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Demissão por WhatsApp não é ilegal

Entendimento da Justiça tem sido de verificar, independente do meio, postura digna e comunicação clara nos desligamentos de trabalhadores


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Karolen Gualda

É muito provável que a pergunta “Como será o mundo pós-pandemia?” esteja atormentando a mente de quase todas as pessoas, mas não em relação apenas às questões de saúde e economia. Na advocacia, por exemplo, os efeitos da covid-19 mudaram a atuação dos profissionais, trazendo aumento de ações nas áreas de direito de família, trabalhista, consumidor e imobiliário.

Um exemplo claro desse cenário é o aumento no número de divórcios extrajudiciais. De janeiro a maio deste ano, 29.985 separações registradas em cartórios de notas de todo o país, um crescimento de 26,9% em relação ao mesmo período de 2020, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB).

A tendência de alta também é registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a entidade, o número de divórcios no país cresceu 75% em cinco anos e, no meio do ano passado, o total de divórcios saltou para 7,4 mil apenas em julho, um aumento de 260% em cima da média de meses anteriores.

"A pandemia nos apresentou diversas dimensões do seu impacto, tanto na saúde pública e na economia quanto nas relações humanas. E na nossa profissão não foi diferente. Ainda estamos vivenciando a crise da covid-19, mas ela, sem dúvida, já produziu efeitos muito claros na advocacia, transformando o jeito de fazer direito diariamente. E isso não necessariamente é algo ruim, pois pode nos levar por um caminho de uma advocacia mais moderna, ágil e próxima da sociedade", avalia Márcio Nogueira, pré-candidato à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rondônia.

Na quarta reportagem da série especial "Advocacia em Pauta", profissionais do direito mostram os efeitos do novo coronavírus na forma de atuação da advocacia rondoniense, contando casos concretos vivenciados em seus escritórios.

EXPLOSÃO DE DIVÓRCIOS - O crescente número de separação de casais é apontado como reflexo do maior período de convivência em ambiente doméstico por conta do isolamento imposto pela covid-19, mas também pela facilitação dos trâmites dos processos, que agora podem ser feitos por meio da internet. Em Rondônia, durante todo o ano passado, foram 1.448 divórcios registrados em cartórios. Neste ano, até maio, já foram 601, de acordo com o CNB.

"O fato é que a pandemia fez com que o mundo jurídico precisasse se adaptar. Ainda falta muita coisa, mas tivemos alguns avanços. As audiências de conciliação passaram a ser virtuais e os próprios atos cartoriais", destaca Louise Haufes, presidente da 3ª Turma o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rondônia.

A advogada, especialista em direito de família, explica que a facilidade de dar entrada nos papéis do divórcio de modo eletrônico é um facilitador. A Resolução 100 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em 2020, estabeleceu que o procedimento pode ser feito em cartório de modo virtual desde o divórcio seja consensual e que o casal não tenha filhos menores.

"Já tive clientes em que uma das partes mora no exterior e fez todo o processo de modo online, sem precisar vir ao Brasil. Outra coisa que evoluiu no direito de família é a citação por WhatsApp. Com a pandemia, muitos juízes passaram a autorizá-la por meio eletrônico, embora ainda haja resistências", comenta. "O advogado defende amplamente o uso de meios eletrônicos. A formalidade excessiva no âmbito jurídico não pode virar um fetiche. O direito tem que preservar a essência das leis", finaliza Louise Haufes.

Com mais de 2 bilhões de usuários no mundo e presente em 99% dos celulares do Brasil, o WhatsApp passou a ser ainda mais usado durante a pandemia devido ao isolamento social contra a Covid-19. De um mensageiro instantâneo em seu início em 2009, hoje é fundamental para quase todas as atividades do dia a dia, sendo usado até pela Justiça. Já não causa mais espanto ser contratado e até demitido pelo aplicativo. "A utilização do WhatsApp para o comunicado de desligamento de um colaborador pode, em princípio, parecer fria e impessoal. Contudo, esse meio nada mais é do que uma ferramenta de comunicação que muito se difundiu na pandemia. O que deve se levar em consideração não é o meio utilizado para a comunicação com o empregado, mas sim, a forma como isso é feito", destaca Karolen Gualda, advogada especialista em Direito do Trabalho e coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Manssur.   

Isso quer dizer que, independente do meio utilizado para comunicar a um empregado que ele será desligado, o mais importante é o respeito, consideração e profissionalismo na relação entre as partes. "Isso é necessário sempre e eu diria primordialmente no momento da comunicação de um desligamento. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não estipula nenhuma forma específica para essa comunicação que, portanto, pode se dar por qualquer meio, desde que seja inquestionável, ou seja, que o empregador se assegure do correto recebimento da mensagem pelo seu empregado", explica Karolen Gualda.

Quando a comunicação da demissão é feita por aplicativos de conversa, o que a Justiça analisa é se aquele meio era a forma normalmente utilizada entre os funcionários e empregadores para a comunicação no dia a dia do trabalho, se o empregado estava atuando remotamente e se não havia a necessidade ou possibilidade de convocá-lo para uma conversa pessoal. "E, principalmente, se a comunicação estava dentro dos padrões de respeito e cordialidade que devem nortear as relações", salienta ela.

Nas situações em que as empresas recorreram a esse formato de anúncio de desligamento e, porventura, o empregado tenha questionado, esse tem sido o entendimento majoritário do Judiciário. Assim, acionar a Justiça do Trabalho por conta de uma demissão por WhatsApp não ensejaria, por si só, algum tipo de reparação.

"A utilização do WhatsApp, assim como dos demais meios telemáticos (Skype, Zoom, e-mail, etc.) foi muito mais difundida com a pandemia, inclusive os próprios tribunais têm se utilizado dessas ferramentas para realização de diversos atos. É uma evolução na forma de comunicação, que deve ser encarada como mais uma ferramenta de trabalho", afirma a advogada.

As mesmas condutas do mercado de trabalho presencial devem ser mantidas nessa nova era digital: respeito ao trabalhador e à sua dignidade, cordialidade na fala e escrita, clareza nas informações. No caso específico de demissão, a formalidade do ato e a possibilidade de confirmação de que a mensagem foi recebida pelo seu destinatário são essenciais e devem sempre ser observados pelas partes que as utilizam, segundo Karolen Gualda.

PERFIL

Karolen Gualda - advogada especialista na área do Direito do Trabalho com experiência em contencioso trabalhista. Formada pela Universidade Metodista de Piracicaba e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIRP (Universidade de São José do Rio Preto). É coordenadora da área trabalhista do Escritório Natal & Manssur. 

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