Quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024 - 10h59
A Justiça
Federal de São Paulo concedeu medida liminar na ação civil pública (ACP)
apresentada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec) contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em
relação à prorrogação de prazos da rotulagem de alimentos e bebidas com o selo
da lupa indicando altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e gordura
saturada.
Uma decisão provisória do juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara
Cível Federal de São Paulo, suspende imediatamente os efeitos da Resolução da
Diretoria Colegiada (RDC) nº 819/2023 e determina que a Anvisa se abstenha de
adotar novas medidas que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento
de prazos de implementação da RDC nº 429/2020 e Instrução Normativa (IN) nº
75/2020 (leia mais abaixo).
Além disso, a decisão determina que as empresas fabricantes de
alimentos processados e produtos ultraprocessados que se valiam da autorização
de esgotamento de embalagens e rótulos antigos pela RDC nº 819/2023, passem a
utilizar adesivos para adequar as embalagens com o selo da lupa e a tabela
nutricional, em um prazo máximo de 60 dias.
A decisão do magistrado Marcelo Guerra Martins considera que
"é preciso resistir ao lobby de agentes econômicos que tentam compensar a
própria incapacidade por meio de um protecionismo estatal que prejudica a
coletividade, seja em relação aos consumidores, seja em termos de retardar a
prevalência, na economia, das empresas dotadas de maior agilidade,
eficiência, produtividade e capacidade de adaptação."
Em outro trecho, ao analisar o processo de tomada de decisão da
prorrogação dos prazos no último dia para adequação dos rótulos, a liminar
expõe que a "guinada perpetrada pela Anvisa em relação ao novo marco
regulatório para as embalagens dos alimentos processados e ultraprocessados
causa, no mínimo, estranheza. Como explicar que a partir de 57 (cinquenta e
sete) solicitações isoladas se altere, em poucos dias, uma política pública
destinada a abarcar milhares, quiçá milhões, de empresas produtoras dos
alimentos enquadrados na RDC nº 429/2020?".
Para o advogado Leonardo Pillon, do Programa de Alimentação
Saudável e Sustentável do Idec, a decisão liminar é uma resposta muito positiva
a fim de neutralizar as estratégias de influência política para o controle das
decisões regulatórias pelos próprios agentes econômicos regulados. Ao mesmo
tempo, ela ressalta a nocividade à saúde do consumo de ultraprocessados com
lupas frontais, o que convenceu o magistrado a acolher os argumentos sólidos do
Idec.
"A imoralidade administrativa da Anvisa ao ter submetido sua
função regulatória aos interesses da indústria, como já havíamos alertado em
outubro passado, é extremamente danosa à reputação de uma agência conhecida por
ser técnica e independente. Há uma dupla perda de credibilidade da agência:
interna, ao ter desconsiderado as posições da sua própria área técnica, e
externa por ter suprimido a participação social. De qualquer modo, essa decisão
demonstra que o lobby de corporações reguladas e suas coalizões, grupos de
fachada, entre outros, precisa ser devidamente depurado pelo sistema
jurídico-institucional ante o déficit democrático fruto dessas
atividades", afirma Pillon.
Para o advogado do Idec, a decisão liminar consolida o direito das pessoas consumidoras de realizarem escolhas mais bem informadas sobre os potenciais efeitos nocivos à saúde decorrentes do consumo de produtos ultraprocessados e processados com o aviso da lupa frontal.
Entenda as regras da rotulagem nutricional de alimentos
Com a aprovação da RDC nº 429 e da IN nº 75 da Anvisa, em 2020, a
indústria alimentícia teve três anos para se adequar às novas regras de
rotulagem, com a inclusão do selo da lupa e da nova tabela de informação
nutricional.
A maioria dos alimentos e bebidas processados e ultraprocessados
devem apresentar o selo da lupa na parte da frente, com o aviso "alto
em" açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio. Os produtos devem
apresentar também a nova tabela nutricional, incluindo a informação de
nutrientes por 100 ml ou 100 gr, para que a comparação entre produtos seja mais
fácil para o consumidor.
A regra já estaria valendo para a maioria dos produtos
alimentícios; apenas pequenos produtores e bebidas não alcoólicas em embalagens
retornáveis teriam mais tempo.
Porém, no fim do prazo de adequação, em outubro do ano passado, a
Anvisa emitiu a RDC nº 819/2023, permitindo que as indústrias esgotassem o
estoque de rótulos e embalagens ainda não atualizadas às novas regras, até
outubro deste ano.
Ao mesmo tempo, as próprias regras da Anvisa já permitiam a
adequação de rótulos e embalagens existentes com adesivos, para evitar o
descarte e o desperdício de materiais.
Com a decisão liminar a pedido do Idec, a parcela da indústria que
vinha se aproveitando da RDC nº 819/2023 terá de se adequar às regras de 2020,
como já fizeram muitas empresas do setor alimentício nos últimos três anos. O
novo prazo é de 60 dias para a adequação ou atualização dos rótulos e
embalagens.
Desde 2014, o Idec participa dos debates para garantir o direito
das pessoas serem corretamente informadas sobre os ingredientes presentes nos
alimentos e bebidas, com a definição de normas mais rígidas para a rotulagem. E
isso inclui a luta pela criação do selo da lupa.
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