"O que faz o repórter?" - quis saber um marqueteiro que Ernandes Amorim contratou certa vez para dirigir o jornal A Tribuna, que havia adquirido de Rochilmer Rocha. Ele comprou também a ilusão que um espertalhão lhe vendeu: seria possível transformar a velha impressora de calandra em uma moderna rotativa offset. Possível realmente era, mas iria custar mais que uma máquina nova. Entusiasmado, entretanto, com o sonho de disputar a Prefeitura de Porto Velho, imediatamente depois de renunciar à Prefeitura de Ariquemes, Amorim logo comprou uma carga de papel imprensa e logo formou uma equipe de jornalistas. Vale lembrar que a candidatura deu em nada. O jornal idem. Um juiz eleitoral queria uma D-20 zerada, Amorim recusou, ele melou a candidatura e ainda se vangloriou disso no Bangalô.
Foi nessa época que aconteceu a reunião com o marqueteiro, que esperava sistematizar a atividade a partir desse primeiro encontro. De jornal ele não tinha a menor ideia, mas esbanjava presunção. E sua pergunta mereceu resposta igualmente sucinta: - "O repórter faz pergunta!" Prefiro não nominar a autoria, mas lembro bem que foi aí que terminou a reunião do grupo de trabalho, que também ficou apenas nisso, junto com a meteórica carreira do tal marqueteiro na Tribuna. Toda essa conversa tem a ver - o leitor pode se espantar - com a morte de um velho amigo de longas conversas no "Coquinho Gaudêncio", em Juiz de Fora. Ricardo Boechat sabia exatamente que ao jornalista compete fazer perguntas. E, ao contrário do que se habituou a fazer hoje, produzir as respostas para oferecê-las ao público.
Nossa grande imprensa parece composta exclusivamente por marqueteiros como aquele. Noticiou-se, por exemplo, como se fundamental fosse, para o esclarecimento das causas do acidente, que a empresa não estava autorizada a transportar passageiros. A própria ANAC distribuiu nota para dizer que "A empresa RQ Serviços Aéreos Especializados LTDA, estava certificada para prestar Serviços Aéreos Especializados — o que incluem (sic) aerofotografia, aeroreportagem e aerofilmagem, entre outros do mesmo ramo. Qualquer outra atividade remunerada fora das mencionadas não poderia ser prestada". Disse mais, que tendo em vista essas informações, "abriu procedimento administrativo para apurar o tipo de transporte que estava sendo realizado no momento do acidente".
É estupidificante o volume de bobagens que os jornalistas reproduzem simplesmente porque chanceladas por um órgão oficial, pelo visto, imune a questionamentos e à curiosidade do público. Ninguém, antes de veicular a nota, perguntou se, no caso de Boechat estar ali em um trabalho de "aeroreportagem"(?), o acidente não teria então ocorrido? Seria a bagagem do Boechat passageiro eventualmente mais pesada que a do Boechat repórter? Os helicópteros usados no transporte de passageiros são mais seguros que os dos jornalistas? O piloto que presta os tais "Serviços Aéreos Especializados" seria menos preparado que o de passageiros"? Os jornalistas envolvidos na cobertura deveriam fazer tais perguntas. Até em respeito à memória de Ricardo Boechat.
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)