Sexta-feira, 22 de junho de 2018 - 14h07
Priscilla Chater*
A Petrobras, novamente tomando para si a tarefa de acalmar os ânimos da população e contornar crises políticas, anunciou, no fim de maio, a redução do preço do diesel, decisão que obviamente não foi endossada pelos seus acionistas. Embora o ex-presidente da estatal, Pedro Parente, tenha afirmado que não houve interferência do Palácio do Planalto, o histórico de atos interventivos no setor de combustíveis é inegável, a exemplo da fixação dos preços dos produtos derivados da cana-de-açúcar pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) nas décadas de 80 e 90.
Como resultado da redução anunciada, o valor das ações despencou e até mesmo os manifestantes e seus adeptos não se convenceram de que a solução é efetiva, muito menos confiável. Isso se dá, claramente, em razão da evidente politização da Petrobras e da contínua adoção de medidas extremas de controle que conflitam com o próprio texto Constitucional, que somente permite intervenções do Estado no domínio econômico em situações excepcionalíssimas.
Nesse ponto, vale destacar que a Lei do Petróleo, nº 9.478/97, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, trata sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo e prevê, expressamente, a liberalização do preço dos combustíveis, com o fim de subsídios, para igualá-lo ao do mercado externo.
Dessa forma, os preços deveriam ter sido totalmente liberados a partir do dia 1º de janeiro de 2002, superando todo o histórico de forte intervencionismo do Estado na comercialização de combustíveis. Entretanto, diferentemente do esperado, sobretudo, no curso do Governo Dilma, o controle de preços, não apenas prevaleceu, como foi usado em seu extremo, enquanto mecanismo de controle artificial da inflação.
Os impactos do desalinhamento dos preços na Petrobras foram nefastos, o que a levou a perder o posto de maior empresa do país e, ainda, a possuir a maior dívida corporativa do mundo no setor petrolífero. Em decorrência disso,
ao ser nomeado, em 1º de junho de 2016, o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, se comprometeu a balizá-los em conformidade com os valores praticados no mercado externo.
Seja para controlar a inflação, seja para contornar uma crise evidentemente grave, a decisão de reduzir ou conter o valor do diesel ou de qualquer outro combustível, pela estatal, não é legítima. O controle informal dos preços, mediante empresa interposta, como historicamente tem acontecido, depende de ato normativo autorizativo e não há lei em sentido formal autorizando a fixação pela estatal (art. 84, IV da CF). Inexiste lei ordinária ou complementar, cuja competência é privativa do Presidente da República, que legitime o ato.
Deve-se, portanto, resguardar a manutenção da atual política de preços da Petrobras, com variações diárias em decorrência da taxa de câmbio e do valor do petróleo no mercado internacional, até mesmo para que seja viabilizada a sua recuperação, já que que o modelo intervencionista foi um verdadeiro fracasso.
A população tem sido demasiadamente onerada, não em razão da flutuação de preços em conformidade com o mercado externo, mas dos elevadíssimos tributos incidentes sobre os combustíveis, além da obrigatoriedade de a distribuição ser feita por intermediadoras, muitas vezes, dispensáveis na cadeia de fornecimento do insumo, o que, inegavelmente, reflete no seu preço. Podemos citar como exemplo o etanol, que pode sair da destilaria ao custo de R$ 1,80 e ser vendido nas bombas pelo valor de aproximadamente R$ 3,60.
Evidentemente, não é de se estranhar que o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, assim como os representantes dos governos estaduais, sustentem que não há espaço para cortar impostos, diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas, mas, por outro lado, afastar a necessária adoção de medidas nesse sentido, é confessar a incapacidade de reorganização tributária e orçamentária.
Vale destacar que os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentaram um Projeto de Resolução ao Senado (PRS nº 24/2018) que busca limitar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre a gasolina, o álcool e o diesel. Entretanto, apenas limitar o percentual do ICMS e manter o valor da pauta (preço referencial, definido pela Secretaria da Fazenda do respectivo Estado arrecadador) em completa dissonância com o mercado é igualmente inócuo. O valor de pauta deve expressar aquele efetivamente praticado, ou seja, deve ser real; não pode ter por base uma cifra alcançada unilateralmente pelos órgãos estaduais de arrecadação, divergente daquela aposta nas bombas.
Além disso, outra alternativa viável é redimensionar a receita e os gastos públicos, de modo a possibilitar a retirada da cobrança de PIS/Cofins, cuja base de cálculo atual também não se mostra a mais adequada, já que o valor é fixado sem a observância da oscilação de preço.
Em meio à crise, algumas propostas merecem destaque, em virtude de sua evidente coerência e eficácia, a exemplo daquela formalizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no sentido de defender a liberação da venda direta do etanol pelas usinas aos postos de combustíveis.
Tal proposição também é objeto de análise pela Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 10316/2018, de autoria do Deputado Federal Mendonça Filho, altera a redação da Lei do Petróleo, para permitir a venda direta. Por sua vez, os Projetos de Decreto Legislativo nº 916/2018, de autoria do Deputado Federal João Henrique Holanda Caldas (PSB/AL), e nº 955/2018, do Deputado Federal Rogério Rosso (PSD/DF), visam à sustação do artigo 6º da Resolução nº 43, de 22 de dezembro de 2009, da Agência Nacional de Petróleo – (ANP), segundo o qual o fornecedor de etanol somente pode comercializá-lo com outro fornecedor cadastrado ou distribuidor autorizado pela ANP.
Além de estimular a concorrência, pois a comercialização pelas distribuidoras acaba tornando inviável a competição do etanol com a gasolina, tal mudança repercute no crescimento de um setor importantíssimo para o país, que vem sendo constantemente afetado pelas políticas de preços do Governo Federal e da Petrobras.
Enfim, é hora de repensar e criar novos modelos de tributação e concorrenciais, estabelecendo um planejamento eficiente e duradouro, que não comprometa a sustentabilidade do setor de combustíveis e a credibilidade dos investidores internos e externos.
* Advogada e sócia do escritório Chater Advogados, em Brasília.
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