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OPINIÃO: Os médicos e sua carreira de Estado


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*Roberto Luiz d’Ávila

Estudo realizado e divulgado recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que, ao contrário do que se pensa, não há escassez de médicos no Brasil. Pelo contrário, os números indicam que o volume de profissionais da categoria cresceu, percentualmente, quase o dobro que o total da população brasileira durante o período de 2000 a 2009.

Ao longo desses anos, a quantidade de médicos em todo o país aumentou 27% – de 260.216 para 330.825 –, enquanto a população brasileira cresceu 12% – de 171.279.882 para 191.480.630. Atualmente, no Brasil, há um médico para cada grupo de 578 habitantes. Em 2000, essa relação era de um profissional para 658 habitantes.

Se considerássemos apenas esse acréscimo proporcional do número de médicos, poderíamos concluir que a possibilidade de acesso à assistência clínica estaria a caminho dos padrões dos países mais desenvolvidos do mundo. Contudo, isso não é verdade. Infelizmente, a análise dos dados revela a cruel realidade da distribuição dos médicos pelo território nacional.

Há concentração de 72% dos médicos em atividade nos estados das regiões Sul e Sudeste; e a maioria dos profissionais restantes está estabelecida no litoral e nas capitais. No Rio de Janeiro, por exemplo, há, no interior do estado, um médico para cada grupo de 598 habitantes; na capital, há um profissional para 172 habitantes.

Se é verdade que há unidades da federação que apresentam uma proporção digna de indicadores europeus, como o Distrito Federal (um médico por 287 habitantes), também é verdade que há outras nas quais a relação se aproxima daquela se que vê nos países mais pobres do mundo. É o caso de Roraima, onde, no interior, há um médico para cada grupo de 10.386 habitantes.

Mas por que o médico não se fixa nos municípios mais carentes ou fora das áreas de desenvolvimento? A resposta é simples: pela falta de políticas públicas efetivas que reconheçam a importância do médico e dos outros profissionais da saúde, que lhes ofereça salário adequado, possibilidades de formação continuada, um plano de crescimento profissional e condições dignas de trabalho.

Sem essas garantias mínimas, o médico sempre terá dificuldades de criar raízes, exercer com tranquilidade sua profissão e, assim, contribuir para o desenvolvimento humano de uma comunidade. O que assistimos é um fluxo irregular. Mesmo aqueles que assumem o desafio de ir para o interior muitas vezes desistem mal dados os primeiros passos.

Com vínculos empregatícios frágeis ou ausentes, sem possibilidade de se aperfeiçoar e convivendo diariamente com a ausência de infra-estrutura para garantir o atendimento, o médico (jovem ou veterano) não vê outro caminho a não ser voltar ao seu ponto de partida. São vítimas da precarização do trabalho.

Sofrem os profissionais, que não têm chances de exercer sua profissão adequadamente, e sofre a população, privada do direito constitucional de receber a devida assistência em saúde. O país precisa urgentemente de soluções que garantam a interiorização da Medicina. E isso não significa colocar um médico em municípios carentes munido apenas de seu estetoscópio. É fundamental construir uma nova realidade, sob pena de comprometer avanços assistenciais alcançados pelo SUS nas últimas décadas.

Embalado por diretrizes que o tornam referência internacional, o Sistema Único de Saúde, criado em 1988, sofre com sua inconclusão, caracterizada pela enorme distância de seu escopo teórico em relação ao estrangulamento das emergências e aos vazios assistenciais. Assim, para garantir que o modelo ganhe vida plena, é preciso uma ação política urgente.

Em primeiro lugar, para assegurar uma fonte de financiamento estável para o SUS. A regulamentação da Emenda Constitucional 29, que há anos se arrasta pelo Congresso Nacional, necessita do engajamento do Governo e da união de forças políticas que a levem a sua aprovação definitiva. Apenas com a garantia de investimentos e recursos será possível ampliar a rede, equipá-la e assimilar os avanços proporcionados pela modernidade tecnológica.

Mas há que se olhar também para o profissional, para o médico que atende no posto de saúde ou no hospital, no campo ou na cidade. Com a criação de uma carreira de Estado para estes profissionais, em modelo semelhante ao adotado pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, seria possível garantir o cuidado a todos os cantos do país. Sobre esse tema, há uma proposta em trâmite no Congresso sob a forma de emenda constitucional, que tem sido discutida de forma favorável dentro do Ministério da Saúde. Ela implica um aperfeiçoamento profundo da política de recursos humanos no SUS. Por um lado, ela estabelece salários compatíveis com as exigências do trabalho. Por outro, dá ao médico que pertença à carreira condições de se desenvolver profissionalmente e exercer com qualidade seu mister. Aqui, mais do que de proventos, falamos de acesso a programas de formação médica continuada, infra-estrutura de trabalho (instalações e equipamentos) e uma rede integrada capaz de absorver os casos mais graves. Enfim, é uma mudança de paradigma que beneficiará toda a população, ao garantir-lhe a presença de um profissional qualificado e aparelhado para prover a tão esperada assistência.

*É presidente do Conselho Federal de Medicina

 

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