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Opinião: Amazônia Encena na Rua. Diversidade na adversidade


 
Por Adailton Alves (*)

A terceira edição do festival Amazônia em Cena na Rua, realizado pelo grupo O Imaginário, possibilitou-me o contato com a produção teatral e a realidade do norte do país, ainda desconhecida para mim. Dificuldades imensas, como em outras partes do Brasil, mas que fez da praça a ágora do agora, inundando-a com poesia.

Chicão Santos, membro do grupo realizador do evento, vem chamando a atenção para o custo amazônico. Citarei dois exemplos para ilustrar do que se trata: um grupo da região estava indo para apresentar-se no festival, ficava no Estado ao lado de Rondônia, mas teve que viajar até o sudeste para pode chegar ao festival, demorando nove horas. Se houvesse vôos locais chegaria em uma hora no máximo. Um dos atores presentes ao evento relatou que precisou enviar uma correspondência, um simples documento, uma folha de sulfite, desembolsou R$ 40,00, em seu Estado costuma pagar a metade desse valor.

Todas essas dificuldades não é impedimento apenas para os moradores da região, mas para todo o Brasil, já que, assim como os cidadãos locais, os demais brasileiros se vêem impedidos de se deslocar e conhecer melhor aquela região que representa mais da metade do território brasileiro. Pois é isso, a Amazônia legal, devido seus altos custos, tem impedido que muitos brasileiros usufruam mais das delicias e da cultura produzida naquela região.

Para além das dificuldades relatadas, o Amazônia em Cena na Rua se consolida como evento de grande relevância não apenas para a região, mas para todo o Brasil. Além de reunir artistas de todos os Estados da Amazônia legal, estavam presentes fazedores de teatro de rua de outras regiões do Brasil. O festival reuniu ainda pesquisadores em um seminário que discutiu estética, pesquisa, organização política e ensino de teatro. Esse ano mais uma novidade acrescentou-se ao evento: a realização de um festival de dança, também ocorrido na praça.

O Seminário, do qual tive a felicidade de participar, proporcionou aos presentes um debate de alto nível, levantando assuntos diversos que não se esgotaram naquele encontro, mas que, com certeza, abalou algumas verdades. Constatou-se a precariedade material dos fazedores de teatro de rua, bem como a força da rede como organização política, a multiplicidade de problemas em todo o Brasil, nas suas múltiplas realidades. Quem ainda desconhecia tomou contato com a Rede de Teatro da Floresta, que visa organizar, discutir e apresentar o teatro que é feito na região amazônica. Questionou-se que teatro de rua se faz por ali, já que adentram tribos, comunidades ribeirinhas, onde as ruas são trilhas, crateras etc. Numa tentativa de resposta, ainda que não definitiva ou absoluta, mas buscando unificar em um conceito essas multirrealidades, penso que isso que é o teatro de rua: um teatro que está nos espaços abertos, seja uma praça, a beira de um rio, uma trilha ou uma rua propriamente, é isso que o faz marginal (à margem do que é oficial e oficializante), pois ocupa os espaços que não foram pensados para a fruição teatral, entretanto, o artista, teimosamente, cria um espaço de magia e troca de experiências. Ao ocupar esses espaços com teatro, os artistas o re-funcionalizam, impulsionando e instigando quem faz e quem vê a novas possibilidades.

Novas possibilidades de criação e de magia é isso que o teatro de rua nos aponta. Daí sua marginalidade, pois desorganiza organizando, isto é, ao re-funcionalizar o espaço para o qual não foi pensado ele está desorganizando a função primeira, ao mesmo tempo em que organiza uma nova ordem dentro do espetáculo. Como bem afirma Amir Haddad, “não é o mundo que nos organiza, mas é o espetáculo que organiza o mundo.”

Acompanhei apenas dois dias de espetáculos, pois tinha outros compromissos, mas pude constatar essas possibilidades na diversidade dos espetáculos apresentados. Desde o diálogo do palhaço/mestre (Léo Carnevale) de cerimônias do evento que a todos encantava com suas tiradas, ora ácidas, ora picantes; a poesia que invadiu a praça em uma linda noite de luar. Poesia presente não só na Colombina do grupo Será o Benedito?! que bailava no ar com sua lira, mas na poesia que começou tímida, retirada de uma caixinha posta em cena, à poesia que brotou das pessoas que lá assistiam e passaram a ser protagonistas do espetáculo. Ou ainda do bêbado/poeta que ocupou a cena do espetáculo d`Os Tawera criando naquele instante um cordel, que tornou-se poesia pura quando ao finalizar o ator convidou-o a dançar juntamente com o público, naquele momento ocorreu a verdadeira troca de experiências, segundo o conceito de Walter Benjamin, ou, para citar o mestre Amir Haddad novamente, naquele momento fez-se uma bolha em torno de todos nós, marcando-nos aquela experiência. Naquele momento apontou-se para novas possibilidades. Certamente aquele cidadão, o ator e todo o público presente, jamais esquecerão aquele instante de magia. Magia essa proporcionada pelo Amazônia em Cena na Rua. Que venham as próximas edições.

(*) Adailton Alves - Mestrando em Artes e ator do Buraco d`Oráculo

 

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