Terça-feira, 22 de junho de 2021 - 11h40
Quase um ano depois de uma
audiência de instrução histórica para a Justiça de Rondônia, pela complexidade
e ineditismos de ser realizada em 36 dias, de forma totalmente virtual, os
acusados do processo resultante da Operação Deforest são condenados, tendo o
principal réu, Chaules Volban Pozzebon recebido quase 100 anos de prisão. Os
demais acusados que integraram a organização criminosa também receberam penas
altas, mais de 80 anos, que variam conforme o grau de participação nos crimes,
dentre eles extorsão, associação criminosa na modalidade milícia privada armada
e ameaças.
Vários recursos e
incidentes processuais foram interpostos pela defesa ao longo do ano como
habeas corpus, apelações, correição parcial, inclusive a tentativa de
desmembrar o processo para a Justiça Federal, alegando incompetência do juízo
de 1º grau. O Ministério Público Federal também se manifestou pela manutenção
do processo na Justiça Estadual, afirmando pela incompetência da Justiça
Federal. Todos os incidentes foram negados pelas instâncias competentes e a
juíza Larissa Pinho, da 1ª Vara Criminal de Ariquemes, pode finalmente
sentenciar o processo na última sexta-feira, 18.
Com amplo material
comprobatório como documentos e os depoimentos de inúmeras testemunhas, a
sentença esclarece o papel dos acusados na organização que, na área conhecida
como Soldado da Borracha, agiram contra um número elevado de vítimas e com
modalidades distintas de extorsão como cobrança de “pedágios” para passar na
porteira, utilizar a estrada e explorar madeira dentro do assentamento, além da
exigência de pagamento em dinheiro para permitir a ocupação e permanência dos
posseiros dos lotes.
Segundo as provas dos
autos, as vítimas eram obrigadas e constrangidas pelos acusados a fazer tais
pagamentos, pois, se assim não o fizessem, eram impedidas de passar pela
porteira, expulsas de seus lotes e impedidas de retornarem para seus imóveis.
A extorsão, mediante
graves ameaças, por meio da cobrança pela passagem de veículos, era realizada
pelos “jagunços” pagos por Pozzebon, que ficavam na porteira colocada na
“Estrada do Chaules”. “Isso bem demonstra a existência de uma estruturação
ordenada - com a necessária divisão de tarefas específicas - e com o propósito
deliberado de contribuição dentre os integrantes”, esclarece a magistrada na
sentença.
Os valores cobrados pelo
pedágio, segundo os autos, eram de 3 mil reais para caminhão e 5 mil reais para
trator. Cobrariam também por veículos
menores, entre 5 e 50 reais, por passagem. A porteira era estruturada com
câmeras. O grupo tinha toda uma logística de informações como “olheiros”,
rádios e instalação de internet, o que dificultou a atuação da polícia durante
as investigações.
A situação deixava os
moradores da região amedrontados, pois os “capangas” do empresário andavam
armados perto de suas casas, o que os fazia temer por suas vidas e dos seus
filhos. “Em razão das condutas ameaçadoras e violentas do grupo criminoso, seu
filho mais velho ficou traumatizado, sendo necessário ser submetido a
acompanhamento psicológico”, descreve a decisão ao destacar o relato de uma
testemunha.
Um casal contou em juízo
que os comandados do acusado Chaules, alguns deles policiais, quando seu filho
passava pela porteira, exigiram a desocupação de 2 (dois) dos 3 (três) lotes
ocupados pela família.
Outro testemunho dá conta
que os “capangas” incendiaram e destruíram um pequeno “barraco” em madeira que
havia em um lote vizinho e retiraram um marco divisório que delimitava as
divisas do lote, objeto da disputa e cobiça de Pozzebon.
Além das testemunhas,
documentos como contratos de compra e venda de aeronave, de imóveis urbanos e
rurais, além de compra e venda de madeira em nome de terceiros, mas apreendidos
na casa da mãe de Chaules, apontaram que o acusado utilizava tais pessoas para
ocultar parte do seu patrimônio. “Isso porque não foram demonstrados pelo réu
motivos hábeis que justificassem a guarda da documentação pelo acusado”, diz a
sentença.
Funções
As investigações chegaram
às funções desempenhadas pelos envolvidos na organização criminosa, o que foram
confirmadas na fase de instrução do processo e, por isso, foi destacada na
sentença
Chaules Volban Pozzebon
(Líder da Organização Criminosa): tudo era feito em prol de seus mandamentos; o
objeto da investigação apurou um processo de extorsão na linha 106, em que o
acusado e os demais corréus organizaram uma estrutura paramilitar para poder
arrecadar dinheiro de diversas maneiras, dentre elas extorsão na cobrança de
pedágios, exploração ilegal de madeira e esbulho possessório. Foi condenado a
99 anos, 2 meses e 23 dias de reclusão, e a 1.550 dias-multa.
Thiago Teixeira (Diretor):
Tinha função de gestor na parte documental dos lotes, relação de extrema
confiança (“braço direito” do chefe), ligação direta e apoderamento do líder em
finanças e decisões superiores e vínculo direto com forte influência no
escritório central, em Ariquemes. Na estrutura hierárquica era o que mantinha
contato com Pozzebon, em relação aos assuntos pertinentes ao escritório de
Ariquemes. Fazia parte do núcleo familiar. Foi condenado a 87 anos, 7 meses e
21 dias de reclusão, e a 810 dias-multa.
Filizardo Alves Moreira
(Gerente): era o controlador das finanças na região de Cujubim; determinava
pagamento, recebimento de cheques frutos das extorsões; madeira extraída de
forma ilegal como forma de pagamento, a qual passava por uma madeireira chamada
Casa Nova; ligações com o nível superior e com a liderança ou o escritório
central em Ariquemes, formando um elo entre Cujubim (operações) e Ariquemes
(direção e presidência). Recebeu a pena de 84 anos e 1 mês de reclusão, e 800
dias-multa.
José Socorro de Melo
Castro (Supervisor): era uma espécie de supervisor, que passou a substituir o
“Zé do Brejo”, após a sua morte; coordenava o apoio logístico para a base
operacional (porteira) e os integrantes dos grupos operacionais, bem como
auxílio na arrecadação, questões documentais em Cujubim e “tráfico influência”
dentro dos órgãos públicos; controlava e prestava contas das arrecadações
realizadas na porteira e na exploração das terras; provedor de recursos humanos
e mantimentos para porteira. Condenado a 87 anos e 7 meses de reclusão, e a 810
dias-multa.
João Carlos de Carvalho,
Sgt. Carvalho (grupo policial): estava ligado diretamente ao apoio operacional,
patrulhas, vigilância, obtenção de informações privilegiadas na segurança
pública, utilização da força, poder e aparato estatal a favor da organização.
Condenado a 84 anos e 1 mês de reclusão, e mais 800 dias-multa, além da perda
das funções públicas, por se tratar de policial militar da ativa.
Jó Anenias Barboza da
Silva, Paulo César Barbosa(“PC"), Antônio Francisco dos Santos (”F.
Santos”), Rogério Carneiro dos Santos (“Dos Santos”), Jose Luiz da Silva (“Luiz
ou Jota”), Elisângelo Correia de Souza (“Correia”), Renilso Alves Pinto,
Eduardo Rogério Moret (“Eduardo Guaxeba”) e Djyeison de Oliveira: Eram o grupo policial da organização; estavam
diretamente ligados às operações, ações executórias de vigilância, patrulhas e
controle de acesso na porteira, exigência do pagamento de “pedágio” e outros
atos coercitivos contra as vítimas (ameaças, incêndios, destruições,
constrangimentos, etc.); com grande poder intimidatório. Rogério e Djyeison
receberam pena de 87 anos e 7 meses de reclusão, e a 810 dias-multa. Os demais
foram condenados a 84 anos e 1 mês de reclusão, e mais 800 dias-multa, cada. No
caso dos policiais, perda das funções públicas.
Marcelo Campos Berg
(“Muquirana”) e Emanuel Ferreira (“Sgt. Emanuel") – (Grupo
subalterno): realizavam serviços de
terraplanagem e maquinário em geral, para “limpeza” dos lotes tomados dos
posseiros, bem como outros auxílios e apoios operacionais ao grupo anterior em
suas ações na porteira e “Soldados da Borracha” como, por exemplo, cobranças de
pedágios. Ambos receberam a pena de 84 anos e 1 mês de reclusão, e, no caso do
Sgt. Emanuel, a perda do cargo público.
Os réus podem recorrer da
decisão, mas devem permanecer presos até o julgamento de eventual recurso,
pois, segundo a sentença, “se encontram presentes os requisitos da custódia
cautelar, cujas razões que a decretaram ficam integrando esta decisão”,
finalizou.
Marco
institucional
Em função da pandemia, a 1ª Vara Criminal de Ariquemes deu
prosseguimento ao processo de forma virtual, realizando, de 15 de junho a 21 de
julho de 2020, a audiência de instrução por videoconferência, exigindo um grande
esforço para que todos os ritos do processo legal fossem cumpridos.
Ao todo foram ouvidas 96
pessoas (inicialmente arroladas 141 pessoas), resguardando todos os direitos
dos acusados a uma ampla defesa e entrevista reservada com seu advogado durante
todo o processo. “Foram 36 dias de instrução, a maior audiência de instrução
virtual feita no Brasil”, ressaltou a juíza Larissa Pinho.
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