Domingo, 22 de fevereiro de 2015 - 07h55
As escolas de samba do Grupo Especial deveriam renovar as fontes de recursos para não depender apenas de contratos vinculados aos enredos com os quais vão se apresentar no Sambódromo. Este foi o caso da Beija-Flor em 2015, que recebeu cerca de R$10 milhões para desfilar com uma referência à Guiné Equatorial.
A avaliação é do chefe do Departamento de Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing e especialista em carnaval, Marcelo Guedes. “A Portela tem uma quadra que é um ícone do samba, da feijoada da Tia Vicentina, onde grandes bambas tocam o ano todo, ela precisa explorar esse ponto porque é uma grande fonte de receita. Além disso, precisa ter a inciativa privada ajudando”, disse ele.
Para Guedes, essa ajuda tem que ter critério para não arranhar a identidade da escola. “É preciso uma forma ética, porque hoje tudo acaba exposto. Tem que ver se o patrocínio está de acordo com a imagem e o posicionamento da escola. Hoje é cada vez mais necessário ter preocupação com o critério”, completou.
As escolas têm custos elevados para se manter na elite do carnaval carioca e, na avaliação do professor, precisam desenvolver mais ações de marketing. Uma forma de ampliar as fontes de recursos seria assinar contratos durante o ano com empresas que tenham produtos de interesse tanto dos torcedores, quanto de frequentadores das quadras. “O problema é que o conceito de patrocínio é ainda muito embrionário nas escolas de samba. Falta muito para ser questionado e trabalhado a fim de criar elementos ao patrocínio”, observou.
O especialista em escolas de samba não acredita que a criação de um regulamento específico possa evitar que as agremiações façam contratos polêmicos como o da Beija-Flor com um país que há mais de 35 anos vive sob uma ditadura. “O meu medo é que, muitas vezes, o tiro sai pela culatra e piora a situação. Teria que ser feito por gente que entenda da relação entre empresas e cultura. O patrocínio tem que estar ligado à identidade da marca”, destacou, acrescentando que assim é possível evitar que o carnavalesco fique preso a uma realidade que ele não gostaria. “O carnavalesco tem que ter liberdade. Ele tem que estar feliz para criar”.
O presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), Jorge Castanheira, informou que, atualmente, não há um regulamento na instituição com a definição do que é permitido em termos de patrocínio. “Não há uma regulamentação a esse respeito. O que a gente pede é que não haja interferência na parte do espetáculo na avenida, por exemplo, a marca comercial, coisas desse tipo. Isso no regulamento tem”, explicou.
Castanheira não tem convicção sobre a necessidade de adoção de um novo regulamento para definir o assunto, mas ponderou que para isso ocorrer precisaria passar pelo plenário da Liesa. “Não sei, teria que avaliar com as escolas. Quem decide tudo isso é o plenário que vota o regulamento. Por enquanto, cabe a cada escola ter o bom senso do tema que vai ser apresentado na avenida”, disse.
A Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro informou que cada agremiação teve direito este ano a R$ 1 milhão para realizar o desfile. As escolas recebem 90% dos recursos da prefeitura do Rio, até o carnaval, e o restante só depois de prestar contas de itens mensuráveis como vigas para a construção de um carro alegórico. De acordo com a empresa, o dinheiro não pode servir para o pagamento do carnavalesco responsável pelo desenvolvimento do enredo. A RioTur não tem qualquer tipo de ingerência sobre os contratos de patrocínio fechados pelas agremiações com empresas privadas, governos de países, de estados ou de cidades.
A Liesa, segundo o presidente, distribuiu, em 2015, entre as escolas, cerca de R$ 4,5 milhões, dinheiro correspondente à venda de CDs com os sambas-enredo, ingressos para o Sambódromo e participação nos direitos de transmissão do desfile pela televisão. A distribuição dos recursos para as escolas varia conforme a classificação delas no carnaval anterior. “É proporcional, a cada colocação a escola tem um percentual a mais que a outra. Por exemplo, a quinta recebe um pouco mais que a sexta colocada, a oitava mais um pouquinho que a nona e a décima. Isso é para estimular as outras posições e não apenas a primeira colocação”, explicou Castanheira.
O patrocínio da Beija-Flor em 2015 ainda não está totalmente esclarecido. Enquanto a escola e o governo da Guiné Equatorial informam que o dinheiro foi de empresas brasileiras que estão fazendo obras no país, as empreiteiras relacionadas negam. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, que já tinha instaurado em 2013 uma investigação para apurar eventual crime de lavagem de dinheiro pelo vice-presidente da Guiné Equatorial, Theodore Obiang, analisa agora a possibilidade da liberação de recursos para a Beija-Flor por parte do pai dele e presidente do país.
No procedimento aberto em 2013 são listados imóveis, carros e outros objetos de luxo e de decoração pertencentes ao vice-presidente em vários países, entre eles um apartamento no bairro dos Jardins, em São Paulo, e um outro em Ipanema, na zona sul do Rio.
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