BREVES NOTAS SOBRE O CONCEITO DE LIVRO e o ALCANCE DA REGRA CONSTITUCIONAL DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL
Por Flávio da Silva Andrade*
A imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão está prevista no artigo 150, VI, letra d, da Constituição Federal, e visa a garantir a difusão da cultura.
MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO[1], cuidando do tema, assinalam que se trata de imunidade objetiva, “abrangendo todos os impostos que poderiam incidir sobre as operações com esses bens. Observe-se que, não sendo subjetiva, não estão a livraria, a banca de jornais ou os comerciantes em geral imunes aos impostos incidentes sobre os rendimentos decorrentes de suas atividades. Imunes são as operações de importação, produção ou circulação destes bens, não a renda resultante de sua venda. Fica afastada, por exemplo, a incidência de II, IPI, ICMS, mas não a de imposto de renda”.
Os referidos autores, entretanto, alertam que somente livros, jornais e periódicos impressos em papel estão imunes, não as publicações em meios eletrônicos. A extensão da imunidade a softwares, CDs, DVDs ou a qualquer outro meio de divulgação de conhecimento que não seja o papel é não é aceita pelo Supremo Tribunal Federal[2].
Aqui reside o ponto central a ser abordado nestes breves apontamentos. Embora deva ser respeitada a posição firmada pelo Pretório Excelso, a matéria exige novas reflexões tomando como norte as transformações tecnológicas vivenciadas no mundo moderno. O conceito de livro deve ser ampliado, de modo a abranger os modernos meios eletrônicos hoje usados para se disseminar a cultura e a informação.
ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA[3] ensina que “livro é um objeto elaborado com papel, que contém, em várias páginas encadernadas, informações, narrações, comentários etc, impressos por meio de caracteres. Essa é a acepção corriqueira de livro, que qualquer dicionário registra.” Todavia, atento ao espírito que moveu o Legislador Constituinte, o referido tributarista destaca que “a palavra livro está empregada no Texto Constitucional não no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, mas, sim, no de veículos de pensamento, isto é, de meios de difusão da cultura. (...) Hoje temos os sucedâneos dos livros, que, mais dia menos dia, acabarão por substituí-los totalmente. Tal é o caso dos CD-Roms e dos demais artigos da espécie, que contém, em seu interior os textos dos livros, em sua forma tradicional.”[4]
Esse entendimento doutrinário, em que pese não predomine no Supremo Tribunal e em parte dos tribunais brasileiros, revela-se escorreito na medida em que confere máxima efetividade ao comando constitucional, não se vislumbrando a menor razão para dele se destoar.
Com efeito, a interpretação da expressão “livro” deve ser feita no sentido de entendê-lo como um veículo de disseminação do conhecimento. Por conseguinte, fazendo uma interpretação extensiva da regra imunitória, tem-se que também deve alcançar os meios eletrônicos de difusão de informações e cultura, como é o caso do CD-ROMS, fitas cassetes, DVDs, CDs, softwares, etc. Ora, atualmente esses suportes estão substituindo os livros, de modo que, numa interpretação sistemática e teleológica da regras constitucionais, devem ser afastados do campo de incidência dos impostos.
O intérprete não pode esquecer que a norma imunitória em comento foi e é destinada a estimular a propagação do saber e da cultura, viabilizando a livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF/88), da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação (art. 5º, IX, CF/88) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, CF/88). Portanto, o fato de o livro, jornal ou periódico não ser feito de papel, mas veiculado em meio informatizado ou eletrônico, não deve ser óbice ao reconhecimento da imunidade tributária, já que esses novos formatos não os desnaturam como meios de divulgação da cultura e do conhecimento.
Como bem disse SÍLVIO DE SALVO VENOSA[5] , “as leis envelhecem, perdem a atualidade e distanciam-se dos fatos sociais para os quais foram editadas. Cumpre à jurisprudência atualizar o entendimento da lei, dando-lhe uma interpretação atual, que atenda às necessidades do julgamento”. Noutras palavras, se a lei se mostrar defasada, deve o intérprete estar atento para trazer à superfície o seu real sentido, fazendo os ajustes necessários para adequá-la à nova realidade.
* FLÁVIO DA SILVA ANDRADE é Juiz Federal em Rondônia.
[1] in Manual de Direito Tributário. 4ª edição, revista e atualizada. Editora Atlas. Niterói/RJ. p. 60
[2] Ob. cit. p. 61
[3] in Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros Editores, São Paulo, 13ª ed., 1999. p. 487
[4] ibem, ibidem, p. 488
[5] in Direito Civil - Parte Geral. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46.
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