Segunda-feira, 12 de junho de 2023 - 13h05
Foi resgatada, na última sexta-feira (9), a empregada doméstica
mantida em condições análogas à escravidão por mais de 30 anos na casa de um
desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em Florianópolis. A
operação que resultou no resgate foi deflagrada no dia 6 de junho, após
denúncia recebida no Ministério Público do Trabalho (MPT). Testemunhas foram
ouvidas na fase preliminar da investigação, o que fundamentou a obtenção, pelo
Ministério Público Federal (MPF), de mandados judiciais do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para fiscalizar o domicílio.
Sônia
de Jesus tem 50 anos, é surda e vivia em um abrigo de crianças de São Paulo
quando foi retirada do local pela sogra do desembargador aos 9 anos de idade.
No início da adolescência, época em que a primeira filha dos investigados
nasceu, Sônia foi entregue ao casal e passou a conviver com a família.
Apesar
da alegação dos investigados de que Sônia era tratada como se fosse da família,
ela nunca teve instrução formal, não aprendeu a ler e escrever e não foi, nem
mesmo, alfabetizada na língua brasileira de sinais (libras), o que lhe retirou
toda a possibilidade de autonomia e de desenvolver seus potenciais.
Comunicava-se precariamente, por meio de gestos simples, só entendidos por quem
convivia com ela dentro da residência, e não possuía convívio social fora do
ambiente dessa família. Diferentemente dos filhos biológicos do casal, ela
passou a ter plano de saúde, CPF, RG e título de eleitor somente em 2021. Antes
dessa data, seu único documento era a certidão de nascimento.
Operação – Os mandados de busca e
apreensão na casa do desembargador e de sua esposa foram cumpridos pelo Grupo
Especial de Fiscalização Móvel, com participação de auditores-fiscais do
Trabalho, vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério
Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública
da União (DPU) e Polícia Federal (PF).
A
fiscalização reforçou indícios do crime presentes na denúncia e que foram
confirmados por testemunhas ouvidas na fase inicial da apuração. Conforme
relatos, a vítima realizava tarefas domésticas sem receber salário nem direitos
trabalhistas, como arrumar camas, passar roupas e lavar louças.
Testemunhas
relataram que Sônia dormia em dependências de empregadas tanto na casa do casal
em Blumenau/SC, antes de o magistrado se tornar desembargador, quanto na
residência em Florianópolis. Referiram, ademais, que costumava tomar as
refeições na cozinha, junto de demais empregadas da casa.
Pós-resgate – Sônia foi acolhida por uma
entidade que presta assistência social e psicológica. Além disso, ela será
inserida em entidade filantrópica especializada na alfabetização e na
socialização de pessoas surdas para que possa interagir com outras pessoas,
desenvolver atividades lúdicas e desportivas e aprender a se comunicar em
libras.
O
MPT e a DPU poderão propor termo de ajuste de conduta (TAC), cobrar o pagamento
de dívidas trabalhistas em conjunto com os auditores-fiscais do MTE e ajuizar
ação civil pública em caso de recusa de assinatura de TAC.
O
MTE vai lavrar autos de infração e liberar guias para que Sônia de Jesus receba
três parcelas de seguro-desemprego. A instituição também poderá inserir o desembargador
no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições
análogas à escravidão ("lista suja").
Todas
as documentações serão encaminhadas ao MPF para a adoção de providências
cabíveis na esfera criminal.
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