Domingo, 28 de fevereiro de 2010 - 09h57
Bruno Peron
Nenhum país, por mais fechado que seja, é capaz dentro da sensatez de ignorar a inserção internacional e os processos globais de articulação dos povos e das economias. A China e o Japão, respeitando os matizes, exemplificam sistemas que se abriram ao mundo e tornaram-se países poderosos. Os excessos de inspiração telúrica, porém, induzem à deformação da harmonia internacional em proveito de poucos países, que não escondem a ganância e a volúpia de tomar para si.
A Pangérica dispõe de mais de oitocentas bases militares em todo o mundo e demonstra que é capaz de mentir e invadir para estender seu domínio. O caso mais recente é a incriminação do Irã pela mera intenção de se defender. Pangérica, França e Israel, todos portadores de armas nucleares, têm criado a imagem de que o Irã vai enriquecer urânio a tantos por cento e seguir objetivos bélicos.
A manipulação toma tais proporções que, em parceria com a ignorância, passou-se a medir o nível de ameaça do Irã em função da percentagem de enriquecimento de urânio. Vi numa reportagem que o alerta aumentou porque o Irã decidiu enriquecer urânio a 80% em vez de 20%.
Deixando a questão iraniana para outra ocasião, uma das polêmicas mais recentes parte da reativação da Quarta Frota da Marinha de Guerra da Pangérica em julho de 2008. É um complexo de armamentos avançados e navios capazes de servir de base para o lançamento de armas nucleares que foi criado em 1943 no auge da Segunda Guerra e operou nas águas do Atlântico ao longo de América Latina e Caribe até 1950. A Pangérica come do fruto proibido, mas continua no paraíso.
Enquanto o militarismo é o recurso da Pangérica para exercer domínio mundial, os cafetões das grandes agências de notícias condenam a tentativa de o Irã se defender na mesma medida em que prepararam o terreno de enforcamento de Saddam Hussein, ex-presidente iraquiano. O exercício de reconhecer que não existe objetividade na imprensa é singelo.
A Pangérica, sedenta desde Washington e com sede mundial, divide o mundo em grandes regiões a fim de controlá-lo e vigiá-lo.
Para quem duvidava da existência de um governo global, até polícia telúrica já se criou nas fiscalizações de armas de destruição em massa no Iraque e Irã, invasão do Afeganistão com o pretexto de combate ao terrorismo, apoio à deposição do governo legítimo de Manuel Zelaya em Honduras, e envio de tropas ao Haiti, que precisa de auxílio médico. Os métodos de abordagem são variados: ajuda humanitária, treinamento de oficiais nativos e sustentação a operações de contra-insurgência.
O governo colombiano recebe apoio do estadunidense no combate ao narcotráfico.
A Quarta Frota reivindica que saia urgentemente um vencedor do embate entre o “bolivarianismo” e o “panamericanismo”. Ideais voltados à nossa natureza se chocam com a labareda do vizinho que trocou o porrete pelo poder da palavra e, quando necessário, das armas.
Governos progressistas e de orientação mais autônoma na América Latina resistem à Pangérica. A região abaixo do rio Grande volta a compor a mesa de debates da política externa do Norte devido à ascensão mais independente.
A reativação da Quarta Frota, que já esteve em exercício num momento de tensão mundial e resistência ao comunismo, comprova que a Pangérica está disposta a sustentar outra briga e movimentar a sua indústria bélica. O preço das armas é maior que o de vidas para as sentinelas da guerra. Vozes afirmam que a descoberta de petróleo na camada pré-sal do Brasil estimulam o apetite da Quarta Frota.
Ainda que se concentre em Brasil, Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia, o rechaço aos ditames de Washington é cada vez maior. Projetos alternativos de desenvolvimento desde foros da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), Unição das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) desviam a América Latina do campo de influência de potências mundiais a ponto de que a estratégia tem que ser relançada ou repensada pelos “exterminadores do futuro”.
A criação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos é mais um passo.
É lamentável que a reativação da Quarta Frota não tenha provocado qualquer reação fora da academia e alguns grupos institucionais e de opinião no Brasil. O avanço da democracia venezuelana e a estratégia de dissuasão do governo iraniano, em contrapartida, são temas covardemente tergiversados pelas agências gigolôs de notícias a serviço do mal maior.
Já se ouve o rugido da Quarta Frota.
Bruno Peron Loureiro é analista de América Latina e Relações Internacionais.
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