Sábado, 27 de janeiro de 2024 - 09h05
O Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) acaba de ingressar com uma ação
civil pública (ACP) na Justiça Federal de São Paulo contra a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) questionando a prorrogação do prazo para
adequação da rotulagem de alimentos e bebidas com o selo da lupa indicando
altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada.
A ACP, apresentada na 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, busca
suspender imediatamente os efeitos da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº
819/2023, que permitiu o uso de embalagens e rótulos já adquiridos de alimentos
e bebidas com excesso de nutrientes críticos sem o selo da lupa e sem a nova
tabela de informação nutricional, para esgotamento dos estoques até outubro de
2024.
Na visão do Idec, a decisão da Anvisa foi motivada por
informações tendenciosas de parcela da própria indústria, desprovida de
qualquer evidência científica livre de conflitos de interesses comerciais. Foi
resultado da interferência dessa parcela do setor de alimentos processados e
produtos ultraprocessados que falhou ao não se organizar dentro dos 1.000 dias
que tiveram para adequar-se às novas regras de rotulagem nutricional em
detrimento do interesse público.
“Potencializa-se o risco de pessoas consumidoras adquirirem
produtos que não são menos prejudiciais à saúde acreditando que estão elegendo
escolhas alimentares mais saudáveis, enquanto a indústria alimentícia lucra com
a venda desses produtos sem permitir que seu público consumidor compreenda a má
qualidade nutricional da sua compra, em desacordo com as diretrizes do Guia
Alimentar para a População Brasileira", aponta Leonardo Pillon, advogado
do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
O Idec solicita uma medida liminar para que as empresas que estão
se aproveitando da RDC nº 819/2023 sejam obrigadas a utilizar adesivos nas
embalagens de seus produtos, fazendo a adequação com o selo frontal da lupa e a
nova tabela de informação nutricional, conforme o que era previsto na RDC nº
429/2020 e na Instrução Normativa (IN) nº 75/2020 da Anvisa.
Além disso, a medida liminar solicita uma ordem judicial para que
a Anvisa não autorize novos descumprimentos de prazos da RDC nº 429/2020.
Com essa ação judicial, o Idec busca evitar que a diretoria da
Anvisa adote decisões enviesadas pelos interesses da indústria, que prejudiquem
a efetividade regulatória e as mudanças de comportamentos de consumo esperadas
pela política pública sanitária. O instituto ainda requer que a agência seja
obrigada a basear suas decisões regulatórias e de políticas públicas sobre
rotulagem de alimentos em evidências que priorizem concretamente a saúde
pública e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN).
Para a coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e
Sustentável do Idec, Laís Amaral, a Anvisa prestou um desserviço à saúde da
população com a decisão de outubro do ano passado, sem promover qualquer debate
com a sociedade, indicando uma grave subserviência da agência aos interesses de
empresas que não se mostram comprometidas com os direitos nem com a saúde das
pessoas consumidoras.
"Essa prorrogação do prazo para a adequação dos rótulos causa dúvida e confusão. As pessoas vão encontrar alimentos e bebidas processados e ultraprocessados, cujo consumo está associado ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2 e hipertensão, com e sem a lupa. E poderão se equivocar ao levar para casa um produto com muito açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio, porém, sem o selo, pensando que aquela é uma opção mais saudável", aponta Amaral.
Entenda as regras da rotulagem nutricional de alimentos
Com a aprovação da RDC nº 429 e da IN nº 75 da Anvisa, em 2020, a
indústria alimentícia teve três anos para se adequar às novas regras de
rotulagem, com a inclusão do selo da lupa e da nova tabela de informação
nutricional.
A maioria dos alimentos e bebidas processados e ultraprocessados
devem apresentar o selo da lupa na parte da frente, com o aviso "alto
em" açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio. Além disso, é preciso
trazer a nova tabela de informação nutricional, incluindo a informação de nutrientes
por 100 ml ou 100 gr, para que a comparação entre produtos seja mais fácil para
o consumidor.
A regra já está valendo para a maioria dos produtos alimentícios;
apenas pequenos produtores e bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis
teriam mais tempo.
Porém, no fim do prazo de adequação, em outubro do ano passado, a
Anvisa emitiu a RDC nº 819/2023, permitindo que as indústrias esgotassem o
estoque de rótulos e embalagens ainda não atualizadas às novas regras, até
outubro deste ano.
Ao mesmo tempo, as próprias regras da Anvisa já permitiam a
adequação de rótulos e embalagens existentes com adesivos, para evitar o
descarte e o desperdício de materiais.
Desde 2014, o Idec participa dos debates para garantir o direito
das pessoas serem corretamente informadas sobre os ingredientes presentes nos
alimentos e bebidas, com a definição de normas mais rígidas para a rotulagem. E
isso inclui a luta pela criação do selo da lupa.
"É preciso garantir que as pessoas consumidoras, no ambiente
de compra, não fiquem sujeitas à desinformação. Com essa decisão, atrasando a
adequação das embalagens e a inclusão da nova tabela de informação nutricional,
a Anvisa impede que as pessoas possam ter fácil acesso e identifiquem
corretamente as propriedades nutricionais dos produtos, dificultando sua
autonomia para fazer escolhas alimentares de acordo com as recomendações do
Guia Alimentar para a População Brasileira", afirma o advogado do Idec.
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