Quarta-feira, 6 de novembro de 2024 - 13h30
Uma empresa de Porto Velho (RO) foi condenada por intolerância religiosa
pela Justiça do Trabalho por ter permitido a realização de brincadeiras
relacionadas ao Candomblé, religião professada por sua gerente, assim como pela
punição por estar ela usando um colar de miçangas no ambiente de trabalho. A
decisão é da 8ª Vara do Trabalho de Porto Velho que mandou indenizar a
ex-trabalhadora no valor de R$5.100,00, além do pagamento de verbas
trabalhistas.
Enquanto trabalhou na empresa, a ex-gerente foi alvo de memes e piadas
depreciativas sobre sua religião. Em ocasiões em que adoecia, o empregador
atribuía a causa ao fato de ela ser 'macumbeira'. Além disso, o patrão chegou a
negar-lhe a folga no feriado da Sexta-feira Santa, justificando que a
funcionária não era católica.
“Brincadeiras”
Em sua defesa, a empresa reclamada não negou os fatos e acusações
realizadas, mas afirmou que todo o relato da reclamante aconteceu com o intuito
de fazer "brincadeiras", expressão essa utilizada na contestação.
Disse ainda que a ex-gerente “permitia brincadeiras com a sua religião” e de
que tudo aconteceu em um ambiente saudável.
Sobre os fatos que envolveram a suspensão da ex-gerente pelo uso do
colar de miçangas, a empresa alegou que a obreira “faltou com o respeito à sua
própria religião, ao usar objetos ditos consagrados fora do ambiente da
religião e com claro intuito de trazer impacto ao ambiente de trabalho” e que a
punição foi necessária porque o então empregador não queria vincular a imagem
do estabelecimento a uma determinada religião.
Preconceito recreativo e estereótipo de gênero
No seu julgamento, o titular da 8ª Vara do Trabalho de Porto Velho, juiz
Antonio César Coelho, argumentou que a intolerância religiosa foi reconhecida
ao identificar a existência do chamado preconceito recreativo e do
estereótipo de gênero na conduta da empresa ré.
Ao se referir ao preconceito recreativo, o magistrado explica em
sua sentença que “nesses cenários, enquanto um dos lados se entende como
estando em um momento de pura diversão, o outro se encontra como alvo de
depreciação por fatores históricos, étnicos e/ou religiosos, com ofensas livres
e conscientemente dirigidas a tudo que ela tem como sagrado”.
Quanto ao estereótipo de gênero, o magistrado explica que se trata de um
conjunto de ideias socialmente construídas, atribuídas a determinados grupos.
“Assim como não se revela ofensivo ao senso comum ver uma mulher muçulmana
vestindo um Hijab, ou mesmo uma indiana com adorno que faz referência ao
terceiro olho; ou ainda um Judeu utilizando um Quipá, ou mesmo os povos
originários ostentando Kene Kuin, também não deve ser motivo de reprimenda a
utilização de um colar relacionado ao Candomblé por aqueles que professam tal
religião”, ressaltou Antonio César ao deduzir que o problema central não estava
na intenção de não vincular à imagem do empreendimento à religião de matriz
africana, mas com fundamento à existência do estereótipo de gênero, o que
afirmou seguindo as diretrizes do Protocolo para Julgamento com
Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Por fim, a empresa também foi condenada a pagar honorários advocatícios
sucumbenciais ao(s) advogado(s) da reclamante. A sentença ainda cabe recurso.
Do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero
O Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) publicou recentemente o inovador Protocolo para Julgamento com
Perspectiva de Gênero, um documento que visa orientar magistrados em todo o
Brasil na compreensão e aplicação de uma abordagem mais equitativa e justa em
casos judiciais que envolvam questões de gênero. A iniciativa busca assegurar
que estereótipos de gênero não influenciem as decisões judiciais, promovendo um
judiciário mais sensível e apto a reconhecer desigualdades estruturais que
afetam mulheres e outros grupos marginalizados.
O protocolo propõe um
conjunto de diretrizes que incentivam a reflexão crítica sobre como as normas
de gênero podem impactar as partes envolvidas em um processo legal. Entre os
principais objetivos está a promoção de uma justiça que respeite e reconheça as
diferentes realidades vividas por indivíduos, especialmente no que tange à
discriminação e violência de gênero. A implementação dessas diretrizes é vista
como um passo significativo para o fortalecimento dos direitos humanos no país,
promovendo um sistema judiciário mais inclusivo e consciente das questões de
gênero.
Esta publicação surge
em um momento crucial, onde o debate sobre igualdade de gênero ganha cada vez
mais destaque, refletindo um compromisso do CNJ em adaptar o sistema judiciário
às necessidades contemporâneas e em consonância com padrões internacionais de
direitos humanos.
(Processo n. 0000594-38.2024.5.14.0008)
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