Sexta-feira, 11 de novembro de 2011 - 07h11
Professor Nazareno*
A recente notícia veiculada nacionalmente informando que o Hospital João Paulo Segundo de Porto Velho é o pior hospital de pronto-socorro do Brasil pode não ter causado muito espanto na comunidade rondoniense. É tanta desgraça que acontece neste Estado e nesta cidade que já estamos nos acostumando a tudo isto. Mês passado foi o Instituto Trata Brasil que constatou ser esta capital a cidade mais suja e imunda do país com raros 1,2 por cento de saneamento básico e menos de três por cento de água tratada, mesmo sendo margeada por um dos maiores rios de água potável do mundo. Aqui só falta uma chuva de fezes para completar o quadro de mazelas sociais impostas à população, principalmente aquela fatia menos privilegiada. A conta da construção das hidrelétricas está começando a chegar. Mas quem são os culpados por tudo isto?
A culpa é toda nossa enquanto sociedade. O poder público tem, obviamente, uma grande parcela de responsabilidade, talvez a maior, por mais esta vergonha, mas somos nós os mortais comuns e pagadores de impostos que fornecemos o combustível necessário para o aumento desta desgraça neste início de milênio. O nosso silêncio é mortal para os que precisam daquilo. Muitos de nós fazemos de conta que o Hospital João Paulo Segundo nem existe, pois nos protegemos vergonhosamente com os nossos planos de saúde particulares. “Se eu não sinto o problema, faço de conta que o caso não é comigo”. O choro dos desesperados e dos que perdem seus entes queridos em condições subumanas não nos incomoda nem nos afeta. Nem parece que aqueles cidadãos são seres humanos, eleitores e pagadores dos mais altos impostos do mundo.
O que todos enquanto sociedade e poder público estamos fazendo com os nossos pobres, com os pobres de todo o Estado de Rondônia, é muito pior do que aquilo que Hitler fez com os judeus durante o Holocausto na Segunda Guerra Mundial. O tirano nazista nunca mentiu nem foi hipócrita com as suas vítimas. Nunca escondeu do mundo, nem dos próprios judeus, quais eram as suas intenções para quem não se enquadrasse nos ideais absurdos do Estado alemão. Quem pôde saiu o mais depressa possível e salvou a própria pele. Nós nunca dissemos para os nossos pobres, para os pobres de Porto Velho e de Rondônia, nem para aqueles que não podem dispor de um bom plano de saúde, e que por isso estão lá jogados, que o que temos a lhes oferecer é apenas a falta de dignidade, de humanidade, os maus-tratos, o chão frio, o sofrimento, a morte.
O que nós fazemos com os nossos pobres é muito pior do que aquilo que a Igreja e a elite branca fizeram com os escravos em séculos passados. Quem nascia negro pelo menos era informado que “nem alma tinha” e por isso muitas vezes até se conformava com o destino de sofrimento. Estamos fazendo com os nossos deserdados pior do que os brancos europeus fizeram com os africanos no neo-colonialismo. Por que os vários governos que conviveram e convivem com o problema nunca encontraram uma solução? Por que desses miseráveis só interessa o voto em época de eleições? Autoridades, classe política, Poder público, sociedade civil organizada, todos devíamos tomar vergonha na cara e dar satisfação ao Brasil e ao mundo. Todos devemos governar para o bem daqueles quem nos elegeram e, por falta de opção, nos elegerá futuramente.
De que adianta ser a sexta potência econômica do mundo e ter de conviver com estas desgraças? Juro que queria ser a última, mas não gostaria de possuir um Hospital João Paulo, uma Unir em greve, uma Porto Velho suja e imunda, uma sociedade hipócrita e mergulhada no caos e na corrupção. Somos os responsáveis por um povo que lota as ruas com 140 mil pessoas numa banda de carnaval, numa passeata gay ou numa Marcha para Jesus e não conseguimos mobilizar ninguém para reivindicar saúde ou educação públicas de qualidade. Os gigolôs da miséria e da alienação geral devem ter bons planos de saúde, as autoridades e os políticos de plantão também, por isso levamos a sério humoristas bobos e suas piadas idiotas em vez de nos preocupar com os problemas sociais que tanto denigrem a nossa imagem lá fora. A fumaça que exalava dos fornos crematórios em Auschwitz, Birkenau, Treblinka e Sobibor incomodava os não judeus enquanto o cheiro de sangue pisado e de carne crua que exala da Avenida Campos Sales, na Zona Sul de Porto Velho, nem penetra nas nossas hipócritas narinas. Diante disso, ter vergonha de ser rondoniense e brasileiro devia ser algo normal para quem nada faz. Somos monstros insensíveis que não aprendemos nada com Auschwitz.
*É Professor em Porto Velho.
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