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VERDADES NUNCA DITAS SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA - reflexões perigosas



PALESTRA PROFERIDA PELO PROFESSOR E HISTORIADOR EMMANOEL GOMES PARA ALUNOS DO CURSO DE LETRAS EM ARIQUEMES DIA 30 DE MAIO DE 2008.

A educação brasileira precisa passar por uma revolução, essa afirmação é bastante conhecida de todas as pessoas que tratam deste tema, é repetida por teóricos de variadas áreas, se concordamos com essa premissa e acredito que a maioria das pessoas envolvidas com a educação, principalmente as pessoas que atuam dentro das salas de aula acreditam, a idéia de se promover uma revolução na educação é cada dia mais urgente, porém precisamos refletir melhor o que vem a ser uma revolução.
 
Num sentido clássico, podemos definir essa palavra como "a transformação radical dos conceitos culturais ou científicos dominantes de uma sociedade" ou ainda, "transformação radical e violenta de uma determinada estrutura social, política e econômica".

Quando falamos em revolução, me parece que a idéia mais comum e concreta para esse fenômeno se encontra na experiência de 1789 quando foi derrubada a monarquia absoluta na França, esse evento foi profundamente marcante para toda a história da humanidade e suas conseqüências ecoam e ecoarão pela eternidade.

Revolução é coisa séria, profunda, sem meio termo. Muitos pensadores, políticos e principalmente historiadores,  utilizam mal este termo quando o vulgarizam em qualquer movimento social, revolução de 30, revolução de 64, ou ainda o "programa fome zero está promovendo uma revolução em nosso país". Em absoluto, como historiador, não vejo nada nestes mais de quinhentos anos de história do Brasil que possamos chamar de revolução.  

Se concordarmos que a educação brasileira precisa passar por uma revolução, teremos que concordar com a idéia de que a mesma precisa passar por uma transformação radical e violenta, precisamos concordar com a idéia de que "quase" tudo em nossa educação esta errado, do primeiro ano ao ensino superior.

Particularmente credito que o atual modelo educacional brasileiro é nefasto, responsável pela existência do terrível quadro social que temos. Não tenho dúvidas de que o modelo educacional existente em nosso país é o principal instrumento de manutenção da profunda desigualdade social como dos demais problemas vividos na sociedade brasileira, desde o alto nível de corrupção de governantes e governados a concentração de renda, geradoras de miséria e violência que atinge a maioria da população brasileira.

Burrice, ignorância, baixo nível cultural, analfabetismo combinam perfeitamente com  todos os modelos de atraso, miséria, fome e violência reinantes em nossa sociedade.

Ao refletir de forma realista a educação no Brasil, não será difícil perceber que quase tudo está errado, desde os primeiros modelos utilizados pelos jesuítas no período colonial, até o modelo educacional adotado na atualidade, a LDB, que foi elaborada durante o regime militar no ano de 1976-1977.

A LDB, Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira, possui perspectivas e objetivos completamente desvinculadas dos interesses do povo e dos trabalhadores em educação no Brasil, não atende as expectativas de crescimento cultural e econômico deste país, tanto, que existe um grande coro nacional afirmando a necessidade de uma revolução na educação em nosso país.

Pra justificarmos esta necessidade, se é que há dúvidas, podemos fazer a analise de alguns pontos que são fundamentais para compreendermos o abismo existente entre o modelo de educação que queremos e sonhamos, e o modelo de educação que concretamente temos.

O primeiro ponto que gostaria de enfocar e ao mesmo tempo acredito ser o mais importante e nunca é refletido de forma clara e objetiva, diz respeito ao fato de as disciplinas e conteúdos ensinados em nossas escolas em todos os níveis, dentro das chamadas grades curriculares estarem desconectadas de nossa realidade social, humana e política.

Gostaria de convidar o leitor a refletir uma realidade que poucos teóricos da educação têm encarado de forma clara e objetiva. A maior parte dos conteúdos ensinados entre o primeiro ano escolar e o último ano do curso regular não estão relacionados com a realidade objetiva da sociedade brasileira, gostaria de exemplificar, citando a disciplina de história, poderia citar qualquer outra disciplina.

Em onze anos de estudos, aquilo que chamávamos de ensino primário (quatro anos), ensino ginasial (quatro anos) e ensino médio (três anos), dentro do conteúdo ministrado na disciplina de história, um percentual de mais ou menos oitenta e cinco por cento das informações repassadas ao aluno, dizem respeito ao mundo externo, ou seja, Europa, Estados Unidos da América e em menor importância África e Ásia.

Nos aprofundamos em Crescente Fértil, mundo Grego, Romano, Idade Média Européia e Asiática, as reformas da Idade Moderna, como a Revolução Industrial, Reforma Protestante, Revolução Francesa, depois vem a História Contemporânea e ai estudamos Neo-Colonialismo, Primeira e Segunda Guerra Mundial, questões ligadas ao Oriente Médio, etc.

Todos nós sabemos que estes temas são relevantes, porém acredito que o seu aprofundamento tal como ocorre em nossas escolas permite termos um aluno desconhecedor de sua própria história, literatura, geografia enfim sua cultura nacional e regional, acredito que as informações estrangeiras deveriam ser ensinadas de forma mais genérica e que houvesse um aprofundamento das questões nacionais e regionais.

É interessante saber que nas escolas Européias e nos Estados Unidos existe uma inversão, onde as questões nacionais são priorizadas, nos cursos iniciais, enquanto oitenta e cinco por cento do que se ensina no Brasil diz respeito aos outros e somente vinte e cinco por cento se relaciona com sua realidade nacional, lá, nos países ricos, é exatamente o contrário, oitenta e cinco por cento do que se ensina se relaciona com sua realidade nacional enquanto os outros vinte e cinco por cento se relacionam com as realidades externas. Quem está praticando um modelo educacional mais interessante para seu povo, eles ou nós?

É incrível como nosso alunado desconhece a história de seu país, suas raízes culturais, não conhecem a música, sua literatura, geografia, língua, biologia e principalmente a história de sua região.

Algumas observações precisam ser destacadas, nossos alunos estão mais preocupados em aprender o inglês que o português, disciplinas como física, química e matemática aterrorizam a grande maioria dos alunos, pois não fazem parte do cotidiano de ninguém, nada contra os professores destas áreas, eles aliás, são grandes vítimas do sistema errado de educação, que defende a idéia de que todos devam aprender tudo.

A biodiversidade Amazônica e demais características da rica e exuberante fauna e flora brasileira é completamente desconhecida por nossa juventude.

Na geografia, alunos têm que responder questões ligadas aos relevos do Oriente Médio, Ásia, África, fundo dos oceanos etc. Alunos em Rondônia vejam o absurdo, precisam saber sobre fusos horários esdrúxulos, clima de várias localidades do planeta, a altura do Monte Everest etc.

Em países desenvolvidos, as disciplinas e seus conteúdos são oferecidos de acordo com as aptidões de cada aluno, e não empurrados de forma obrigatória como em nosso modelo de ensino, onde todos devem saber tudo, como escreveu um dia um grande filósofo, "quem quer saber tudo, acaba por não saber nada", nossa juventude, triste, desorientada e vazia, vive depressiva, talvez por desconfiar que não sabe nada sobre seu mudo e suas coisas.
 
Gostaria de me ater a estes exemplos, porém poderia citar uma infinidade de bobagens que estão ensinando aos nossos filhos nas escolas brasileiras, é triste saber que não se ensina ética, moral, civismo, bons modos, aliás, passaram para nossas escolas, professores diretores donos de escolas e companhia, que essas coisas são obrigações da família e não da escola, que ética política religião e até filosofia é embromação, não ajudam a passar no vestibular, quando o aluno cola, mente, engana, desrespeita,  passa de ano, essas coisas não pesam nas avaliações, cadeira lado a lado, uma na frente da outra, salas com quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta e até oitenta alunos, quem dá conta de evitar as colas, fenômeno tão comum em nosso atual mundo escolar.

Nossos alunos não estudam ou tão pouco, lêem. Os professores de gramática, literatura, história e línguas, em geral são tristes testemunhas desta realidade, se as pessoas não lêem, não podem decifrar o mundo que as rodeiam, por este motivo nosso povo elege políticos tão incompetentes e corruptos, assim, construímos um mundo cada vez pior e a ignorância de nosso povo permite a perpetuação do Estado miserável que temos.

Quando conversamos com as pessoas mais velhas, de gerações anteriores as nossas, sentimos uma terrível sensação de deslocamento, pois elas nos revelam, sempre que podem, o quanto o mundo era mais tranqüilo, seguro, ético, respeitoso, agradável, sábio e humano.

Os problemas na educação Brasileira estão em todos os níveis, apesar de ter citado uma determinada faixa etária, não tenho dúvidas de que se expandem para os demais níveis. Faculdades e Universidades também estão no caminho errado, e há muito tempo, primeiro que elas há muito deixaram de ser Universidades e Faculdades e se transformaram em escolas técnicas, as pessoas vão para as escolas superiores no Brasil para adquirirem um emprego melhor, seja na educação, saúde, setores de serviços ou para atuarem como profissionais liberais, não para se tornarem mais cultas e poderem refletir o mundo de forma livre independente construindo saberes capazes de mover a mola da ciência e do conhecimento na sociedade.
Infelizmente, as Universidades e Faculdades públicas e privadas em nosso país buscam servir a uma sociedade completamente atrofiada em seus valores, sem se darem conta de que seus papéis estão equivocados, o ensino superior não tem que servir ou sustentar a sociedade, o ensino superior deveria ser capaz de se relacionar com a sociedade, pesando, politizando, produzindo um diálogo revelador de idéias novas, dissecando conceitos, revelando suas multiplicidades culturais, deveria no mínimo buscar soluções para seus problemas estruturais e sociais, que se tornaram históricos e aparentemente eternos.

Os problemas serão eternos enquanto não compreendermos que podemos mudá-los. Absolutamente tudo que nos rodeia pode e deve ser mudado e se não mudamos é porque ou as coisas estão boas como estão, ou por que somos incapazes de provocar as transformações necessárias.

Pra transformarmos as coisas, precisamos conhecê-las profundamente, a escola é o ambiente ideal para construção do conhecimento, do saber, é através da escola que construímos e aperfeiçoamos a nossa capacidade de mudar, dissecar, revelar, dialogar com as multiplicidades culturais a nossa volta.

Uma educação libertadora seria capaz de tornar as pessoas mais humanas, menos egoístas, mais solidárias, menos individualistas, mais fraternas, menos invejosas, mais honestas, menos corruptas, enfim, as pessoas odiariam menos e amariam mais.

Como nossas escolas são pobres em sonhos e devaneios, como seres tão capazes tornaram-se incapazes de criar, onde está a arte nas escolas, teatro, música, dança, poesia, aquarelas?
As palavras que combinam com nossas salas de aula são: depressão, angústia, vazio e medo.

Algumas pessoas engessadas ou anestesiadas, apesar de assistirem aos noticiários de todos os santos dias, que não cansam de mostrar toneladas de miséria,  criticam minha postura, alguns dizem ser um exagero estas afirmativas, seria bom dizer coisas maravilhosas sobre a educação Brasileira, é claro que aqui ou ali, aparecem coisas interessantes, mais são exceções às regras, louvamos os heróis que contra tudo e todos fazem a diferença, inclusive esses poucos heróis, na maioria das vezes, são exemplos negativos para a mediocridade reinante e acabam por frustrá-los.   

Gostaria de buscar um outro foco para dar continuidade às reflexões sobre o grave problema educacional brasileiro, mais gostaria de apontar que os outros problemas que apontarei, são conseqüências do que já foi dito.
 
Queria refletir o financiamento público da escola no Brasil, acredito que todos nós sabemos que os investimentos na educação são feitos sem se levar em questão algo que ao meu ver é fundamental, qualquer investimento deveria ser planejado anteriormente com a comunidade afim, com os trabalhadores da educação. É incrível como pessoas que não conhecem a realidade educacional brasileira, que não conhecem por exemplo como se dá a relação e os dramas entre aluno e professor, escola e comunidade, funcionamento e estrutura de uma escola, decidem sobre os investimentos e projetos educacionais no nosso país.

Coisas absurdas ocorrem cotidianamente em nosso país, escolas recebem computadores sem que tenham uma biblioteca. Saiu uma matéria num jornal desses, que uma escola do interior do nordeste recebeu computadores, depois descobriram que lá na cidade não existia energia elétrica nem profissional  na área de informática, resultado, alguns anos depois nada servia mais, tudo se perdeu.

Algumas escolas foram construídas em Rondônia e tiveram de ser fechadas, descobriram que naquela área rural não moravam alunos.

Recentemente, ocorreram denúncias de que o governo do Estado distribuiu milhares de apostilas de história regional, história de Rondônia, com informações erradas, o concerto promovido pela Secretaria Estadual de Educação ajudou a aumentar os erros.

A Universidade Federal de Rondônia recentemente promoveu um concurso público, o salário liquido para quem possui um doutorado não atingia os dois mil e quinhentos reais.

Sabemos que em qualificação profissional não se investe quase nada. Os governos brasileiros historicamente falando, construíram escolas para que os gestores recebessem propinas, depois sucateavam as escolas para reconstruí-las e perpetuarem o "lucrativo negócio". 

Todos nós temos não uma mais várias histórias de como o dinheiro público é mau tratado pelos organismos públicos e privados em nosso país, o que muitas vezes não nos damos conta, é de que esta prática possui uma relação íntima com todas as desgraças que tanto atinge nosso povo.

Rondônia, segundo uma pesquisa nacional, é o Estado onde mnos se lê, possui menos livrarias, bibliotecas, é o Estado que menos compra livros no Brasil.

Alguns governantes adoram divulgar idéias contra a importância da formação escolar, de se freqüentar a escola, até por que boa parte deles não se preocupou em estudar.

Um dia um governador afirmou que ficou rico e que conhecia muitas pessoas que enriqueceram sem que precisassem ir pra escola. Ele relaciona educação com riqueza material, míope, segue seu destino de ser nada amanhã, somos antes de tudo do tamanho de nossas idéias.
Governantes no Brasil normalmente demonstram serem inimigas da arte e da cultura, em sua maioria, acham que escola é tijolo, massa, pedra, madeira. Acreditam estranhamente que investimento cultural é reformar praça, construir prédio para escola de música, cultura é colocar nome de pessoas que governaram no passado nas ruas praças e avenidas. Nunca investem no que é mais importante, nunca investem nas pessoas que fazem cultura, são músicos, dançarinos, escritores, artistas plásticos, cineastas, etc.

No Brasil e países com cultura semelhante artista e professor vivem as portas da mendicância.

Em qualquer escola séria, país sério, arte se relaciona com educação, menos aqui neste país de bananas, quando um estudante demonstra um talento artístico qualquer é intimidado é assassinado o seu devaneio não tem a menor chance de vingar. 

Exemplos de corrupção, desvios e investimentos inadequados estão por todos os lados, se querem promover uma revolução na educação invistam pesadamente numa melhor formação do trabalhador em educação, invistam em um salário digno, invistam em bibliotecas, definitivamente, invistam no ser humano é ele a peça fundamental nisso que chamamos de educação e cultura.

Não podemos conceber que um País permita que um Senador da República, entre salários e gratificações receba mais de cento e cinqüenta mil reais por mês, que um Deputado Federal receba mais de cem mil reais por mês, que em média um Deputado Estadual receba mais de setenta e cinco mil reais por mês, que um Vereador nas capitais e grandes cidades recebam também entre salários e gratificações mais de vinte mil reais por mês, pasmem mais a lista é muito maior, nos tribunais da vida dinheiro jorra, sobra a ponto de erguerem palácios fantásticos, uma verdadeira ofensa a um povo que não possui o mínimo necessário, somente no Rio de Janeiro, temos mais de setecentas favelas, oitocentos e cinqüenta reais por mês essa é a média de um professor de nível superior no Brasil, pois a tragédia dos salários dos trabalhadores em educação, da área administrativa e nível magistério, é degradante.

Gostaria de mostrar que o problema da educação brasileira não é de hoje, se arrasta por toda a nossa história.

No período colonial, a educação nasceu deformada, pois foi implantada por jesuítas ligados a Igreja Católica para destruir as culturas tradicionais locais e  difundir o seu modelo particular, cristão patriarcal secular, foi assim até 1934.

Com Getúlio Vargas em 1934, foi instituído o ensino público primário gratuito, ainda era muito atrelado aos interesses católicos, mais tarde surgiu o Ginásio e o chamado ensino médio, que já teve vários nomes como colegial etc.

Todos os modelos educacionais tiveram o componente de serem oferecidos a partir dos interesses externos, não temos até o presente momento no Brasil um modelo educacional que seja reflexo das indagações e angústias de seu povo, seus teóricos, seus professores e alunos.

Todos os pensadores sérios deste país escreveram contra e não a favor deste modelo de educação, salvo quando cooptados por bons cargos comissionados nas esferas publicas e privadas de poder.

Paulo Freire denunciou em seus escritos que o modelo de educação brasileiro era altamente alienante, servia e serve para manter a elite dominante nas hóstias sagradas do poder, como nos carece uma educação libertadora, politizadora e libertária.

Fonte: Emmanoel Gomes da Silva/Professor e Historiador.
   

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