Domingo, 20 de junho de 2010 - 09h29
Um juiz da cidade de conceição do Coité na Bahia, Gerivaldo Alves Neiva, escreveu uma sentença, simples, num pedido de providência judicial apresentado pelo marceneiro José de Gregório Pinto, contra a rede de lojas Insinuante, um gigante do setor no Brasil.
O pedinte era um marceneiro que comprara um celular nas lojas Insinuante por 174 reais e depois de dois meses, sem mais nem menos, parou de funcionar. O relevante dessa história foi a linguagem utilizada pelo juiz da comarca de Coité, ao dispensar e até de certo modo ironizar a linguagem dos envolvidos na matéria de Direito, além das altas despesas da outra parte para se negar a pagar uma ínfima quantia.
Além de dispensar a linguagem formal, o juiz dispensou as famosas e, muitas vezes, ludibriantes, provas técnicas das gigantes e se ateve à prova relevante apresentada que foi o próprio aparelho de celular sem falar após dois meses de usos.
O que existe de termos jurídicos e de latim são reproduções de trechos citados pelos advogados das empresas, sempre acompanhada das colocações simples do juiz, que começou dizendo que iria direto ao assunto. Até a apresentação dói direta, não chamou de reclamante ou reclamada, nem de postulante nem postulada, com a substituição para “quem pede” e “contra quem”.
A sentença não é diferente das demais no conteúdo, nem deixou de obedecer a qualquer regramento. Não contém embasamentos legais explícitos, apenas foi relatado o fato, numa clareza e grandeza incomparáveis, pois mesmo que não houvesse nenhuma lei amparando, quem vende um telefone traz a presunção óbvia que é para se falar. O tempo e as condições do aparelho provavam, por si, de que não houve danos causados por bancadas ou coisa do gênero. Era a prova bastante. Quem vende algo para alguma coisa e ele não faz essa coisa, deve devolver e ainda pagar por prejuízos ou constrangimentos causados. Isso foi dito pelo juiz.
Quanto à simplicidade das palavras, sem nenhuma citação a jurisprudência ou a posições de doutrinadores renomados, dá uma lição de praticidade e sabedoria, ao invés do que muitos pensam. Essa simplicidade deveria ser obrigatória para todas a fim de tornar a justiça mais rápida, se utilizada conforme a relevância ou complexidade de cada ação.
Com certeza, essa sentença traz uma reflexão sobre se é mais importante uma linguagem jurídica excessiva, que mais confunde do que esclarece e pouca gente entende ou uma linguagem normal que qualquer pessoa entenda; se é mais importante as citações, rodeios ou basta o fato narrado. Não resta dúvida de que essa sentença é mesmo para o marceneiro, o pedreiro e qualquer um entender. Até neste texto fui obrigado a substituir várias vezes algumas palavras, com vistas a acompanhar o sentido da sentença. Ressarcir por devolver magistrado por juiz são apenas exemplo.
Coloco reparo apenas no tom meio irônico do magistrado, e a colocação na questão de valor baixo, pois a questão de fundo é a responsabilidade, independente de o valor ser alto ou baixo. Seu José, guarde essa sentença, mesmo que não seja um marco, ao menos é uma sentença que qualquer um entende e isso não é pouco na “seara” jurídica.
Fonte: Pedro Cardoso da Costa / Bel. Direito
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