Quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019 - 12h20
Estamos
até agora estarrecidos, em todo o Brasil e pelo mundo afora, com o evento de
rompimento da barragem de rejeito da extração de minério da Vale na cidade de
Brumadinho, que deixou uma cidade em estado de luto, desnorteada e em estado de
apreensão, já que se totalizam mais de 169 mortes e 141 desaparecidos até o
momento.
Um
total de mais de 12 milhões de metros cúbicos de lama foram liberados no
Córrego do Feijão, um dos afluentes do Rio Paraopeba, onde a lama já avançou a
mais de 100 km adentro deste rio e chegando área de influência da Usina do
Retiro Baixo.
As
causas efetivas do rompimento da barragem ainda não são conhecidas, mas é
sabido o descaso da empresa com a sociedade no entorno da barragem e com a
natureza, ao promover a escolha pela manutenção de uma barragem com metodologia
ultrapassada e altamente potencializadora de danos, tudo por conta da não
massificação dos gastos e a diminuição de seus lucros.
Ou
seja, a empresa promoveu uma atuação pensando nos interesses próprios, a partir
de uma perspectiva econômica, de que a manutenção deste tipo de barragem
geraria menos gastos e não afetaria seus lucros, não pensando que ao promover
outros tipos de interação na barragem a fim de tornar os rejeitos sólidos,
pudessem impedir qualquer evento trágico.
A
empresa promove uma gestão de riscos a fim de tentar manter aquilo que era
potencialmente danoso com o menor custo possível. Ao assim agir, a empresa Vale
acaba por ofender os Direitos da Natureza de todos os seres envolvidos no
entorno da barragem e que foram afetados com o evento.
Direitos
da Natureza, também chamados direito de Pachamama ou de Mãe-Terra, nada mais
são que as acepções de que todos os seres vivos são passíveis de direito, em
maior ou menor grau em um bioma, não podendo o homem negar estes direitos de
forma a suplantar os direitos de todos os seres.
Pensar
a partir de uma compreensão de Direitos da Natureza é sair da simples concepção
do Direito Ambiental, que coloca o homem em primeiro lugar dentro da
perspectiva do meio ambiente, devendo este último ser utilizado para a promoção
da riqueza, bem-estar e geração de novos direitos para o homem, que pode
poluir, promover atividades degradantes e impactantes, desde que pague por tais
danos causados. Ao assim agir, promove-se uma “sustentabilidade” pautada na
possibilidade de promover atividades danosas, desde que promova a preservação
do meio ambiente, mesmo não sendo no mesmo ambiente.
Uma
atuação em Direito Ambiental visa encontrar meios de legitimar as atividades
economicamente danosas, de forma que o meio ambiente acabe por “encontrar um
equilíbrio”.
Enquanto
pensar a utilização dos bens naturais a partir da compreensão do Direito da
Natureza importa em saber se estas atividades podem causar riscos, podem ser
ofensivas para uma parte ou toda a natureza, bem como se as atividades são
mesmo necessárias para a promoção do desenvolvimento da própria natureza, posto
que se não visar o desenvolvimento dessa própria não há como agir nas suas
alterações.
A
natureza não é um bem a serviço do homem, mas sim um todo simbioticamente
estabelecido, onde devem conviver todas as espécies de um bioma, sendo uma ação
realizada se extremamente necessária e que não seja potencialmente lesiva a
todos.
A
natureza nos impõe uma atuação de preservação e mínimo impacto, de forma que
somente se permitiria a sua utilização quando eminentemente necessário à sua
própria manutenção.
Ao
abordar esta questão e a necessidade de uma relação simbiótica entre os seres
humanos e a Natureza, respeitando as culturas e tradições, bem como o produto
material e imaterial natural, a sentença proferida na Corte Constitucional
Colombiana, julgando o caso do Rio Atrato assim descreveu:
La
protección de los ríos, los bosques, las fuentes de alimento y la biodiversidad
(medio ambiente sano) tiene una relación directa e interdependiente con la
garantía de los derechos a la vida y la salud, (así como la cultura y el
territorio), dentro de lo que se ha denominado derechos bioculturales.
Precisamente, los elementos centrales de este enfoque establecen una
vinculación intrínseca entre naturaleza y cultura, y la diversidad de la
especie humana como parte de la naturaleza y manifestación de múltiples formas
de vida. Desde esta perspectiva, la conservación de la biodiversidad conlleva
necesariamente a la preservación y protección de los modos de vida y culturas
que interactúan con Ella.
Esta
uma concepção de direito a partir da natureza, que deve ser vista como uma
expressão tradicional, promovida a partir de valores ancestrais dos povos que
vivem em efetiva interação com essa, de forma que o centro da universalidade do
saber se paute na totalidade dos seres e não na centralidade do ser humano.
Esse é um pensamento pós-abissal, ou seja, realizado fora das linhas
discriminatórias de separação dos saberes que privilegiam os saberes que vem do
norte global, e descolonial, já que pensa a partir dos saberes de outros povos,
que tem seu agir respeitados e conjuntamente estabelecidos, não com visa de
gerar poder ao homem, mas de promover a preservação e a interação entre toda a
natureza.
Sobre
este tema de Direito da Natureza, já manifestei que essa deve ser compreendida
como
ente personalizado, devendo o desenvolvimento social pautar-se pela sua
adequação aos interesses gerais desta nova personalidade, que sempre buscará a
sustentabilidade com meio de progresso, garantindo a vida, o equilíbrio do meio
ambiente e a biodiversidade. A ideia de Bem Viver aglutina-se com a finalidade
social do uso da natureza pelo povo que junto a esta se integra, como uma
necessidade de uma atuação conectada do ser humano com a natureza com meio de
progresso responsável e saudável, como um novo horizonte direcional. (LEMOS,
Walter Gustavo S. Bem viver: um pensar descolonial para os Direito humanos,
2018. In: Direitos de Pachamama e Direitos Humanos, Ed. Mucuripe, p. 128)
Assim,
este pensar impediria esse tipo de atividade lesiva a natureza, que foi
realizado a partir de gestão de riscos, da promoção de compensação financeira
pelos danos causados e da permissão da poluição, já que os direitos de
Pachamama impedem que atividades potencialmente lesivas sejam realizadas, como
era o modelo adotado pela empresa Vale na sua atuação na mina no Córrego do
Feijão, em Brumadinho, ainda mais quando o próprio conhecimento já permite a
exploração de minerais sem a geração deste tipo barragem e sem a produção de rejeitos,
que são potencialmente lesivos.
A
natureza nos impõe uma atuação compreensiva, conjunta e conectada, para que
todos os seres sejam preservados quando da realização de uma atividade.
Passar
a agir no Direito a partir de uma concepção de Pachamama e não do que hoje nos
impõe é uma premissa necessária, que não exige muitas mudanças dentro das
concepções jurídicas já existentes no Brasil e no mundo, mas já compreendidas
nas legislações do Equador, Bolívia, da Cidade do México, entre outras localidades
e territórios que já descrevem este tipo de compreensão em seus ordenamentos
jurídicos. Estas mudanças só exigem vontade política para ocorrer, para que
passemos a produzir de forma efetivamente equilibrada, respeitável e pautada na
preservação de todos, de todos os seres que compõem a natureza, não somente
pensando na geração de riqueza para alguns.
Sobre o Autor:
Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ.
Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY.
Especialista em Direito Processual Civil pela FARO - Faculdade de Rondônia e em
D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D.
Internacional da FARO e da FCR - Faculdade Católica de Rondônia. Membro do
Instituto de Direito Processual de Rondônia - IDPR. Membro da ABDI - Academia
Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor
Geral da OAB/RO. Ex-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO
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