governantes com os cidadãos do Brasil e que remonta à décadas de descaso de todos os presidentes de nossa República tupiniquim. Ponto de vista ou apenas números?
Por outro lado, a PNAD apresenta dados dignos de aplauso, como a substancial redução do trabalho infantil desde 1992 onde o percentual de ocupação da faixa etária entre 5 e 17 anos era 19,6% e em 2007 caiu para 10,6%. É fato que trata-se de um índice muito alto, mas essa queda mostra que os programas de combate ao trabalho infantil são satisfatórios. No entanto, a julgar pelos números, não podemos esperar mais 30 anos para erradicar essa tétrica realidade social de nosso país. Ponto de vista ou apenas números?
Apesar de ser largamente aplicada em todos os setores da sociedade moderna, a Estatística, por sua história e etimologia, é um importante instrumento do Estado, principalmente na formulação de políticas públicas. A PNAD merece esse respeito. Entretanto, não estamos diante de um “ponto de vista”. A PNAD é um conjunto de estatísticas fundadas em “números”. Há que se ter cuidado justamente em como esses números são interpretados e utilizados. Quer um exemplo? O famoso 69. Trata-se do único número existente cujos algarismos que compõem seu quadrado (69² = 4.761) e seu cubo (69³ = 328.509) formam todos os números de 0 a 9 sem repetição. Na acepção popular, 69 é algo bem mais interessante!
Fonte: HELDER CALDEIRA
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