Quinta-feira, 19 de setembro de 2024 - 14h07
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) premia as melhores teses de doutorado defendidas no Brasil
nas áreas de avaliação definidas pela Fundação e que fazem parte do Sistema
Nacional de Pós-Graduação. Considerado o Oscar da Ciência Brasileira, o Prêmio
CAPES de Teses concedeu Menção Honrosa ao trabalho Fazendo a ciência
não-feita: a produção de contra-expertises diante da mineração de urânio em
Caetité (BA) do pesquisador Bruno Lucas Saliba de Paula (mestrado em
Sociologia pela UNB).
Destacamos a importância desta premiação ser concedida a uma relevante
análise dos impactos da mineração de urânio em Caetité que vem sendo alvo de
diversas investigações acadêmicas. Este trabalho por certo contribuirá muito
para a ampliação do conhecimento e do debate sobre a nefasta ação da indústria
nuclear no sertão da Bahia, onde acontece a primeira fase do ciclo de produção
da energia nuclear, hoje falsamente apontada como solução para o enfrentamento
das mudanças climáticas.
A partir dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, a pesquisa
abrangeu as dimensões epistêmicas do conflito ambiental relativo à mineração e
ao beneficiamento de urânio realizado pelas Indústrias Nucleares do Brasil
(INB), na Bahia. Desde o início das atividades (1999), a empresa é alvo de
contestações, já que a mineração atômica está associada a um quadro de
adoecimento por radiação ionizante - com índices crescentes de câncer na região
- e a contaminações ambientais.
O trabalho analisou a relação entre
dois regimes de conhecimentos que perpassam essa questão: de um lado, a
perspectiva científica especializada, presente principalmente nos
posicionamentos do corpo técnico da INB e dos órgãos de fiscalização. Do outro
lado, os conhecimentos alternativos produzidos por atingidos e movimentos
sociais da região em parceria com cientistas independentes.
Os resultados indicam que a ciência da INB opera de duas formas: a
primeira, associada a uma postura pretensamente neutra e tecnocrática, trata
como naturais as contaminações ambientais e tenta abafar suspeitas e
controvérsias vindas da população local; a segunda, típica de uma “ciência
não-feita”, é atrelada à produção ativa de uma condição de ignorância que
distancia os caetiteenses de informações que os ajudariam a compreender melhor
os riscos a que estão submetidos.
Em contrapartida, os atingidos e
movimentos sociais indicam uma relação direta entre a mineração e as
contaminações. Nesse caso, foram observadas iniciativas de “contra-expertise”
por parte dos ativistas, que operariam de forma a produzir, junto a
especialistas independentes, novas evidências e a fomentar debates sobre
questões negligenciadas, preenchendo as lacunas deixadas por uma “ciência
não-feita”.
A partir dos dados examinados, o autor da tese propôs uma síntese
teórico-conceitual referente aos diversos tipos de expertise, que variam
conforme os espaços em que são produzidas – se em instituições convencionais ou
independentes – e o grau de neutralidade ou situacionalidade que reivindicam
para si. Inspirado nas epistemologias feministas, ele argumenta que as ciências
se tornam mais potentes e adquirem uma “objetividade forte” ao assumirem seu
engajamento com pautas de grupos subalternizados. E ressalta a necessidade
de que populações atingidas por conflitos ambientais tenham protagonismo não só
em processos decisórios, mas também de produção de conhecimento sobre suas
situações, de forma a fomentar a democratização da ciência e da tecnologia.
Publicada em julho deste ano, a íntegra da tese está no link https://repositorio.unb.br/jspui/handle/10482/49027
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