Segunda-feira, 9 de maio de 2011 - 18h07
Elaine Patricia Cruz
Agência Brasil
São Paulo - Estudo feito pela Justiça Global, em parceria com a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, dos Estados Unidos, sobre a onda de ataques ocorrida em maio de 2006 no estado de São Paulo e atribuída a organização ao Primeiro Comando da Capital (PCC), aponta que uma das principais razões para a deflagração dos crimes foi uma revanche de membros da organização criminosa à corrupção policial.
A denúncia principal é baseada em gravações em que um investigador de polícia surge como principal participante do sequestro e extorsão, em 2005, do enteado do suposto líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Para libertarem o enteado de Marcola, os sequestradores pediram, na época, R$ 300 mil. No dia 12 de maio de 2006, pouco antes dos ataques, Marcola esteve no Departamento de Investigações Sobre Crime Organizado (Deic) e comentou sobre o sequestro: “Não vai ficar barato”.
“Não foi o PCC, surgido do nada, que invadiu São Paulo e provocou os ataques de maio. Isso foi um processo de anos da criação e fortalecimento do PCC, que aconteceu em função das deficiências do sistema prisional. E os achaques [extorsão de dinheiro pela polícia] foram o estopim dos ataques”, disse James Cavallaro, professor de Harvard e coordenador do estudo.
O relatório São Paulo sob Achaque apontou que outras causas que motivaram os ataques de maio foram a transferência, na época, de 765 lideranças do PCC da Penitenciária de Avaré 1 para a Penitenciária de Presidente Venceslau 2 e a falta de integração entre os aparatos repressivos do estado.
No estudo foi documentado que o governo paulista sabia dos planos do PCC e que falhou ao não alertar seus agentes públicos sobre os ataques que viriam a ocorrer. O estudo apontou indícios da participação de policiais em 122 execuções entre os dias 12 e 20 de maio de 2006.
Uma dessas vítimas foi Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, gari e filho de Débora Maria da Silva, hoje uma representante da organização não governamental Mães de Maio. Segundo Débora, seu filho foi morto por policiais, no dia 15 de maio de 2006, na Baixada Santista, depois de tentar abastecer sua moto num posto. “A moto dele não tinha mais gasolina e ele parou num posto para comprar. Mas o posto estava fechado. Logo em seguida, ele foi a um orelhão chamar por um colega dele para ajudá-lo. Quando o amigo chegou, chegaram também duas viaturas da polícia”, contou a mãe, durante entrevista coletiva hoje (9), na capital paulista.
O amigo contou a Débora que Edson foi revistado pelos policiais e espancado após dizer que tinha cumprido pena integral por roubo. Minutos após a revista, os policiais foram embora e Edson também partiu, mas momentos depois, ele foi novamente abordado pelos policiais e baleado com cinco tiros. Segundo o estudo, a investigação policial sobre esse caso não ouviu o depoimento de testemunhas e não colheu provas importantes, como as fitas das câmeras de segurança do posto. “Os crimes de maio não podem, não devem e não vão ficar no esquecimento da população”, disse Débora.
Como alerta à sociedade, o estudo aponta também que “os agentes públicos e todas a sociedade paulista continuam vulneráveis a novos ataques”. A base para essa conclusão é de que, cinco anos após os crimes de maio, São Paulo se encontra numa situação parecida ou até pior do que estava na véspera da crise de maio de 2006. A corrupção persiste dentro das polícias (segundo o estudo, a Ouvidoria das Polícias registrou 2.599 denúncias de atos corruptos entre os anos de 2006 e 2010); as cadeias permanecem superlotadas - em 2006, as 74 prisões do estado estavam com ocupação 147% acima da capacidade e hoje estão com 195%; e os agentes penitenciários e os policiais militares e civis continuam vulneráveis a ataques letais. No primeiro trimestre deste ano, sete policiais militares foram mortos e 126 feridos em serviço, no mesmo período de 2006 foram registrados cinco mortos e 82 policiais feridos em serviço.
“Infelizmente, acreditamos que o risco existe e é bastante considerável, até porque analisamos a vulnerabilidade de agentes públicos, a situação no sistema prisional, a situação da violência policial e a falta de um andamento completo, transparente e eficaz em termos de apuração das corrupções. Com tudo isso acontecendo, o risco continua bastante alto”, disse Fernando Delgado, um dos autores do estudo e membro da Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Harvard.
Nos ataques de 2006, ocorridos entre os dias 12 e 20 de maio, 493 pessoas foram mortas, entre elas, 43 agentes públicos. O estudo aponta que, em 71 casos, houve fortes indícios de terem sido praticados por policiais membros de grupos de extermínio.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública disse que não vai se pronunciar sobre o relatório.
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