Quinta-feira, 3 de novembro de 2011 - 08h28
Mesmo sem armamento ostensivo, o tráfico de drogas encontrou uma maneira de sobreviver, e ainda manter os lucros, em favelas do Rio de Janeiro que já receberam UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). A estratégia dos criminosos é driblar condenações por tráfico de drogas recrutando menores de idade para fazer a venda direta ao usuário, uma vez que os adolescentes não cumprem penas, mas medidas sócio-educativas.
Com isso, adolescentes já envolvidos com o crime subiram de posto na hierarquia do tráfico, deixando de ser fogueteiros (aquele que sinaliza a entrada da polícia no morro), por exemplo, para vender entorpecentes. Motivados pela oportunidade de ganhar dinheiro, adolescentes que, até então não integravam o tráfico, também foram atraídos pelos traficantes.
A Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, é uma das comunidades em que o tráfico é mantido por adolescentes. Em três dias, cada um dos menores de idade deve vender R$ 500 em cocaína e maconha, dos quais R$ 450 são repassados aos chefes. O adolescente fica com R$ 50, segundo o delegado-assistente Maurício Mendonça, da Delegacia da Taquara (32ª DP).
- Entrevistei um desses jovens e ele contou que conhece cerca de 30 outros na mesma situação que a dele. Estou percebendo que há um recrutamento específico pela questão da idade.
Comandante da UPP da chamada CDD, o major Felipe Romeu confirma que, após a pacificação, os traficantes dessa comunidade são quase todos menores de idade, “pois ficam menos tempo presos”.
- Fazemos ronda escolar para combater a presença deles nas portas de colégios. Além disso, a presença significativa de policiais da UPP inibe a permanência de traficantes conhecidos que podem ser presos.
Segundo o advogado Henrique Baptista, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que medida mais severa aplicada a adolescentes em conflito com a lei é a internação de até três anos, isso em caso de crimes cometidos com violência ou ameaça.
- Há outras [medidas] mais brandas, como a advertência e obrigação de reparar o dano. No caso do tráfico de drogas, o menor só é internado se for uma segunda ocorrência. Na primeira vez em que o menor é apreendido, ele é advertido.
Por outro lado, a pena por tráfico de drogas daqueles com mais de 18 anos pode ir até 15 anos – o juiz arbitra a pena conforme o volume de drogas apreendidas com o acusado.
Um policial que prefere não se identificar, que trabalha na UPP do São João, na zona norte, diz que os menores levam pouca quantidade de droga para que, caso seja pego, se passe por usuário.
- Sempre houve o ‘estica’ [pessoa que leva a droga onde o consumidor estiver], mas vi um acréscimo do número de adolescentes envolvidos com o tráfico.
Os adolescentes começam a ser recrutados com 13 anos para transportar as drogas, segundo o presidente do Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social), Nanko Buuren, que realiza ações para retirar jovens do tráfico em comunidades na região metropolitana do Rio.
- Percebi essa mudança de função do menor de idade desde a pacificação no morro Dona Marta. A estratégia é diferente onde há os soldados do Exército. Lá, maiores de 18 anos que ainda não têm mandado de prisão contra eles continuam encarregados da venda. As UPPs tiraram as armas, mas não o tráfico. Ele ainda existe e vai usar o jovem para permanecer.
Drive-through e uniformes escolares
A venda de drogas precisou se tornar mais ágil para fugir do patrulhamento da UPP e, para isso, criou-se até o chamado drive-through da droga, segundo Buuren.
- Na Cidade de Deus, por exemplo, o usuário dá o dinheiro para o traficante sem sair do carro e, duas ruas depois, pega a droga com outra pessoa, que foi avisada pelo rádio sobre a quantidade vendida.
O delegado Mendonça confirma que os menores de idade não fazem a venda de drogas em becos e lugares escondidos.
- Esses jovens vendem entorpecentes em pontos mais avançados, próximos do asfalto. Eles ficam mais expostos.
Outra situação descrita por Buuren é o uso de uniformes de colégio para não chamar a atenção da polícia.
- A preferência pelo menor de idade para realizar a venda e o transporte não é só pela questão de menor punição, mas principalmente por evitar a revista policial e a perda da mercadoria.
O comandante da Polícia Pacificadora, coronel Rogério Seabra, confirma essa nova função de menores de idade e mulheres no tráfico de drogas em comunidades pacificadas.
- Sem armas, os traficantes tiveram que difundir o poder com mulheres e crianças. Temos que estar preparados para lidar com isso.
Fonte: Gabriela Pacheco / Portal R7
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