Sexta-feira, 26 de maio de 2023 - 11h20
Um ato de protesto marcou a
abertura do 1° Simpósio de Direitos da Pessoa Autista, na tarde desta
quinta-feira (25), no auditório do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO). Com
roupa preta, tarja na boca e ‘mãos atadas’, um grupo de mães atípicas se
manifestou virando as costas para as autoridades presentes na mesa,
simbolizando a indignação pelos descasos e negligências do poder público com os
direitos da pessoa com deficiência.
“Viemos sem ser ouvidas,
acorrentadas, há anos sendo ignorados”, bradou uma mãe, sucedendo outra fala
com pedido de respeito: “Que os direitos dos nossos filhos sejam respeitados.
Respeito não é favor! Direito não é privilégio!”. O ato foi pacífico, e
representou o grito de milhares de famílias em Rondônia por um melhor
tratamento aos seus filhos, com políticas públicas efetivas, que viabilize o
acesso à serviços mais dignos em saúde, educação, e uma assistência social mais
humanizada.
“Um quarto da população de Porto
Velho tem algum tipo de deficiência”. O dado foi divulgado em 2016 pelo Centro
de Reabilitação de Rondônia (Cero), mas está bem longe da realidade, já que se
baseou nos atendimentos nesta unidade, que possui um número de profissionais de
saúde insuficiente para atender a alta procura. Não temos noção do quantitativo
de pessoas com deficiência em Rondônia. Os números do Censo de 2010 são
imprecisos e não abrangem as diversas deficiências física e neurológica.
As pessoas com deficiência são
uma parcela da população ainda invisível, uma sociedade paralela que vem
sofrendo injustiças há décadas, muitas vezes longe das lentes da imprensa e dos
olhos da sociedade. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
impõe ao poder público a obrigação de “garantir a dignidade ao longo de toda a
vida” (Art. 10), mas esse mesmo poder massacra, discrimina e trata com descaso
a pessoa com deficiência e sua família.
Isso os gestores não sabem?
- O sofrimento de muitas famílias
em suas jornadas por tratamento para o filho com deficiência está ausente nas
agendas prioritárias dos gestores públicos. Talvez eles não saibam que pessoas
com deficiência tiveram interrompido o tratamento medicamentoso por falta de
acompanhamento, retorno médico (neurologista, psiquiatra, ortopedista) para
renovação de laudo e receita. Por conta disso, estão impossibilitadas de fazer
a retirada de seus medicamentos nas farmácias estaduais e municipais pela falta
do acesso aos médicos.
- Talvez eles também não saibam
que a literatura vigente demonstra que a intervenção realizada antes dos 3 anos
de idade aumenta a probabilidade de recuperação das manifestações, e com o
passar dos anos há uma queda nessa janela de desenvolvimento cerebral,
diminuindo os ganhos nas terapias ou aumentando o tempo de intervenção.
Atualmente o Centro de Atendimento Psicossocial-CAPS realiza atendimento para
crianças diagnosticadas com autismo apenas a partir dos 5 anos de idade,
prestando um atendimento tardio que compromete o desenvolvimento.
- E parece que os gestores ainda
não sabem que, quem cuida, principalmente as mães atípicas, necessitam de
atenção à saúde mental. Um estudo publicado no site americano Disability Scoop
afirma que os níveis de cansaço e exaustão de mães de pessoa com deficiência
são semelhantes aos apresentados por soldados em campo de batalha. A sobrecarga
familiar que tem em sua composição uma pessoa com deficiência é bem maior do
que em outras famílias, devido a rotina diária intensa, que ao longo de anos
leva a pessoa que cuida à total exaustão, desencadeando transtorno de ansiedade
e depressão. Vale ressaltar que a negligência do poder público na manutenção
das garantias em saúde da pessoa com deficiência consequentemente piora o
prognóstico das mães.
NEGLIGÊNCIA DO ESTADO: O CAPS estadual dispõe de um atendimento
psicossocial precário, com difícil acesso ao atendimento psiquiátrico. Não
existe um atendimento de urgência para quem está em crise – o atendimento é por
agendamento; a pessoa retorna para casa e tem que aguardar, ou tentar
atendimento na psiquiatria do Hospital João Paulo II. A saúde mental das mães atípicas precisa ser
considerada pelo Estado.
O 1° Simpósio de Direitos da
Pessoa Autista segue até a noite de sábado (27) no Tribunal de Justiça, com a
participação de magistrados, autoridades acadêmicas e dos poderes Executivo e
Legislativo. Ainda dá tempo para aprofundar o debate, trazendo à pauta outras
versões da realidade, também dando voz às famílias em vulnerabilidade social, que
não podem contratar um plano de saúde, nem pagar um atendimento particular de
um especialista. Mal podem sustentar o filho com deficiência em suas
necessidades básicas. Os serviços
públicos são tudo o que essas famílias podem contar, e são tratadas com descaso.
*Lucas Tatuí é jornalista e pai
de uma pré-adolescente com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
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