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OPINIÃO DO CIDADÃO: Ouro Pretopolitano



Um sonho real é para poucos. Cair na real está ao alcance de qualquer um. Ouro, metal nobre, princípios, nem tanto. Estive, em companhia de minha família, ao final desta primeira quinzena de Janeiro, visitando a nossa Petrópolis Imperial, situada na região serrana do Rio e convite constante a novas descobertas destas terras brasileiras.

É curioso como somos doutrinados, desde tenra idade, a beber, em doses magérrimas, os acontecimentos históricos cirurgicamente definhados em páginas absolutas e sem opções de refutação dos nossos livros didáticos.

Peguemos uma batalha qualquer, episódio antigo ou recente de maior repercussão, e ali teremos, com toda a certeza, vários personagens envolvidos – até mesmo centenas ou milhares (segunda guerra mundial, tragédias naturais, golpes de Estado) – e, por restrita cultura que cada um tenha ou pouca desenvoltura ao se expressar, sempre emergirão vários pontos de vista e opiniões distintos, similares ou a mistura de ambos, sendo, praticamente impossível que sejam feitas narrativas únicas e universais sobre estes fatos e, o pior ainda, sintetizadas em parcas páginas para servir de ensino ao público aprendiz.

Por que levanto esta questão? Voltando a minha auspiciosa viagem histórica, não pude deixar de reparar nos diálogos que travei com os moradores locais de Petrópolis – não têm uma base científica, mas, revelam muito das características mais marcantes – e, para o meu espanto ou perplexidade, não reinava ali nenhum sentimento ufanista ou de orgulho de nenhuma das pessoas com as quais conversei.

Ora bolas, não seria natural que qualquer pobre mortal batesse no peito e propagasse aos visitantes que naquela cidade se estendeu uma época de reinado, com as pompas e ritos típicos do momento e que, quem sabe, por alguma ironia do destino, foi desfeito despropositadamente, deixando lembranças eternas para todos?

Como a maioria dos brasileiros, eu lia o suficiente os livros de história para poder fazer as provas escolares e ... Ah, aos dezesseis anos, estive na cidade do Rio de Janeiro onde, por iniciativa própria, dirigi-me ao museu imperial para matar vontades de estudante colegial.

Como é que eu, hoje, do alto dos meus 37 anos, pude mudar tanto as minhas concepções e ter, agora, idéias “impuras” sobre os acontecimentos históricos?

Para começar, Petrópolis está, hoje em dia, mais para pólo de malharia do que berço de contemplação dos seus fatos passados. E isto não é demérito, afinal, os moradores de lá precisam ganhar o seu pão e história não paga as contas de ninguém.

Para mim, ficou a impressão de falta de interesse e entusiasmo dos que ali habitam pelos seus padrões de herança pretérita (pelo menos, aquelas ditas de norte a sul do Brasil), e, para falar a verdade mesmo, diante do mundo atual de organizações de movimentos afro-descendentes, cotas raciais (hoje, consigo entender melhor e derrubar os meus preconceitos sobre a emergência de se equilibrar melhor as oportunidades e dividir o bolo com nossos irmãos de pele negra) e luta pela igualdade de condições para todos os cidadãos, o cenário da família real brasileira soa ultrapassado, démodé, fora de contexto, beirando ao ridículo e escárnio geral.

Como pode ser digno de aplausos e reverências este recorte histórico que tanto contribuiu para a expropriação (poder da coroa portuguesa), exploração (minas de ouro, agricultura, trabalho aviltante nas casas dos nobres e abastados, desigualdade e genocídio sem precedentes (tráfico de escravos em navios movidos a sangue) ? Não é de se estranhar que a população de Petrópolis não se sinta parte de tudo isto, que não se deixe envolver pelo descrédito de um período macabro e de ostentação em prejuízo a grande parte dos seus antepassados. A imagem da última fotografia oficial da família real brasileira antes de ser obrigada a deixar o país é muito reveladora: A altivez do

Rei que perdeu a sua majestade e ruma inexoravelmente para fora dos seus domínios, a Imperatriz Teresa Cristina acomodada em uma cadeira senil, as crianças sem a dimensão correta do que ocorria e pouco à vontade para a pose final, os dois homens nobres mantendo vigília ao último imperador e, o que é mais destacado, o desalinho da amorenada princesa Isabel, descompromissada em se fazer parte do dia derradeiro e, quem sabe, pensando na difícil e grande arquitetura que fora feita para lhe prestigiar com o documento de alforria dos escravos (casuísmo ou primórdios das grandes jogadas de marketing atual?).

Visitei os principais pontos turísticos, como o Palácio de Cristal (um símbolo à frivolidade e excentricidade), a casa de Santos Dumont (parece ter sido recrutado de propósito para amenizar os ares da cidade), a Catedral ou Mausoléu dos restos mortais de alguns membros da família real (seria uma cópia das pirâmides egípcias e a vontade suprema de se colocar ao lado do próprio Deus?), além de lugares identificados como moradas de grandes personalidades (Ex.Presidente JK) e autoridades da casta econômica e política.

Considerando que a grande força de trabalho para que castelos de ouro fossem erguidos em companhia de estilos suntuosos de vida foi a mão-de-obra escrava negra, eu busquei, meticulosamente, no centro histórico, algum monumento de consagração deste povo e, para minha surpresa, não havia absolutamente nada.

Avançando muitos quilômetros ao longo da estrada real, chegamos a Ouro Preto, cuja territorialidade como emblema marcante do ideário de um povo que lutou pela liberdade de uma nação é incontestável e faz encher de orgulho o peito dos que ali moram. Não só deles. Da grande maioria dos brasileiros. Aqui, em terras mineiras, formou-se uma das maiores rotas de exploração da história, transformando em buracos de metal as nossas montanhas, cuja finalidade era a de conferir toda a pompa necessária à cidade de Pedro.

A história para ser compreendida não deve ser analisada aos pedaços e não deve ser privilégio de um pequeno grupo a oportunidade de fazer estes encaixes de retalhos dispersos. Alguém tem dúvidas de que a chegada de torneiro mecânico Luís Inácio à presidência começou a ser lapidada nas minas de metais preciosos do Império Luso-Brasileiro?

Não faço, aqui, nenhuma apologia gratuita de diminuição da cidade Petropolitana ou lanço combustível à qualquer espécie de provocação entre mineiros e cariocas (população fluminense).

Claro que a existência da grandeza das suas construções é material da mais elevada qualidade para continuarmos estudando os fenômenos que lá reinavam. Só não podemos deixar de fazer um grande reparo em nossos escritos ao definirmos que a ocupação das nossas terras sempre foi movida pelos interesses insaciáveis de Portugal e, por que não dizer, de toda a Europa quando das suas cruzadas marítimas em direção ao novo mundo para “levar a palavra divina” aos pecadores do terceiro mundo.

Um dos pontos mais questionáveis, em minha opinião, é de que a famigerada derrama de outrora, se transformou, nos dias atuais, em Laudêmio, que é um imposto que remonta ao período da coroa (foi capitalizado pela marinha brasileira também para a área litorânea e algumas outras cidades) e enche os cofres dos herdeiros da família imperial.

Se fosse feito um estudo mais acurado e comparado da nossa história, chegar-se-ia, com toda a certeza, ao fato de que as senzalas foram uma espécie de campo de concentração para a população negra, vilipendiada como ser humano e mantida encarcerada até se exaurir de tanto trabalhar ou ser acometida por moléstias tropicais.

Não pensem que este texto é algum tipo de revanchismo ou fala imprópria para desagregar. Ao contrário, pretendo que façamos uma justa reaproximação do Brasil consigo mesmo, aceitando os mármores e enfeites dourados, mas, não se esquecendo que a estrada real – o termo foi muito feliz – seja meio de ligação de valores, causas e fatos históricos e possa imprimir o nosso documento de identidade com uma prevalência clara de quem somos e para onde nos deslocaremos nos mesmos trilhos históricos rumo ao futuro. Visitemos Petrópolis já! 

Fonte: Anderson Tadeu

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