Sexta-feira, 8 de novembro de 2019 - 10h39
Neste ano e meio que ele está preso, não tive condições de viajar a Curitiba e fiquei esperando o amigo sair da prisão para poder falar com ele, certo de que esse dia chegaria.
Por meio do Frei Chico, seu irmão mais velho, pedi para fazer a primeira entrevista exclusiva com Lula em liberdade.
Após as trocentas entrevistas que ele concedeu a jornalistas do mundo todo, tinha certeza que chegaria minha vez
Depois escrevi uma carta contando como estavam as coisas aqui fora e reiterei o pedido, que ele me respondeu agora, justamente no dia em que seu destino está em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
“Ricardo, não sabia se ria ou chorava com sua sua carta. De qualquer forma, torço para que você dê a volta por cima (…) Para que isso aconteça, precisa ficar bonito como eu e, ao mesmo tempo, ter pela vida, o tesão que eu tenho(…) Abraço desse seu amigo de sempre. Que Deus dê muita força para você nesse momento difícil. A luta continua até a vitória final! Lula. Sem medo de ser feliz”, termina a carta.
Lula é um caso raro do cara que de, dentro da prisão, procura dar esperança a quem está livre.
Amigos que foram visitá-lo me contaram a mesma coisa: em lugar de dar uma força para ele, saíam da sua cela fortalecidos para segurar a barra e seguir em frente.
Devo a Lula algumas das melhores matérias que já escrevi, desde que ficamos amigos, faz mais de 40 anos, na época das grandes greves dos metalúrgicos do ABC.
Certa vez, em meio a um feriado de Páscoa, sem ter nada para fazer na redação, fui provar seu coelho a caçadora, que ele preparou no fogão a lenha da velha chácara, à beira da represa Billings, chamada “Los Fubangos”, que não quer dizer nada.
Lula ainda resistia a anunciar que partiria para uma nova campanha presidencial, após três derrotas.
Cutuca daqui, cutuca de lá, acabei arrancando dele a confirmação da candidatura, um belo furo. Na matéria, dei até a receita do coelho a la Lula.
João Bittar, meu amigo fotógrafo, já falecido, ficou tão empolgado que deixou cair uma lente na represa. O amigo candidato pulou na água e a achou. Para ele, não tem jogo perdido.
Em 2010, Dilma Rousseff também demorava para falar como candidata e não queria me dar entrevista de jeito nenhum.
Quem a convenceu foi Lula e ela abriu o coração comigo numa conversa na Base Aérea de Cumbica, antes de embarcar para uma viagem ao exterior.
Na noite da vitória, quando os dois se encontraram e se abraçaram no cinema do Palácio da Alvorada, eu era o único jornalista que viu a cena.
Dilma ainda parecia assustada. Lula perguntou:
“Ainda não caiu a ficha, Dilma?”
“Não caiu, acho que vai demorar…”.
Acompanhei Lula como assessor de imprensa em três campanhas, trabalhei com ele no Planalto e viajamos pelo mundo nos dois primeiros anos de governo.
Nem sempre concordamos, já brigamos muito, mas sempre nos respeitamos, cada um no seu quadrado.
No dia da minha despedida, choramos os dois e cada um seguiu seu caminho sem poder imaginar a tragédia que estamos vivendo 15 anos depois.
Mas os ventos estão virando outra vez e boto fé que logo teremos Lula de volta ao nosso convívio sem ter mais que escrever cartas.
Obrigado, Nego Véio, forte abraço.
Vida que segue.
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