Sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010 - 06h29
CARLOS NICODEMOS*
Profecias a parte, pois não são próprias no campo da ciência, o choro da rainha mirim da bateria da escola de samba Unidos do Viradouro, a pequena Júlia de 7 anos, e seu olhar acanhado e constrangido na passagem pela avenida do samba no Rio de Janeiro, conforme exibido pelas emissoras de TV, nos deixa muitos recados e certamente alguns desafios.
Um desses desafios, no vigésimo aniversário (1990-2010) do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, é entender que a proteção dos direitos humanos infanto-juvenis na sociedade brasileira, não é uma função de determinado órgão, da escola, da Justiça ou mesmo exclusivamente dos pais. A proteção integral e permanente das nossas crianças é função de todos nós, todos os dias e em todos os momentos.
Esta proteção também compreende entender as crianças e os adolescentes como sujeitos em processo peculiar de desenvolvimento, conforme a Convenção das Nações Unidas pelos Direitos das Crianças da ONU de 1989. O caso da pequena Júlia, nomeada rainha da bateria da escola de samba é a demonstração latente que ainda trabalhamos um conceito de proteção, pautado em valores adultocentricos que fazem de nossas crianças verdadeiros depositários de nossos sonhos e expectativas.
Fazer da pequena Júlia Lira a rainha da bateria foi um sonho que terminou em lágrimas. Por oitenta e dois minutos, tempo de passagem de uma escola pela avenida, a pequena, mesmo chorosa e assustada, honrou com as tradições culturais do adulto e cumpriu a agenda que lhe ofereceram. Efetivou-se assim, a agenda do carnaval em detrimento à da criança, conforme anunciamos em outras resenhas.
A participação das crianças no carnaval deve ser considerada sob o manto dos direitos, notadamente, o direito à cultura e ao lazer. Por outro lado, a decisão da Justiça de autorizar o desfile da pequena Júlia, remonta o debate no campo do Direito quanto à relação daquilo que é legal e não necessariamente justo.
Explico. De fato e de direito o desfile (sofrido) da pequena Júlia estava amparado pela lei. Porém, esta decisão não atendeu ao reclame do que efetivamente era justo, qual seja, preservar a condição da criança enquanto sujeito em peculiar processo de crescimento, conforme o Artigo 4º da Lei 8069/90. No lugar da autoridade do argumento (Lei 8069/90) que deveria negar o pedido, prevaleceu o argumento da autoridade, ou seja, o entendimento da Juíza de Direito de que não necessariamente haveria erotização (sic).
Num cenário não tão distante, ainda na esteira do carnaval, na agenda adultocentrica da nossa sociedade, em Salvador, a música Lobo Mau cantada por Ivete Sangalo, ícone da MPB, estimulava sob os encantos da metáfora carnavalesca, subliminarmente, que o “Chapeuzinho Vermelho” fosse devorada pelo “Lobo Mau” , sob o ritmo do “Vou te Comer!!”.
Somos a favor de todos os ritmos de música e qualquer censura deve ser repudiada por tudo aquilo que lutamos para consolidar o Brasil como uma democracia de todos nós. Por outro lado, como compatibilizar uma chamada musical, como esta que ora descrevemos, com valores de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes?
Não caiamos no mesmo erro do caso da pequena Júlia e saiamos por ai buscando autorizações judiciais que protejam o direito à liberdade de expressão. Este direito é cláusula pétrea de nossa Constituição Federal de 1988, especificamente no Artigo 5º. Por outro lado, deve-se extrair do exercício deste direito um sentido positivo e agregador de valores, sob pena de estarmos diante da ponderação de interesses frente a outros direitos.
Por fim, nesta última parte das resenhas que escrevemos neste carnaval, acreditamos que devamos ir além da proteção doméstica que prestamos aos nossos filhos e das decisões judiciais que fazem valer o argumento da autoridade. O maior desafio (porque não aprendizado?!) que nos é colocado neste carnaval quanto aos direitos das crianças e dos adolescentes é a necessidade da construção de uma lógica de proteção que possa implicar toda a sociedade com a compreensão de que é tarefa nossa, de todos nós, assegurarmos a cidadania infanto-juvenil.
Enquanto não chegarmos neste nível de compreensão, o Lobo Mau continuará sendo uma ameaça e as lágrimas de Pierrô( neste caso da Colombina) será um indicativo que devemos mudar o enredo na sociedade brasileira em nome de milhares de crianças e adolescentes, sob pena de sermos todos rebaixados na avenida da humanidade.
CARLOS NICODEMOS é Advogado, Membro da OAB/RJ, Coordenador Executivo da Organização de Direitos Humanos – Projeto Legal e Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças do Estado do Rio de Janeiro.
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