Quinta-feira, 21 de novembro de 2024 - 16h37
O Ministério Público Federal (MPF) propôs ação civil pública, com
pedido de liminar, para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não analise ou emita licenças ambientais
para a obra de repavimentação do trecho do meio da rodovia BR-319, que liga
Manaus (AM) a Porto Velho (RO), até a realização da devida consulta prévia,
livre e informada aos indígenas e comunidades tradicionais afetadas, sob pena
de multa. O direito à consulta das comunidades está previsto na Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não foi respeitado, até o
momento, pelo Ibama e outros órgãos públicos envolvidos nos procedimentos
administrativos para autorização das obras.
A ação foi proposta na Justiça
Federal, na última quinta-feira (14), e pede, ainda, que seja determinado ao
Ibama, União e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
que apresentem e executem plano para mapeamento das comunidades tradicionais,
utilizando metodologia que considere a proteção aos modos de vida dessa parcela
da população de forma integral, abrangendo, minimamente, as comunidades
localizadas a 40 km da rodovia.
Após o mapeamento, o MPF requer
que a União, o ICMBio e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)
apresentem plano de consulta, construído em conjunto com as comunidades
tradicionais e indígenas impactadas, específico para a BR-319, observando e
respeitando os protocolos de consulta já existentes. O objetivo da medida é a
concretização do direito de consulta da Convenção 169 da OIT.
Na ação, o MPF destaca que as
comunidades tradicionais foram invisibilizadas no procedimento no trecho da
BR-319, cuja área de influência é considerada entrada para a chamada Amazônia
Profunda. Tal parte do território amazônico é reconhecida pelo Conselho
Nacional da Amazônia Legal como uma área cujo talento econômico nato é a
economia florestal, o que pressupõe a permanência em pé da floresta, que deve
ser, portanto, especialmente preservada.
Segundo o MPF, o caso demonstra a
relevância de proteger áreas de especial proteção ambiental e os povos e
comunidades que delas dependem para sua reprodução física e cultural. “Vale
indicar que, na área de influência da BR-319, 33 das 60 terras indígenas e 24
das 42 unidades de conservação monitoradas apresentaram focos de calor apenas
durante o mês de agosto de 2024. Os efeitos da degradação ambiental já são
sentidos pelas comunidades afetadas pela rodovia, que até o momento, não
tiveram seus direitos respeitados”, afirma a procuradora na ação.
Recomendações - O
MPF considera que, desde o início do processo de recuperação da rodovia, em
2005, o Estado brasileiro tem ignorado a legislação e demonstra uma omissão
sistemática em adotar medidas efetivas para consulta e proteção das populações
indígenas e comunidades tradicionais afetadas. O órgão ministerial vem atuando
no caso durante todo o período, chegando a emitir recomendações por três vezes
buscando uma resolução mais ágil, sem a necessidade de judicialização. Com a
reiterada omissão dos entes estatais envolvidos, não restou outra alternativa
senão o ajuizamento desta ação.
Omissão
sistemática - Apesar das sucessivas recomendações do MPF e das falhas
apontadas em diversas versões do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da obra, os órgãos envolvidos se defendem alegando
limitações de competência ou validade jurídica de suas ações. As audiências
públicas realizadas apresentaram irregularidades, e os estudos ignoraram
territórios e impactos adicionais, como desmatamento e pressão fundiária.
Grupos de trabalho e planos subsequentes também falharam em garantir medidas
específicas para proteger as comunidades afetadas.
O Ibama, apesar de ter
reconhecido a importância de traçar estratégias para alinhar o Plano Básico
Ambiental Indígena às demandas das comunidades, negou-se a acatar as
recomendações do MPF sobre audiências públicas durante a pandemia e declarou
que a consulta prévia não era de sua competência. Acabou por emitir a Licença
Prévia n. 672/2022, com validade de cinco anos, para restauração e melhorias no
Trecho do Meio, sem previsão de realização da consulta nos moldes da Convenção
n. 169 da OIT.
A Funai, por sua vez, reconheceu
inconsistências nos estudos apresentados pelo Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit) e destacou a necessidade de ampliar as
análises sobre os impactos cumulativos do projeto nos territórios indígenas.
Também firmou acordos para definir metodologias de escuta e revisar o Termo de
Referência, mas o Plano Básico Ambiental, concluído em 2024, não abrange todos
os povos indígenas e comunidades tradicionais afetados.
Processo
estrutural - O MPF enxerga, nesse caso paradigmático, que se trata de
um processo estrutural, que envolve diversas instituições e órgãos públicos, de
forma que propõe uma solução cooperada para o cumprimento, pelo Estado
brasileiro, do dever de realizar a consulta prévia, livre e informada aos
indígenas e comunidades tradicionais afetadas. A resolução processual exige a
criação de um plano para a reestruturação das práticas institucionais das
partes envolvidas, prevendo providências sucessivas que garantam os resultados
desejados, sem a ocorrência de efeitos colaterais indesejados.
Por este motivo, o MPF solicita
que, sem prejuízo de requerimento de novas medidas processuais com o objetivo
de garantir a execução dos direitos em questão, seja realizada audiência de
conciliação e a ação seja conduzida nos moldes de um processo estrutural, com
criação de planos e cronogramas entre as partes, por meio da mediação do
Judiciário, do diálogo e da cooperação.
Dano
moral coletivo – Caso não ocorra resolução consensual do processo, o MPF
pede, além da condenação para que os réus realizem a consulta, que seja
declarada a nulidade do Termo de Referência da Funai e determinada pena de
multa diária, no caso de descumprimento das obrigações. Além disso, que a
União, a Funai e o ICMBio sejam condenados ao pagamento de R$ 20 milhões, a
título de dano moral coletivo, pela omissão no dever de realizar a consulta nos
moldes da Convenção 169 da OIT.
Ação Civil Pública nº
1040310-29.2024.4.01.3200
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