Domingo, 22 de julho de 2007 - 10h18
O conceito de que irresponsabilidade tem limite foi obra do processo de
privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Numa gravação, sempre
graças a elas, o então ministro Mendonça de Barros alertava de que estavam
passando do limite da irresponsabilidade num conchavo para beneficiar um
concorrente. Também no primeiro mandato de FHC ocorreu o acidente do Fokker
Cem da TAM que matou quase uma centena de pessoas.
Como sempre foi do costume brasileiro, o presidente apresentou o prognóstico
de que o problema estaria na área residencial no entrono do aeroporto, o que
me forçou a escrever um artigo intitulado "Depois". As providências verbais,
e somente verbais, só aparecem depois das catástrofes e que nunca resultam
mais do que palavras vãs.
No jargão presidencial, nunca neste país aconteceu tanta desordem no sistema
aéreo brasileiro. Antes, era a única maravilha de primeiro mundo de que este
país dispunha; as autoridades não cansavam de alardear.
O acidente da TAM em setembro de 2006 demonstrou que apenas se tratava de
uma falsa eficiência, que o governo nunca levou a sério, dando preferência
em aumentar o valor da gratificação e o número de cargos comissionados a
investir no país em todas as áreas. Reformou o espaço físico dos aeroportos
ao custo de corrupção desenfreada. Depois do acidente, a chuva, o vento, a
neblina, os aparelhos de ferro velho, os pássaros, passaram a ser culpados
pelos fechamentos. Hoje, gasta-se menos tempo para se chegar ao Rio de
Janeiro a pé do que de avião.
As mentiras e a negligência continuaram até resultarem na fogueira de
inquisição coletiva de terça-feira, 17 de julho corrente. E o jogo de
empurra-empurra continuou. Mais importante do que as vidas pedidas era saber
quem era menos culpado.
Primeiro, foi demonstração de vigarice de uma informação de que se tratava
de um problema em uma aeronave de pequeno porte, que, por esta ótica, seria
normalíssimo se fossem poucas vidas perdidas. E como se fosse uma defesa
prévia, tão comum, quanto comum são as críticas às condenações antecipadas.
Depois, as várias ilações do que teria causado o acidente, junto com a
demora irresponsável de não revelar o nome dos passageiros, que crescia a
cada nova informação, a cada instante. Restou cristalinamente claro que nem
na aviação brasileira se tem o cuidado de saber quantos estão numa aeronave.
Um terrorista poderia estar lá sem conhecimento de quem deveria ter a
responsabilidade de saber, já que responsabilidade definitivamente é o que
não está existindo nem por parte do governo nem das empresas.
Mais de duzentas pessoas, e poderia ser apenas uma, não evitaram a
comemoração chula, chinfrim, boçal, do assessor especial da presidência da
República, Marco Aurélio Garcia, apenas porque se noticiou a hipótese
(hipótese!) do acidente ter decorrido de uma falha mecânica. Com autoridades
desse quilate, a bizarrice é o patamar brasileiro de seriedade, para ser
ameno.
Depois de duas centenas de pessoas torradas vivas, sabe-se agora que a
aeronave não tinha um reversor, que segundo alguns especialistas, não fazia
falta. Fica a sugestão para que as empresas expeçam um manual do que tem e é
necessário numa aeronave. Recomenda-se aos mais cuidadosos que perguntem se
aeronave tem e precisa de freios. Noticia-se agora que a mesma aeronave
apresentou alguns defeitos dias antes, que vários pilotos alertavam para os
riscos da pista, que vários aviões derrapara. No dia anterior, um rodou até
parar num gramado. Tudo, absolutamente tudo, mera coincidência irrelevante,
segundo as pessoas envolvidas.
De mediato, as famílias e as pessoas deveriam se reunir em frente ao Palácio
do Planalto e externar sua posição para o Brasil ouvir. Do presidente da
República, por demais atrasada, seria a demissão da cúpula governamental de
cima abaixo, por permitir que se gaste milhões numa reforma, e se entregue
uma pista sem umas ranhuras, cuja falta pode ter sido o causador do maior
acidente brasileiro. Repita-se: a falta de umas riscas numa pista pode ter
tirado mais de duzentas vidas a mil graus centígrados de temperatura. O
Ministério Público deveria requerer o afastamento dos irresponsáveis
dirigentes pela óbvia e cristalina certeza de que avião não pode voar com
defeito. Mesmo que, no caso específico, nenhum destes defeitos tenham
contribuído para o incidente.
A pergunta, até quando, capa da revista Veja desta semana não tem uma
resposta, poderia ter várias. Até quando o brasileiro não puder fazer mais
do que reclamar através da mídia, que, diga-se de passagem, tem um viés
autoritário de condenar toda manifestação contrária às autoridades. No
sentido inverso, mesmo ao preço de lanches e transporte grátis, as
bajulações são sempre bem-vindas. Outro "até quando", seria enquanto pessoas
no Brasil forem vistas apenas como números, que, como os da TAM, geralmente
são falsos. O mais provável e principal seria o "até quando" aumentarem os
acidentes aéreos até ser normal morrerem somente duzentas pessoas por mês,
assim como os repórteres de trânsito falam em quilômetros de
congestionamento "normal" para o horário.
Quanto ao risco da área ser povoada, são as próprias autoridades que deixam
construir no entorno, mas ainda pela visão governamental de números, o
risco é mínimo, já que nos desertos rurais os sem-terras assinados são
dezenas de vezes mais do que as mortes dos terrestres nestes acidentes.
Já com base na sua própria explicação, como se houvesse, Marco Aurélio
Garcia, onde ele tivesse certeza que não correria o risco da gravação
"clandestina" da imprensa, abriria um champanha, mesmo que sobre as brasas
ou cinzas de duas centenas de pessoas, desde que a culpa não fosse do
governo. Isso é que é ser um assessor especial!
Fonte: Pedro Cardoso da Costa
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