Sábado, 20 de agosto de 2016 - 08h09
Eles interromperam investimentos. Cancelaram reajustes. Revisaram contratos. Mas estão depositando o salário dos funcionários em dia. A constatação é triste, mas ser pontual com a folha de pagamentos — a mais fundamental das obrigações de um empregador — virou artigo de luxo para muitos governos estaduais. A crise enfrentada pelos estados brasileiros foi brutalmente agravada de 2014 para cá.
A recessão econômica reduziu a arrecadação de impostos e, com isso, as receitas dos governos também. As transferências de recursos da União para os estados caíram 1,4% no primeiro semestre — período em que a inflação alcançou quase 4,5A%. Foram cerca de 500 milhões de reais a menos para os cofres dos governos. Resultado: o grupo de estados que mantêm as contas minimamente equilibradas é cada vez mais restrito.
“Se nossa posição é considerada confortável, tenho dó de quem tirou nota D”, diz Simão Jatene, governador do Pará. Dois levantamentos recentes sobre a capacidade de pagamento dos estados — um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e outro do Tesouro Nacional — incluem o Pará entre os que possuem melhor situação fiscal no país. Os cálculos consideram oito indicadores, como nível de endividamento, peso do pagamento de juros sobre a receita e despesas com pessoal, para atribuir uma nota a cada unidade da federação. Notas A e B indicam um perfil fiscal forte, enquanto notas C e D sugerem que as contas estão desequilibradas. Entre as melhores notas também estão Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo e Rondônia.
Nessa seara, ter uma economia forte pode ser um problema. “A metodologia dos levantamentos dá ênfase ao grau de endividamento. Os estados menos desenvolvidos sempre foram menos endividados em relação aos mais ricos”, explica José Roberto Afonso, pesquisador da Fundação Getulio Vargas e professor no Instituto Brasiliense de Direito Público. Os estados mais pobres, conforme o especialista em finanças públicas, foram beneficiados após a Constituinte de 1988 e, proporcionalmente, recebem uma fatia maior dos recursos públicos. Entre os estados com pior situação financeira hoje estão os mais ricos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Estar à frente nesse ranking não chega a ser exatamente um alívio. “Nossas finanças estão da ‘mão para a boca’”, afirma Regis Mattos Teixeira, secretário de Economia e Planejamento do Espírito Santo. “Pagamos as contas do mês com as receitas do mês, mas não há folga no caixa para nos dar a tranquilidade de ter as prioridades garantidas.” No governo capixaba, todo o esforço deste ano tem como objetivo não mais do que terminar o exercício no zero a zero.
Do lado da despesa, horas extras foram cortadas, diárias e passagens foram suspensas e mais de 3.000 cargos comissionados foram extintos. Os servidores ficaram sem reajuste no salário tanto no ano passado como neste ano. Um comitê de controle dos gastos públicos, envolvendo quatro secretarias, passou a se reunir semanalmente para estudar como diminuir os gastos.
Fora a redução dos repasses federais, a receita do Espírito Santo se ressentiu de outros fatores. Uma forte seca deve provocar uma quebra de mais de 50% na safra de café no estado, prejudicando a economia do interior. A paralização das unidades da mineradora Samarco localizadas no estado, após o rompimento de uma barragem de rejeitos em Mariana (MG) no ano passado, provocou um efeito dominó sobre uma extensa cadeia de fornecedores e prestadores de serviços. Para completar, o preço do petróleo despencou nos últimos dois anos, causando impacto sobre os royalties da atividade recebidos pelo governo.
Folha de pagamentos
Conseguir manter estáveis os gastos com pessoal é um dos maiores desafios — e também a principal vitória — dos estados com melhor performance financeira. Em Rondônia, a folha de pagamentos passou por uma análise de conformidade, espécie de auditoria realizada por uma empresa contratada. De grão em grão — eliminando pequenas inconsistências que vinham se acumulando, como o pagamento de vale-transporte para servidores em férias —, a economia ultrapassou os 50 milhões de reais por ano.
Os gastos mensais com pessoal na administração direta e indireta de Rondônia são de 250 milhões de reais mensais. “Com a folha não se brinca. Depois de avançar sobre os limites, não dá mais para voltar atrás”, afirma Wagner Garcia de Freitas, secretário de Finanças do estado. É muito difícil demitir um funcionário público no país, também não se pode reduzir os salários. E mesmo congelando os reajustes, como a maioria dos estados fez nos últimos dois anos, os gastos crescem vegetativamente, conforme os servidores avançam na progressão da carreira.
Em alguns lugares, os governos começaram a se mexer. Em Rondônia, por exemplo, está em estudo a elevação da alíquota de contribuição dos servidores dos atuais 11% para 13%. “Temos a vantagem de ser um estado jovem, com pouco mais de 30 anos. Não temos déficit na Previdência, mas sabemos que teremos no futuro”, diz o secretário Freitas. No Ceará, uma lei de 2013 possibilitou a criação de um fundo de previdência complementar para os servidores, mas ele ainda não saiu do papel — agora, o governo pleiteia que os estados sejam autorizados a aderir ao Funpresp, fundo de Previdência dos funcionários públicos federais criado em 2013.
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No Ceará, a opção foi liberar reajustes apenas para algumas categorias — e de pouco em pouco. Os trabalhadores da educação, por exemplo, conseguiram um aumento de 7,8%. Os policiais e os funcionários da saúde também foram beneficiados, mas toda a administração ficou de fora. “Não atrasamos salários e pagamos metade do 13o dos servidores em julho”, diz Mauro Benevides Filho, secretário da Fazenda do estado.
Mas a eficiência de mecanismos de controle de gastos tem limite, já que certas despesas são obrigatórias. “Já cortei telefonia fixa, telefonia móvel, carro de representação, combustível, cargos comissionados. Tentamos redesenhar o tamanho da máquina, mas uma queda permanente das receitas pode, sim, nos comprometer”, diz o secretário.
Tão inevitável quanto a queda nas receitas está o aumento das despesas com previdência. No Ceará, o déficit anual do sistema é de cerca de 1,4 bilhão de reais. Significa que, além das contribuições dos servidores, o estado precisa reservar esse valor extra todo ano para pagar aposentadorias. No Espírito Santo, o déficit em 2015 beirou 1,6 bilhão de reais. Um levantamento realizado no início do ano por Marcelo Caetano, hoje secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, indica que o déficit atuarial dos regimes previdenciários dos estados soma 2,4 trilhões de reais, ou cerca de 44% do PIB brasileiro.
Resolver tantos problemas provavelmente exigirá um exercício de criatividade dos governadores. “O Banpará é um banco saudável. Por que não poderíamos capitalizar a Previdência com ações dele, por exemplo?”, sugere Jatene. No Pará, o sistema de Previdência, composto de um fundo deficitário e outro superavitário, consome cerca de 10% dos recursos do orçamento mensal do estado. No Espírito Santo, já foram iniciadas discussões para elaborar uma versão local da Lei de Responsabilidade Fiscal, com parâmetros próprios a serem cumpridos, além dos indicadores da lei homônima que já rege a atuação dos gestores públicos brasileiros desde os anos 2000. “Uma questão que precisa ser atacada é o uso de recursos provenientes de royalties e participações especiais. Eles são voláteis, então não se pode confiar neles para bancar o custeio, um gasto permanente e contínuo”, explica o secretário Teixeira.
Até lá, mesmo os estados com melhor situação financeira prometem continuar buscando dinheiro na União. O mais novo pleito é alguma forma de compensação pelo acordo para alongar o pagamento de débitos pelos estados mais endividados (o PL 257, que estabelece as condições da renegociação, tramita no Congresso). “Deveríamos ter algum tipo de flexibilização, desde que destinássemos recursos para investimentos”, afirma Jatene, que se reuniu na terça-feira 16 com o presidente interino Michel Temer e outros governadores para tratar do assunto. Como se vê, satisfeito, satisfeito, ninguém está.
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