Celso Gomes e Abdoral Cardoso
Um grupo de 500 índios da tribo Puyanawa organizou um ritual sobre a cultura da tribo para receber, na quarta-feira (11), os juízes e servidores da Justiça do Trabalho, que foram à aldeia cumprir uma agenda de atendimento a cidadãos que moram a 52 quilômetros do município de Cruzeiro do Sul, na fronteira com a Amazônia peruana.
A recepção foi coordenada pelo cacique Joel de Lima (Kixiki), o Pajé Luis de Lima Maitá (Iurakaiá), 83 anos, pelo ex-cacique Mário Puyanawa, presidente da Associação Agroextrativista do Barão do Ipiranga, pelo 3º cacique José Luis de Lima (Puwe), e pela coordenadora municipal de ensino professora Olinda.
À equipe da Justiça, os índios explicaram como funciona o sistema de organização da aldeia. O cacique Kixiki, eleito vereador com a maior votação de Mâncio Lima, disse que a comunidade avançou bastante nos últimos tempos, especialmente depois que ele assumiu o cargo e começou a cobrar providências da autoridades locais. “Hoje, nossa tribo conta com escola de primeiro e segundo grau, posto de saúde e convênios com o governo do Acre”.

O juiz e os servidores simularam uma audiência para solucionar um conflito, demonstrada pelo oficial de justiça Claudionor da Silva Freitas e um servidor do município, usando como suporte pedagógico a disputa por uma bola de futebol. Em seguida, os juízes Maria Cesarineide de Souza Lima e Antônio César Coelho interagiam com os índios para que eles participassem da tomada de decisão.
A equipe da Justiça visitou ainda a sede da Associação Agroextrativista do Barão do Ipiranga (AABI), que organiza os projetos de fortalecimento da cultura Puyawana. O cacique Joel Kixiki e o presidente da entidade, José Luiz Puwe mostraram registros fotográficos das atividades que desenvolvem na região.
Num balanço sobre as atividades, a juíza Maria Cesarineide de Lima, vice-presidente do TRT e coordenadora do programa Cidadão e Sociedade, disse que a tribo Puyanawa dá um exemplo de organização, respeito e fortalecimento de uma etnia. E essa troca é muito boa para que nós do judiciário compreendamos as diferenças entre regiões, costumes e dificuldades geográficas. “A ida da JT à aldeia indígena é mais uma ação ousada do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região para levar a Justiça a todos os rincões da Amazônia”, enfatizou.
Já o juiz Antônio César Coelho considera que a população do Vale do Juruá, fronteira com o Peru, supera as dificuldades do isolamento geográfico e demonstra que tem preocupações com o futuro.
Antes do início das audiências, no Centro Integrado de Cidadania, do Tribunal de Justiça do Acre. a presença do juiz na cidade contribuiu para que muitas pessoas também procurassem obter informações e orientações sobre outros assuntos, como pensão alimentícia, investigação de paternidade e até solicitação de registro de nascimento. Por causa da falta de energia elétrica, os termos das audiências foram elaborados manualmente.
JT vai à Escola

Depois de realizar as audiências o juiz visitou a escola municipal Manoel Antônio Pinheiro, a maior de Porto Walter, e conversou com os alunos, professores e trabalhadores sobre noções de cidadania. Esclareceu dúvidas sobre direito do trabalho e falou da importância da assinatura da carteira de trabalho, FGTS e hora extra, destacando a importância das férias para a qualidade de vida do trabalhador.
O assunto que despertou maior interesse dos trabalhadores foi jornada de trabalho. Com um público estimado em 250 pessoas, o magistrado respondeu às perguntas e distribuiu a Cartilha “conhecendo a Justiça do Trabalho e o direito do trabalhador”, em formato de gibi, editada pelo TRT.
Segundo Márcio, coordenador da Escola, a presença do juiz na escola é muito bom para que os alunos tenham esse contato direto e, com isso, despertar o interesse dos estudantes em seguir carreira na magistratura, no ensino e outros profissões. A função social da presença da Justiça na escola foi destacada pelo coordenador.
A secretária municipal da Educação, Ivânia Ferreira da Silva, nascida em Porto Walter, afirma que nossa proposta na secretaria é erradicar o analfabetismo no município, e estamos conseguindo, atualmente cerca 98% das crianças estão na escola. Para atingirmos esses resultados contamos com apoio dos pais e familiares, inclusive temos alfabetização de jovens e adultos. O resultado social alcançado em Porto Walter é destacado entre média nacional, afirmou o professor e pesquisador da USP, Moacir Lobo de Costa Junior, que acompanha e orienta os universitários de São Paulo que participam do Projeto Rondon em Porto Valter e região.
“A receptividade da população e a possibilidade de ouvir e orientar sobre as questões relacionadas ao trabalho, a comunidade local é muito gratificante”, disse o juiz Antônio César. Para o magistrado, é valioso não apenas o apoio da administração do TRT, mas também da Secretaria Municipal da Educação, do Tribunal de Justiça do Acre, sobretudo da Força Aérea Brasileira, que transportou a equipe de Porto Velho a Porto Walter, com escala em Cruzeiro do Sul.
Em todas as etapas das ações foi de fundamental importância o apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), por intermédio da Base de Porto Velho. Mesmo diante da forte chuva sobre Porto Walter a habilidade dos comandantes major Jefferson e tenente Dall'agnol foi vital para pousar na precária pista local, isolada da cidade por uma rua com 2km de muita lama. Isoladas pela floresta e rios, as pessoas que moram na comunidade mais próxima de Porto Walter necessitam viajar cerca de 6 horas de barco pelo rio Juruá.
A força do rádio
Outra importante aliada da Justiça Itinerante, em Porto Walter, é a rádio Potiguara, conhecida como “Boca de Ferro”, instalada e coordenada pela Igreja Católica. O locutor Sebastião Correia de Lima informa à população sobre a presença do juiz na cidade e chama os reclamantes e reclamados para comparecerem ao local das audiências. No início da tarde, anunciava que o juiz iria visitar a escola Manoel Moreira Pinheiro para conversar com os alunos, professores e população em geral para falar sobre direitos e deveres dos trabalhadores e patrões.
Aos pequenos índios foram distribuídos fôlder e cartilhas, em formato de gibi, com relatos sobre os direitos e deveres das pessoas. Ainda na escola da aldeia, as crianças começaram a fazer a leitura da cartilha em voz alta para todos os coleguinhas de sala.
Os magistrados foram convidados a participar de uma apresentação que os alunos prepararam para agradecer a visita da justiça à aldeia. As atividades também foram acompanhadas pelos coordenadores-gerais de de educação do município de Mâncio Lima, professor Raimundo Nonato da Silva, e Ériton Maia de Macedo, de Cruzeiro do Sul.
Cacique preside audiência simulada
Os índios, liderados pelo 2º cacique José Luiz Puwe, retribuíram a visita da equipe da Justiça à tribo com a ida à Vara do Trabalho de Cruzeiro do Sul para conhecer seu funcionamento e participar do projeto Justiça do Trabalho de Portas Abertas. Na ocasião foi realizada uma audiência simulada.
Na audiência foi apreciada uma reclamação trabalhista sobre o não pagamento dos serviços prestados por Francisco Devanir dos Santos no plantio de mandioca em uma área de cultivo de propriedade de Samuel Rondon Irakê.
Em sua reclamação, Francisco dos Santos alegou ter sido contratado por Samuel Irakê para trabalhar no plantio de mandioca e que, após 30 dias de trabalho braçal, não havia recebido um centavo.
O cacique, que desempenhava a função de juiz, utilizou a calculadora para confirmar o valor total dos serviços e consultou as partes quanto a possibilidade de composição amigável do conflito, propondo tanto ao reclamante quanto ao reclamado um acordo para que fosse efetuado o pagamento de R$450,00 em duas parcelas no valor de R$225,00 cada, com a quitação da primeira no prazo de 15 dias e a segunda em 30 dias.
O acordo foi assinado pelas partes, tendo sido lavrada a ata da audiência pelo assistente chefe da Sala de Audiência, Afonso Luiz de Lima Melo, e subscrita pelo diretor de Secretaria, José Augusto Medeiros Oliveira.
O cacique afirmou que a experiência foi muito interessante, e que a melhor forma de solucionar um conflito é o diálogo. Ele ressaltou que nunca havia se colocado no lugar de um juiz numa sala de audiência, mas em sua tribo as questões são solucionadas com muita conversação.
Ainda pela manhã alunos da rede pública de ensino que passavam pela rua também foram à Vara para conversar com os magistrados e com os índios.