Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Rondônia

Entrevista com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Continuação


Entrevista com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Continuação - Gente de Opinião

5. ARL − Como surgiu a vontade de seguir a carreira da magistratura? Como ocorreu essa preparação? Quais as virtudes que você destaca num juiz? Um juiz consegue ser isento, imparcial?

Dimis Braga – Essa resposta merece um pouco de história. Ao concluir o ensino médio numa escola de bairro, fraquíssima, amarguei um primeiro fracasso no vestibular para Economia (1985) e sequer tentei no ano seguinte (1986), pois só havia a Universidade Federal e eu tinha que trabalhar duro como servente de pedreiro e auxiliar de perfuração de poços semiartesianos, estudando por conta própria, nas horas vagas, longe dos bancos escolares. Estava sobre a carroceria de um caminhão, indo perfurar mais um poço, quando comprei o jornal e lá estava meu nome, aprovado em concurso público Estado (SEFAZ-AM). Então pude pagar um preparatório e passei no vestibular para Direito em 1987. Estudante, passava em frente à Justiça Federal todos os dias – é ao lado da SEFAZ –, e admirando as escadarias sóbrias e o prédio elegante, sonhava em ser Juiz ali. Então, desde o começo do curso sabia o que queria, mas jamais disse a ninguém, e pela minha simplicidade, poucos achavam que eu passaria.

Existem dois tipos de preparação para ser juiz. A primeira é o estudo necessário para passar no concurso, a outra é mais importante, é o amadurecimento das qualidades necessárias para julgar. São conquistas da prática do estudo diário, do trabalho, cursos de pós-graduação e de aperfeiçoamento, aquisição de cultura e observação do ser humano. Fui logo aprovado no 1º concurso para servidor da Justiça Federal e, pouco depois de um ano de experiência como advogado, tomei posse e já tinha um cargo de nível superior, assessorando juízes, então a Justiça Federal foi minha escola, e já tendo sido advogado, desde quando fui servidor, tinha muito respeito por essa profissão. Cinco anos depois, fui Promotor de Justiça, então pude estar em todas as posições do balcão e da sala de audiências – quando assumi o cargo de Juiz já era bastante experiente, embora jovem.

Mas a preparação técnica não se esgota na aprovação e posse como juiz, cujo exercício exige habilidades muito mais complexas do que para a aprovação. Um juiz deve ser empático, capaz de ouvir as partes e garantir o equilíbrio de oportunidades na produção das provas e julgar com equidade. Buscar continuamente o conhecimento, o que se torna cada vez mais difícil na sociedade da estupidez e da ignorância, da polarização e das fake news. Em vez da era do conhecimento, a internet e a pós-modernidade nos trouxeram a pós-verdade, o excesso e a superficialidade da informação, em que a máxima cartesiana: penso, logo existo foi substituída por “se me é útil, acredito”.

Seria interessante, além do estudo, que o juiz vivesse, ou conhecesse profundamente antes de ser um julgador, algumas das mazelas que lhe chegam para julgar. Eu tive essa vivência, aos 9 anos trabalhava muito em casa e no pequeno comércio do meu pai: sem contar com minha mãe, varria a casa, a taberna e as calçadas, passava panos no chão, nos móveis, fazia comida e atendia aos fregueses; aos 13, além do comércio, revendia confecções vindas do Ceará; a partir dos 14 fui servente de pedreiro, auxiliar de técnico eletrônico, de marcenaria, de oficina mecânica de carros, vendedor de loja de confecções; entre os 16 e 19 além de servente de pedreiro, fui garçom, vendedor de bingos de automóveis, títulos de capitalização e outros, até me tornar servidor público, aprovado em concurso com apenas 19 anos.

Apesar de tudo isso, cursei quatro especializações, mestrado e doutorado em Direito, participei de dezenas de cursos de aperfeiçoamento e eventos de qualificação. Se a última esperança é a Justiça, precisamos fazer o máximo para dar-lhe credibilidade, pois o juiz pode até negar a pretensão, mas a decisão deve ser fundamentada.

Situações há que demandam ir além de esperar sentado no gabinete. No ano 2000, em Santarém, fui colher o depoimento de um ex-seringueiro acamado, imprescindível para garantir a pensão de soldado da borracha ao autor da ação. Dez anos depois, situação semelhante ocorreria em Manaus e mais recentemente, em Porto Velho. Antônio Serpa do Amaral, servidor da Justiça Federal, registrou duas inspeções realizadas na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e peças de seu acervo, por ocasião da enchente do Rio Madeira de 2014. A visita era necessária para o julgamento de causa ajuizada pela OAB.

A imparcialidade do juiz diz respeito a garantir às partes a equidade de tratamento e o equilíbrio na produção das provas, pois só assim a sentença será expressão do melhor Direito. Quando o juiz decide, após colher as provas, ele não se torna parcial, apenas entrega o direito a quem tem.

Quem melhor sacramentou e sintetizou entre nós o ideal de igualdade foi Rui Barbosa: (...) “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” (Oração aos Moços)

6. ARL - Um dos grandes nomes da literatura brasileira, Fernando Sabino, escreveu a seguinte frase: “Para os pobres é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica”. Hoje a imprensa propaga que quem tem dinheiro e pode pagar bons advogados, desconhece a dureza da lei. Favor comentar!

Dimis Braga – A irracionalidade do sistema penal brasileiro não advém só do Judiciário, mas da desigualdade que permeia a sociedade, influenciando o Direito que é fruto e semente dela, refletindo na lei. Essa, prevê infinitos recursos, tanto no âmbito penal quanto civil, nem sempre usados por quem não dispõe de recursos financeiros, mas explorados até o último pelos que os possuem. Nada mais injusto do que um criminoso ficar impune pelo decurso do prazo da prescrição; assim como, no plano inverso da injustiça, o inocentemente acusado ter que conviver com a extinção do processo pela prescrição, sem obter a declaração de sua inocência.

7. ARL - É sabido que você tem pelo menos um livro no prelo. Quando irá publicá-lo?

Dimis Braga- Trata-se de um livro jurídico, sobre energia e Direito Ambiental. O boneco dele está em minhas mãos há anos, mas diante de uma mudança na lei, suspendi a publicação até fazer revisões, para o que, diante de desafios pessoais, profissionais e acadêmicos, ainda não pude dedicar o tempo necessário. Mas vou publicá-lo este ano, já renovei os contatos com a editora.

Continua na próxima semana…

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Governo de RO entrega Unidade revitalizada da Ciretran em Nova União

Governo de RO entrega Unidade revitalizada da Ciretran em Nova União

O governo de Rondônia entregou, nesta sexta-feira (22), mais uma unidade revitalizada da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) no interior d

Governador Marcos Rocha entrega nova Ciretran em Alta Floresta e reforça modernização nos municípios do Estado

Governador Marcos Rocha entrega nova Ciretran em Alta Floresta e reforça modernização nos municípios do Estado

 Governo de Rondônia, sob a liderança do governador Marcos Rocha, avança em sua gestão municipalista com a entrega de importantes obras que benefici

Incra apresenta resultados do trabalho nas comunidades quilombolas de Rondônia

Incra apresenta resultados do trabalho nas comunidades quilombolas de Rondônia

No Dia da Consciência Negra a superintendência do Incra em Rondônia anunciou que Rondônia está com 100% das comunidades quilombolas com processo de

Novembro Quilombola: MPF atua para garantir direitos de comunidades quilombolas em Ji-Paraná (RO)

Novembro Quilombola: MPF atua para garantir direitos de comunidades quilombolas em Ji-Paraná (RO)

O Ministério Público Federal (MPF) tem atuado em 27 procedimentos ,em Ji-Paraná (RO), que buscam benefícios e direitos de seis comunidades quilombol

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)