Quinta-feira, 3 de novembro de 2022 - 13h16
Nada de salas de audiências e ar-condicionado. Juízes(as),
servidores(as), defensores públicos e procurador estão há quase duas semanas
fazendo de uma embarcação, típica da Amazônia, a casa e o “fórum” itinerante. A
ação amplia o acesso à Justiça e proporciona atenção jurisdicional a uma
parcela da população de Rondônia que vive à margem do rio e do reconhecimento de
alguns direitos básicos garantidos pela Constituição Federal. Já são quase mil
atendimentos e milhares de reais em benefícios previdenciários concedidos pela
Justiça Federal, que se uniu ao Tribunal de Justiça de Rondônia para a
realização da Operação Justiça Rápida Itinerante, na região conhecida como
Baixo Rio Madeira, zona rural de Porto Velho, capital do Estado.
O barco ancora na comunidade e logo a população se mobiliza
para apresentar as demandas, das mais diversas. No Distrito de Calama, o maior
da região, já na divisa com o Estado do Amazonas, o movimento foi intenso
durante três dias de atendimento. A distância entre o barranco e o rio é
enorme, devido ao período do ano, início do inverno amazônico, quando o nível
das águas está baixo. Dificuldades que tornam o trabalho ainda mais importante,
pois, além dessas limitações naturais a quem vive na região, há, também, os
empecilhos socioeconômicos para o acesso pleno aos direitos.
Para sair dessa localidade, que é uma ilha banhada por três
rios (Madeira, Machado e Maicy), até a sede do Município, são 14 horas de
viagem num recreio, grande embarcação para transporte de cargas e passageiros.
E o custo é alto, até porque, depois desse longo deslocamento, é preciso ter
onde ficar para dormir, comer e transitar pela cidade. Para a comunidade, onde
as principais atividades econômicas são a pesca e a agricultura familiar,
muitas vezes se torna inviável essa despesa.
Demandas
Mais de 200 atendimentos foram realizados pela Justiça
Estadual, como pontua o coordenador da Operação Justiça Rápida Itinerante, juiz
Audarzean Santana, que preside as audiências, que têm participação também do
defensor público estadual Bruno Balbe. São, em geral, ações de registro civil
como correções de erros materiais, casamentos, divórcios, cobranças de pequenos
valores e acordos dos mais diversos. Como no caso inusitado da Izanatte
Botelho, que foi acionada pela vizinha após os filhos de ambas se envolverem
num acidente de bicicleta. A conciliação resultou no pagamento de uma pequena indenização
no valor de 165 reais em favor da criança menor, que ficou com a perna
machucada. Izinha diz não ter certeza sobre a responsabilidade do seu filho no
acidente, mas admite que a conversa solucionou o conflito e pôs fim ao litígio
entre as duas famílias.
Já em outras situações, a atuação da Justiça é necessária
para garantir direitos básicos. Maria Rita e Donizete Rocha resolveram
oficializar a união que já têm. O filho dela, que não tinha o nome do pai
biológico na certidão de nascimento, recebeu o reconhecimento da paternidade
afetiva e agora vai carregar o sobrenome do pai do coração, que se emociona ao
falar da relação com o filho, a quem conheceu quando ainda era um bebê de colo.
Com necessidades especiais, a criança passou por perícia médica e teve
reconhecido pela Justiça Federal o direito a um auxílio-doença no valor de um
salário mínimo, a partir do mês de dezembro deste ano.
Segundo o juiz federal Igor Pinheiro, o levantamento
parcial feito apenas em Calama dá conta de mais de meio milhão reais em
benefícios previdenciários concedidos em audiências, nas quais os
jurisdicionados passam por triagem, atermação e perícia médica, até serem
ouvidos por um magistrado, ali mesmo no convés do barco. Documentos,
testemunhas e julgamento. Tudo é gravado, anotado e checado nos sistemas pela
internet, que é ligada a cada parada na beira do barranco por servidores(as) da
Seção Judiciária de Porto Velho e do Tribunal Regional da Federal da 1ª Região.
Pandemia
As dificuldades foram agravadas pela pandemia, que
suspendeu a realização da operação durante dois anos, o que elevou a demanda e
acentuou a necessidade desse esforço do poder público para garantir o acesso
efetivo das pessoas à Justiça. Desde 2019, o barco da Justiça Rápida não
percorria essa região levando informação, serviços e atenção para a população.
Por isso, só agora Raiane dos Santos conseguiu registrar o nascimento do
pequeno Natanael, ocorrido em maio do ano passado. Conquista em dose dupla: por
meio da atuação dos(as) servidores(as) do PJRO foi possível fazer contato via
WhatsApp com o pai da criança, que atualmente vive em Porto Velho. Ele
participou de uma audiência online e reconheceu o filho. Sorridente, a jovem de
18 anos segurou orgulhosa o documento que foi expedido na hora, pelo cartório
extrajudicial que faz parte da equipe de cerca de 60 pessoas, dentre policiais
militares, servidores(as), magistrados(as) e tripulação.
A operação teve início no dia 17, e será concluída em 28 de
outubro, após percorrer seis comunidades para atender cerca de 15 localidades
na região.
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