Segunda-feira, 19 de abril de 2021 - 09h57
Por meio
de ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) requer que a Fundação
Nacional do Índio (Funai), a União, o estado de Rondônia e o município de Porto
Velho tomem providências com relação à Casa do Índio. Os indígenas que se
deslocam temporariamente para a capital passam por situação de vulnerabilidade
no lugar em que deveriam ser acolhidos.
A ação pede que os responsáveis
pela deterioração da Casa do Índio realizem reformas emergenciais no local que
garantam, provisoriamente, o mínimo de conforto aos indígenas. O reparo do
forro e das telhas, a correção de fissuras estruturais, o conserto dos
banheiros, a instalação de um poço artesiano e de uma cozinha coletiva e a
instalação de uma nova rede elétrica no imóvel são algumas das obras solicitadas.
Condições
do local - Os grupos indígenas que vêm até Porto Velho em busca de
seus direitos ficam hospedados na Casa do Índio. Há 50 anos o local serve como
ponto de apoio e casa de passagem para indígenas das etnias Karitiana,
Karipuna, Cassupá e Salamãe, mas se encontra em situação de insalubridade e
coloca suas vidas em risco.
Em 2012, a Associação dos Povos
Indígenas Karipuna relatou ao MPF a situação de vulnerabilidade do local. Na
ocasião, foram relatados diferentes tipos de violações, entre elas falhas na
estrutura do imóvel, corte no fornecimento de água e energia elétrica e a falta
de assistência da Funai para encontrar uma solução para o problema.
Após investigação realizada pelo
MPF, a Funai relatou que o fluxo de indígenas no local era intenso, seja pela
criação das Associações Indígenas Karitiana e Karipuna ou pelas oportunidades
de renda que a capital de Rondônia oferece a eles. Ainda segundo a Funai, com
esse movimento de ocupação, os espaços para moradia já estavam insuficientes,
então os indígenas começaram a construir barracos desestruturados em um
processo de favelização. Desse modo, a Fundação relata ter ficado sem condições
de arcar com as despesas do local (água e energia elétrica).
Esses serviços foram sendo
restringidos cada vez mais, até o momento em que foram totalmente
interrompidos, inviabilizando a manutenção das condições básicas de moradia e
trabalho na Casa. Porém, a ação ressalta que a interrupção dos serviços foi
pedida pela Funai como forma de expulsar os indígenas do local - os mesmos
indígenas que utilizam esse ponto de apoio há 50 anos. A Fundação não ofereceu
outra alternativa de estadia para os membros da Casa do Índio.
O local se encontrou então em uma
situação insalubre, com falta de saneamento básico, esgoto a céu aberto, canos
estourados, fiação de energia elétrica exposta, risco de desabamento de parte
do imóvel, infestação de cupins nas estruturas de madeira, entre outros
problemas que ferem a dignidade humana dos povos e dos servidores lá
instalados.
Segundo o MPF, a postura da Funai
em abandonar os indígenas das etnias de Porto Velho, precarizando os serviços
públicos essenciais cada vez mais escassos prestados nas aldeias, deu motivos
para que os indígenas viessem em maior número para a cidade atrás de serviços
públicos e melhor qualidade de vida. O Poder Público falhou em sua missão de
proteger e dar apoio a essas comunidades em seus próprios territórios.
Uma perícia técnica e de engenharia realizada pelo MPF constatou
que o local é insalubre e está em severa precariedade. A falta de manutenção
das coberturas (telhas quebradas, trincadas e deslocadas), causam até
patologias nos indígenas ali hospedados. Além disso, todos os blocos apresentam
fissuras e trincas não estruturais e estruturais causadas por degradação,
exigindo reparos de urgência. Foram
observados fogões com botijão de gás próximos a camas, colchões e redes,
situação que causa risco de incêndio.
As perícias também atestaram a
tradicionalidade da Casa do Índio, razão pela qual foi estabelecida como fundamental
a adoção das medidas cabíveis pelos órgãos responsáveis para manutenção do
local como ponto de apoio digno às comunidades indígenas da região.
A Santo Antônio Energia ofereceu
a reforma completa da Casa, que seria creditada de recursos do Plano Básico
Ambiental (PBA) devido pela empresa como compensação ambiental em razão dos
impactos causados pela usina hidrelétrica de Santo Antônio nos territórios das
etnias atingidas. A empresa ainda não executou o PBA única e exclusivamente
devido ao setor de licenciamento e presidência da Funai. A Fundação é omissa em
atualizar, aprovar e assinar os convênios com as modificações propostas pelos
indígenas.
Em 2019, o MPF pediu por meio de
recomendação que a Funai prestasse assistência aos indígenas, executasse obras
emergenciais que diminuíssem os riscos de desabamento e incêndio no local e que
avaliasse a proposta apresentada pela Santo Antônio Energia para reforma da
Casa.
Em resposta, a Funai reconheceu
as condições do imóvel e sua responsabilidade pelo monitoramento e articulação
de políticas públicas voltadas à assistência social dos indígenas. Mas sem
consultar as etnias usuárias do local, o órgão determinou o acionamento da Rede
Assistência Social local como solução para o problema, uma vez que as famílias
ocupantes da Casa do Índio seriam, então, acolhidas emergencialmente (mas não
mencionou o local e nem o plano de acolhimento) e o imóvel ficaria desocupado
para deliberação de sua destinação. Na visão da Funai, a melhor destinação para
o imóvel seria a demolição das estruturas. A Fundação não realizou nenhum dos
serviços emergenciais recomendados.
Descaso -
Por mais que fossem realizadas reuniões sobre o assunto, nenhuma atitude foi
tomada quanto às reformas necessárias da Casa do Índio, e com o advento da
pandemia, a situação dos abrigos municipais se agravou, uma vez que o município
acolheu muitos indígenas da etnia Warao, vindos da Venezuela, lotando seus
estabelecimentos. Ou seja, não há outro local para alojar os indígenas usuários
da Casa.
É responsabilidade da Funai
garantir o cumprimento da política indigenista do Estado brasileiro,
viabilizando a promoção dos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos
indígenas por meio da formulação, coordenação, articulação e monitoramento das
medidas cabíveis (incluindo aquelas de atribuição de outros órgãos, por uma
ação conjunta).
De acordo com depoimento de
indígenas à perícia antropológica realizada no local, a Casa do Índio de Porto
Velho é o “ponto dentre pontos ligados por linhas de vida coletiva de cuja
malha afirmam: ‘nosso território’”. É nela que indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e
Karipuna podem, por exemplo, conversar entre si em sua própria língua, como
sempre fizeram desde a atração para a cidade.
Os grupos étnicos que utilizam o
local não visam uma declaração de tradicionalidade de toda a cidade de Porto
Velho, mas apenas de uma área específica tradicionalmente aglutinadora de suas
culturas. Segundo o MPF, é de extrema importância a manutenção da Casa do Índio
como um espaço para hospedagem temporária para os indígenas.
A ação civil pública é a de número 1004654-32.2021.4.01.4100 e
pode ser consultada na página do Processo Judicial Eletrônico (PJ-e) da Justiça Federal.
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