Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral estarão hoje diante da decisão mais importante na história da Corte. Pela primeira vez, deverão decidir sobre a legalidade de uma eleição presidencial. Está nas mãos dos sete decidir se cassam a chapa eleita em 2014 e, em consequência, tiram Michel Temer da Presidência da República.
Independentemente do resultado para Temer, o processo já tem um vitorioso: o ministro-relator, Herman Benjamin (foto). Seu conhecimento jurídico, seu poder de argumentação e sua clareza de exposição construíram um caso sólido em favor da cassação e conquistaram um país pouco afeito às minudências judiciais.
Apenas nas longas semanas de julgamento do Mensalão, questões jurídicas dominaram o papo nos botequins como agora. Assim que Benjamin concluir seu voto nesta manhã, os ministros que adotarem posição adversária estarão diante de uma enorme dificuldade para desmontar seus argumentos – e, ainda assim, tentarão fazê-lo.
A sessão de ontem deixou evidente que não há páreo intelectual para Benjamin naquela Corte – talvez nem no Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto nas questões processuais quanto na exposição sobre o mérito da causa, ele argumentou com base em artigos da lei, premissas incontestáveis e lógica cristalina. Aqueles que tentaram contestá-lo se embrenharam em raciocínios confusos, digressões irrelevantes ou contorcionismos falaciosos. Deixou os adversários diante de uma escolha dificílima: apoiá-lo, ou então passar uma vergonha histórica diante da nação.
Mais que isso, Benjamin adotou uma estratégia digna de um enxadrista em sua exposição. Primeiro, usou as preliminares para deixar que eles avançassem suas peças. A principal discussão se centrou em torno dos limites da causa. Os adversários tentaram, de todas as formas, impôr restrições, com base nos termos da petição inicial. Era a forma de tentar derrubar provas incontestáveis recolhidas por Benjamin, de modo a salvar o mandato de Temer. Os debates foram extensos.
Seria admissíveis os depoimentos de delatores da Operação Lava Jato, em especial os ligados à Odebrecht, em desafio à opinião do ministro Tarcísio Vieira? Pagamentos à campanha feitos antes da eleição de 2014, contra a objeção do ministro Napoleão Maia? Apenas caixa um usado para pagar propina, como estranhamente defendeu o ministro Admar Gonzaga? Ou também caixa dois e até caixa três (expressão usada por Benjamin para definir doações ilegais terceirizadas)? Apenas doações ilegais ligadas a contratos da Petrobras, como exigiu o ministro Gilmar Mendes? Ou também a outros tipos de ilegalidade?
Ao dar corda para que cada adversário impusesse suas restrições, Benjamin confiava na sua posição no tabuleiro. Ele demonstrou, com base na lei eleitoral e no código civil, que todas as restrições não tinham fundamento. Mas seu caso era tão sólido, que ele poderia até aceitá-las sem prejudicá-lo. Ofereceu então um gambito arriscado: deixou de lado os depoimentos de delatores da Odebrecht, ainda que ela fosse citada na petição inicial.
Antes de sacrificar sua peça mais valiosa, ele deu uma aula (mais uma) sobre as técnicas usadas pelas empresas para manter contribuições ilegais. Constatou que não há, na prática, distinção entre dinheiro doado ao partido ou diretamente à campanha. Descreveu como as empresas mantêm “contas correntes” com os políticos, em que propinas são acumuladas ao longo do tempo, para uso nas campanhas. Mostrou, enfim, que a mera existência de doações não-declaradas basta para cassar um mandato.
Quando Benjamin começou a avançar suas peças, o adversário estava completamente exposto. Usou apenas depoimentos de delatores citados na petição inicial, como Paulo Roberto Costa, Fernando Baiano ou Pedro Barusco, para descrever em detalhes o caminho do dinheiro da Petrobras – apenas da Petrobras – para os partidos e, em consequência, para a campanha de 2014. Evitou, nesse momento, citar a Odebrecht, embora ela fosse a principal empresa do cartel que operava na Petrobras.
Citou um caso de corrupção cometida com a doação de dinheiro sujo oriundo de propinas ao caixa um da campanha, satisfazendo à bizarra objeção do ministro Admar. Descreveu, enfim, um evento que, respeitando todas as restrições impostas, emparedou os quatro ministros adversários, Gilmar, Admar, Tarcísio e Napoleão: o caso Keppel Fells.
Os marqueteiros da campanha de Dilma e Temer, João Santana e Mônica Moura, receberam, em contas de sua offshore Shellbill, US$ 4,5 milhões desviados de contratos de sondas da Petrobras por meio da Keppel Fells – e os pagamentos se estenderam até dezembro de 2014. Isso foi confessado por todos os envolvidos. Há provas documentais, como extratos e comprovantes de depósito. É Petrobras, é 2014, é dinheiro sujo e não é Odebrecht – tudo de acordo com os limites estabelecidos pelo quarteto adversário. Xeque.
A defesa sustenta que os pagamentos eram relativos a dívidas da eleição de 2010. Mas Benjamin descreveu de modo absolutamente convincente como as propinas funcionavam como uma poupança, acumulada ao longo do tempo para uso em campanhas. E quem há de contestar a palavra dos próprios marqueteiros, que afirmaram ter sido pagos apenas porque trabalhavam na campanha de 2014?
Os quatro votos de Gilmar, Admar, Tarcísio e Napoleão bastarão para absolver a chapa Dilma-Temer e manter Temer no cargo. A esta altura, Benjamin está preparado para a derrota. Mas seu jogo pôs a nu a fraqueza dos adversários. Expôs, mais que tudo, como o julgamento foi contaminado pelo interesse político daqueles que pretendem manter Temer no cargo a todo custo.
Nada há de errado em uma Corte eleitoral tentar zelar pela estabilidade política. É parte de seu dever. Cassar um mandato presidencial diante da incerteza da sucessão é de fato um evento ímpar. O erro maior, contudo, está em não ter promovido um julgamento mais ágil e em vendar os olhos para a realidade. As provas de abuso de poder econômico e corrupção na campanha são cristalinas. Um juiz que não condena o crime apenas o incentiva.