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Política - Nacional

Gilberto Gil: A Consciência da Diferença


Mensagem do ministro Gilberto Gil por ocasião do 'Dia Nacional da Consciência Negra'


Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2006.

No início do Século XX, um dos maiores poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa, afirmou em seu poema Mensagem que "Deus quis que a Terra fosse toda uma, que o mar unisse e já não separasse".

Hoje, no mundo globalizado, alguns podem até dizer que a Terra já é uma, mas, ainda, não se tornou una. Una em sua diversidade. Una em generosidade ante a diferença.

Muitos anos depois, outro célebre português, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, nos trouxe um dos mais lúcidos ensinamentos, segundo ele, "devemos lutar pela igualdade toda vez que a diferença nos inferioriza, mas também devemos lutar pela diferença toda vez que a igualdade nos descaracteriza".

Hoje, Dia Nacional da Consciência Negra, é um momento oportuno para refletirmos essa questão. É dia de honrarmos nossas raízes guerreiras, que nos ensinaram a resistir e a nos afirmar pela igualdade. Mas também é dia de honrarmos nossas raízes fraternas, que nos ensinaram a permitir e a lidar com a diversidade. É nesse sentido que a contribuição negra precisa se dizer forte, precisa se dizer completa, não só porque queremos ser iguais, mas porque também queremos o desigual, porque queremos acolher a diferença. A grandeza da existência humana é poder trabalhar com a pluralidade, é poder ter a grandeza de compreender nas diferenças o conjunto da igualdade humana.

Por isso, o dia de hoje é uma belíssima oportunidade para celebrarmos a diversidade como fundamento e valor da humanidade. Também é uma oportunidade para cada vez menos lamentarmos as exclusões e discriminações sofridas pela comunidade negra e, cada vez mais, celebrarmos os avanços alcançados pela sociedade brasileira e pelo Estado para a democracia racial.

Avançamos enquanto testemunho de inovação. Quando, por exemplo, protagonizamos uma mobilização planetária dos países da Diáspora Negra. Avançamos quando ampliamos o horizonte da discussão sobre a negritude, não somente pelo olhar brasileiro, mas pelos olhares dos diversos povos negros do mundo. Avançamos quando colocamos a intelectualidade e a arte negra em evidência, como fizemos neste ano, com a Conferência dos Intelectuais da África e da Diáspora – CIAD.

Avançamos quando nos colocamos no mundo não mais como platéia, mas como atores e autores potenciais da história. Quando conseguimos ser reconhecidos por nossos feitos e nossos jeitos.

Zumbi e tantos outros negros, célebres ou anônimos, tiveram que mostrar ao mundo o valor da diferença pela luta e pela dor. Hoje mostramos ao mundo o valor da diferença pela estética e pelo pensamento, por nossa arte, nossa palavra, nosso argumento e por nossas criações e contribuições ao mundo.

O Brasil, em sua juventude de 506 anos na civilização ocidental, aprendeu a ser diverso na adversidade. Essa qualidade, genuína de um país mestiço, nos foi concedida pelo negro, que nos abençoou com seus sincretismos e nos deu o tempero da mistura.

O Brasil é o que é hoje porque é negro, porque é amarelo, porque é branco, porque é plural. A brasilidade, embora muitos ainda não admitam, é o que é hoje porque é principalmente negra. O negro nos deu resistência e coragem para sermos o que hoje somos, mas também nos deu ginga, cadência e generosidade para permitir que os outros também sejam.

A qualidade do negro está na capacidade de se afirmar não só pela raça, mas pela graça, não só pela luta, mas pela ternura, não só pela régua, mas pelo compasso. A qualidade do negro é trabalhar a diversidade em sintonia com a alteridade. Por essa qualidade procuramos qualificar o mundo e deixar que o mundo nos qualifique. Por essa qualidade procuramos resgatar o sentido de Terra Una.

Curiosamente, na língua tupi-guarani, una significa negro. No duplo sentido aqui figurado, faço então o meu convite para que, juntos, possamos construir a Terra unida, não só pelos mares, mas pelo profundo sentimento de humanidade.


Gilberto Passos Gil Moreira
Ministro de Estado da Cultura

 

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