Quinta-feira, 13 de setembro de 2018 - 14h40
"Mulheres unidas contra Bolsonaro" já conta com um milhão de participantes. São 10 mil novos membros por minuto.
A rejeição do eleitorado feminino ao candidato Jair Bolsonaro (PSL), refletida em todas as pesquisas e que no último Datafolha, do dia 10 de setembro, chegou a 49%, se materializou nas últimas duas semanas como um grupo massivo de debate político no Facebook.
"Destinado à união das mulheres de todo o Brasil contra o avanço e fortalecimento do machismo, misoginia e outros tipos de preconceitos representados pelo candidato Jair Bolsonaro e seus eleitores", de acordo com a descrição do Facebook, o grupo nasceu com a intenção de agregar os discursos de eleitoras indignadas com os posicionamentos do presidenciável em relação aos direitos das mulheres, explica Ludimilla Teixeira, publicitária baiana de 36 anos, uma das criadoras.
"Percebia nas minhas próprias redes muitas amigas comentando e criticando essas posturas, então decidimos unir todas essas mulheres e criar um fato político para mostrar que grande parte da população não é favorável a essa candidatura", conta.
Isso aconteceu na quinta-feira, 30 de agosto. 24 horas depois, o grupo, exclusivamente feminino, já chegava a 600 mil participantes. O rápido crescimento já se desdobrou na convocatória de uma manifestação contra o candidato, em 29 de setembro, em São Paulo, que já conta com 40 mil confirmações de assistência.
BARBARIDADES INCONTIDAS
O objetivo, asseguram as administradoras do grupo, é realizar atos similares em outras cidades do país. Como reação, nesta quarta-feira, um outro grupo chamou a atenção no Facebook: "Mulheres unidas a Favor de Bolsonaro", com cerca de 38 mil participantes, mas que, curiosamente, foi criado e é administrado por um grupo de homens.
Na plataforma da rede social, as postagens do grupo contra Bolsonaro criticam não apenas as propostas do candidato, como a flexibilização do acesso a armas, mas principalmente suas declarações em relação à brecha salarial de gênero — o candidato acredita que a equiparação no sistema privado não é competência política do Estado e seu gabinete, conforme adiantou o Valor Econômico, paga menos às mulheres — e seus comentários violentos contra repórteres e colegas políticas. "Um país sério de verdade jamais permitiria que esse cidadão falasse as barbaridades que falou. Cadê o Ministério Público? Cadê os órgãos de defesa das mulheres?", questiona Teixeira em relação à frase "não te estupraria porque você não merece", dita à deputada Maria do Rosário.
ONLINE DECIDE
O grupo se define como apartidário ("A única
bandeira é ser anti-Bolsonaro", diz Teixeira), mas existem postagens
fixas sobre os demais candidatos à presidência, nos quais as
simpatizantes de cada um podem publicar informações sobre eles e suas
propostas. "Acredito que muitas indecisas decidiram em quem votar com
base nessas discussões online", comenta a publicitária.
Com um
perfil de participantes que vai desde adolescentes até senhoras que, por
lei, já não precisariam mais votar, o grupo é espaço de discussão de
mulheres que enfrentam familiares e amigos na tentativa de combater o
voto ao que consideram "um candidato nefasto".
"Meu marido é um
coronel militar que vai votar nele. Já não sei mais o que fazer, só
penso em rasgar o título de eleitor dele ou esconder seus documentos
para que ele não possa votar", conta uma professora de 62 anos, que
prefere não se identificar.
DAS POSTAGENS À UNIÃO
As
participantes definem o grupo como um elo, um espaço de reunião onde
elas pudessem debater política livremente, sem ser silenciadas. "Porque
quando fazíamos postagens individuais, sempre havia mansplaining
(explicação masculina), homens nos atacando com termos chulos, assédio.
Há
casos até de usuários que tiraram print de fotos das meninas e
espalharam por aí, éramos atacadas pelos seguidores de Bolsonaro, que
são bastante agressivos. Faltava esse espaço para debate", conta
Teixeira.
Também são muitas as postagens de usuárias que
desabafam sobre violência doméstica e relações abusivas e de mulheres
trans que agradecem por terem encontrado um “espaço solidário”. "Sinto
que o Brasil todo está lá. É muito maior do que só um grupo contra
Bolsonaro", afirma a publicitária, que destaca que as participantes "não
são contra a pessoa" do presidenciável.
"Ele é um ser humano que
merece respeito. Inclusive, lamentamos muito o ocorrido [referindo-se ao ataque à faca sofrido por Bolsonaro no dia 6 de setembro]. Não somos
favoráveis a nenhum tipo de violência ou discurso de ódio, queremos
vencê-lo nas urnas".
Foi justamente depois desse atentado que o
candidato registrou um crescimento entre três e dois pontos percentuais
na intenção de voto feminino, de acordo com as últimas pesquisas Datafolha e Ibope, respectivamente. "O esfaqueamento mobilizou parte dos
eleitores indecisos, principalmente as mulheres, que se solidarizaram
com o candidato", avalia a antropóloga e cientista social Rosana
Pinheiro-Machado.
Por outro lado, a cientista política acredita
que o ataque foi também a "faísca" para que mais mulheres se
mobilizassem contra Bolsonaro. "A mensagem sobre o voto feminino como
faixa de contenção contra ele já vinha circulando e esse atentado
disparou o medo de que se gerasse mais simpatia pelo candidato e que
levasse a uma vitória sua no primeiro turno".
PARA ALÉM DAS ELEIÇÕES
Pinheiro-Machado
considera que o movimento de "mulheres unidas contra Bolsonaro" pode
ter o mesmo impacto no Brasil que a marcha das mulheres contra Trump nos Estados Unidos, mas matiza que, para isso, o milhão de participantes do
grupo virtual tem que se traduzir nas ruas para que se possa gerar um
fato político relevante. "Desde a primavera feminista, quem consegue se
organizar hoje no Brasil são basicamente as mulheres", diz.
E as
organizadoras e participantes da plataforma na rede social não pretendem
parar. Elas contam que já consideram mudar o nome do grupo depois das
eleições para se tornar, de fato, um movimento que promova rodas de
conversa, debates e outras ações em prol dos direitos das mulheres.
"Não
são só as eleições, temos uma série de pautas pelas quais lutar, como
contra o Estatuto do Nascituro [PL 5069/13, que dificultará o acesso ao aborto em casos de estupro], ou a favor da criação de uma lei para
criminalizar o assédio", afirma Teixeira.
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