Quarta-feira, 24 de abril de 2024 - 15h49
A Comissão Pastoral da Terra
(CPT) lançou a 38ª edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, apontando o
balanço dos dados da violência ligada a questões agrárias no país ao longo de
2023. No primeiro ano de governo do terceiro mandato do presidente Lula, foram
registrados os maiores números desde o início dos levantamentos, em 1985: ao
total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de
2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos.
A maioria dos conflitos registrados é pela terra (1.724, sendo
também o maior número registrado pela CPT), seguidos de ocorrências de trabalho
escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior
número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206),
Rondônia (186) e Goiás (167). Dentre as regiões, a região Norte foi a que mais
registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste
(353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.
Os conflitos envolveram 950.847 pessoas, disputando 59.442.784
hectares em todo o Brasil. O número de pessoas envolvidas é 2,8% maior em
relação às 923.556 pessoas envolvidas em conflitos no campo em 2022, mas a área
em disputa é 26,8% menor, tendo sido 81.243.217 hectares disputados no mesmo
período de comparação.
Conflitos pela Terra – Das 1.724 ocorrências
registradas neste tipo de conflito, 1.588 são referentes às violências contra a
ocupação e a posse e/ou contra a pessoa. No primeiro tipo de violência, se
destacam as ocorrências crescentes de invasão, em que foram registradas 359
ocorrências em 2023, afetando 74.858 famílias, contra 349 casos em 2022. Também
cresceram os registros de expulsão (37 ocorrências e 2.163 famílias em 2023,
contra as 23 ocorrências e 596 famílias, em 2022), transformando este no
segundo ano em que mais se registrou famílias expulsas dos territórios, ficando
atrás apenas do ano de 2016. Também aumentaram consideravelmente as ameaças de
despejo judicial (de 138 para 183) e o despejo judicial concretizado (de 17
para 50).
A pistolagem foi o segundo tipo de violência
contra a ocupação e a posse que mais teve registros de ocorrência em 2023
(264), um crescimento de 45% em relação ao ano de 2022, sendo o maior número
registrado pela CPT nas ocorrências deste tipo de violência contra a coletividade
das famílias — um total de 36.200 famílias atingidas. Os sem-terra foram os
principais alvos destas ações, com o registro de 130 ocorrências, seguidos por
posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19). Destruição de pertences
(101), casas (73) e roçados (66) também foram ações violentas contra a
permanência dos povos em seus territórios.
Trabalho Escravo Rural – Em 2023, foram
registrados 251 casos de trabalhadores e trabalhadoras em situação de
escravidão no meio rural, com 2.663 pessoas resgatadas desta condição, sendo
estes os maiores números dos últimos 10 anos. Os destaques de resgates foram
para os estados de Goiás (699), Minas Gerais (472), Rio Grande do Sul (323),
além de São Paulo, com 243 pessoas resgatadas. Os tipos de atividades que mais
tiveram trabalhadores libertos em 2023 foram a cana de açúcar, com 618
trabalhadores; as lavouras permanentes, com 598; as lavouras temporárias, com
477; e, outros tipos de atividades rurais, com 273. Os números poderiam ser
ainda maiores, se houvesse uma política mais estruturada de fiscalização e
combate ao trabalho escravo especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Conflitos pela Água – Houve estabilidade nos
registros (225, contra 228 no ano anterior), mas os dados ainda são altos em
relação ao início dos 10 últimos anos, tendo a frente o não cumprimento de
procedimentos legais por parte do poder público e empresas privadas (78), seguido
da destruição e/ou poluição (56), diminuição e impedimento no acesso à água
(48) e contaminação por agrotóxico (26). Fazendeiros, governos estaduais,
empresários, hidrelétricas e mineradoras continuam sendo os agentes causadores
destes conflitos, que vitimam principalmente indígenas (24,4%), pescadores
(21,8%), ribeirinhos (13,3%), quilombolas (12,4%) e assentados (8,4%).
Violência contra a Pessoa – Foram 554 ocorrências que
atingiram 1.467 pessoas, incluindo 31 assassinatos, uma diminuição de quase 34%
em relação ao ano anterior, quando foram mortas 47 pessoas no campo. A maior
proporção de vítimas foi do estado de Rondônia (com 5 mortes), seguido do
Amazonas, Bahia, Maranhão e Roraima, com 4 vítimas cada. Foram tiradas as vidas
de 14 indígenas e 9 sem-terra, sendo estas as populações que mais sofrem deste
tipo de violência extrema, seguidos de posseiros (4) e quilombolas (3). Ao
longo dos últimos dez anos, trabalhadores sem-terra continuam sendo as maiores
vítimas (151), seguidos de indígenas (90), de um total de 420 pessoas
assassinadas na luta pela terra. Das vítimas fatais da violência, 7 eram
mulheres. O tipo de violência com mais vítimas foi a contaminação por
agrotóxico, com 336 pessoas vitimadas, seguida das ameaças de morte (218),
intimidação (194), criminalização (160), detenção (135), agressão (115), prisão
(90) e cárcere privado (72), todos crescentes em relação a 2022.
Principais Causadores da Violência –
Os principais agentes causadores das violências no Eixo Terra foram os
fazendeiros, responsáveis por 31,2% do total de violências causadas neste eixo,
seguidos de empresários (19,7%), Governo Federal (11,2%), grileiros (9%) e os
governos estaduais, com 8,3%. No caso do Governo Federal, mesmo com a pequena
diminuição no total das violências causadas e com a maior abertura de diálogo
do governo com os movimentos sociais, por meio da reestruturação de ministérios
como o do Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos e Justiça, além da criação
do Ministério dos Povos Indígenas, isto não se refletiu em avanços na conquista
de direitos pelas populações camponesas e tradicionais, como a reforma agrária
e a demarcação das terras indígenas.
Já os governos estaduais têm agido com repressão policial
intensa contra acampamentos e assentamentos, comunidades quilombolas e terras
indígenas, com destaque para Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins,
Maranhão e Rondônia. O mesmo se pode dizer em relação ao poder legislativo
federal e estaduais, com o avanço da bancada ruralista, promovendo mudanças em
legislações como o Marco Temporal, o Pacote do Veneno, e as leis de terras e
liberações para pulverização aérea de agrotóxicos nos estados.
Amazônia Legal – Na região que compreende
quase 60% do território brasileiro, houve diminuição no desmatamento, com destaque
para as ações de fiscalização da Polícia Federal no combate aos garimpos
ilegais. Mas a violência tem crescido em regiões como a da tríplice divisa dos
estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de
Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Dos 31 assassinatos no país, 8
foram nesta região, sendo 5 causados por grileiros. A região prometida como
“modelo” de desenvolvimento com foco na sociobiodiversidade, tornou-se
epicentro de grilagem para exploração madeireira e criação de gado, com altas
taxas de desmatamento, queimadas e conflitos.
Ações de Resistência – Registradas também no
relatório Conflitos no Campo, as ações de resistência também tiveram aumento
expressivo em 2023, pois incluem 119 ocupações e retomadas, sendo 22 ações
conduzidas por indígenas, 3 retomadas quilombolas e outras 94 pelas demais
identidades sociais. Também foram registrados 17 acampamentos protagonizados
por sem-terra e/ou posseiros, superando 2022, apenas com 5. Estes números
passaram a ter novamente um crescimento a partir de 2021, mas ainda inferior
aos números da série de dez anos.
Relatório – Elaborado anualmente há quase quatro
décadas pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para
universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais.
A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes
pastorais da CPT, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais por
todo o país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela
equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc)
ao longo do ano.
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