Segunda-feira, 12 de novembro de 2018 - 13h05
ALDO FORNAZIERI - Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
Haddad, Ciro e Boulos estão politicamente encrencados. Como
candidatos presidenciais, projetaram liderança e poder no plano nacional e se
tornaram os políticos mais relevantes de suas respectivas agremiações. Mas, nos
próximos anos, poderão ver essa liderança e esse poder erodirem aos poucos por
não deterem as condições e os meios adequados para alimentar e ampliar poder e
liderança.
Liderança, poder e até
mesmo votos não são ativos estocáveis que de quando em quando se pode
retirá-los dos depósitos. Eles dependem de uma relação permanente dos líderes
para com os liderados firmando os vínculos de fidelidade mútua, atualizando as
pautas, as propostas e os programas e renovando as esperanças. Somente líderes
que já realizaram feitos extraordinários podem correr o risco de ausentar-se
temporariamente para depois ressurgirem triunfantes.
Se o PT, o PDT e o PSol fossem partidos sensatos, que
projetassem o futuro em perspectiva, olhando para o todo e para os desafios que
o campo progressista tem pela frente, convocariam congressos partidários,
renovariam os seus programas e suas direções, estabeleceriam metas de
reorganização e renovação e entregariam a presidência para Haddad, Ciro e
Boulos. Se estes últimos forem prudentes, corajosos e virtuosos devem construir
caminhos que os levem à presidência de seus partidos, tanto para ampliar suas lideranças
e introduzirem as inovações necessárias nas organizações partidárias, quanto
para exercer uma oposição qualificada e dura ao governo Bolsonaro.
Não se trata apenas disso, evidentemente. Um político que
aspira ao poder do Estado não pode negligenciar as questões centrais da
liderança. Ou seja, ele precisa constituir o máximo de força organizada
possível sob seu comando. Isto quer dizer que ele precisa tornar-se chefe,
líder maior do seu partido ou do seu movimento. Quem não alcança esta condição
enfrentará eternas dificuldades pelo caminho. A condição absoluta do êxito
político de um líder consiste em dispor de força organizada fiel, capaz de
garantir-lhe autonomia nas decisões políticas ou de Estado. No caso do Brasil,
esta exigência é duplamente necessária: 1) pelo caráter frágil e gelatinoso dos
partidos; 2) pela fragmentação partidária que dificulta a constituição de
centros de poder decisório nas mãos de um líder ou de um partido.
Falando praticamente: se Haddad, Ciro e Boulos não se tornarem chefes supremos de seus partidos, com o apoio majoritário das forças internas, não terão autonomia decisória e dependerão da vontade de outros. Quanto mais um líder depender da vontade de terceiros, mais fraca será sua liderança. Admitindo-se a hipótese de que os três possam resolver o problema da liderança interna, terão que resolver o problema da liderança externa, em dupla direção: a) agregando um conjunto de outras forças políticas e sociais organizadas em torno de si e do partido; b) expandir liderança e reputação na sociedade, ganhando a confiança e a fidelidade de amplos setores sociais.
Para alcançar estas condições, os líderes precisam dispor de
poderosos meios de poder. No caso, o principal meio de poder é o partido
político. Mas devem articular grupos, sindicatos, movimentos sociais etc. O
exercício do poder do líder deve contar com um estado-maior dirigente,
competente e eficaz, constituído pelas pessoas mais capazes de que o líder pode
dispor. Neste ponto, os políticos brasileiros, incluindo os partidos de
esquerda e progressistas, são extremamente negligentes: se cercam de pessoas
medíocres, burocratas e serviçais, que criam uma redoma em torno do líder,
gerando um poder travado, fechado em si mesmo. Poderes fechados por burocratas
tornam medíocres os próprios líderes, banalizando a sua liderança,
apequenando-a. Os partidos e os líderes contemporâneos, na era da internet e
das redes sociais, precisam modernizar-se, abrir-se, tornar-se acessíveis às
pessoas é à sociedade.
Haddad, Ciro e Boulos precisam decidir se querem dar um passo
em frente ou dois passos atrás. Em tese,
Haddad teria mais facilidade em tornar-se presidente do PT. Para isto, teria
que convencer-se e convencer o partido. As correntes internas do PT teriam que
ter a compreensão de que o partido só teria a ganhar com a presidência de
Haddad.
Já, Ciro Gomes, precisa mudar de rumo em sua carreira
política. Precisa parar de trocar de partido, assumir o PDT como seu partido,
presidi-lo, reorganizá-lo, abri-lo à sociedade e aos jovens e às mulheres,
enfim, modernizá-lo. Sob o comando de Carlos Lupi, o PDT apresenta uma
estrutura anacrônica, enferrujada, bloqueadora das próprias potências e
possibilidades expressas pela campanha de Ciro.
Depois de lançar-se candidato a presidente, Guilherme Boulos
dará mais do que dois passos atrás se voltar a ser líder do MTST e não líder e
presidente do PSol. A candidatura de Boulos só terá um sentido futuro se ele se
construir enquanto um líder político-partidário. Caso contrário, terá sido um
desperdício.
Os partidos progressistas e de esquerda apresentam um momento
de desorientação ante a vitória de Bolsonaro. Não conseguem perceber que sua
tarefa urgente é a de sua reorganização, de sua renovação e de sua conexão com
os setores que podem garantir-lhe força organizada - as periferias, as
mulheres, os jovens, os negros, os trabalhadores, os pobres e os desempregados.
A rigor, as esquerdas perderam as periferias das grandes cidades do centro-sul
do Brasil.
Os progressistas e as esquerdas precisam fazer um diagnóstico
e uma caracterização corretos do governo Bolsonaro. Não se trata de um governo
fascista ou neofascista. Se virá a ser isto ou aquilo é uma questão de futuro.
Trata-se de um governo de extrema-direita. Nem Bolsonaro e nem o PSL se
autodefinem como fascistas. Um governo fascista requer, além de um líder
fascista, um partido ou movimento fascista e uma ideologia coerente e
claramente fascista. Ademais, os movimentos e partidos fascistas tendem a
constituir, manter ou ampliar poder através do uso da violência sistemática.
São agrupamentos de enfrentamento. Abordar o governo Bolsonaro nas periferias
ou junto aos trabalhadores como um governo fascista consistiria em falar para
as pedras das calçadas, pois seria algo incompreensível.
O governo Bolsonaro precisa ser combatido no conteúdo
concreto de suas propostas, de seu programa e de suas medidas. Precisa ser
enfrentado e contido sempre que violar direitos e liberdades. Propor a formação
de uma frente antifascista é algo estéril. As bancadas progressistas e de
esquerda podem e devem formar uma frente democrática no Congresso para defender
as liberdades, os direitos e um programa condizente com aquilo que as
candidaturas defenderam na campanha. A mesma frente democrática pode e deve ter
uma expressão social, nos movimentos, nos sindicatos, nas ruas.
Chega a ser infantil, para não dizer imbecil, querer fazer um
terceiro turno das eleições com uma frente antifascista. A frente
antifascista tem cheiro de "não
passarão", "fora Temer", "nenhum direito a menos",
"Lula livre", palavras de ordem pretensamente combativas, que
escondiam a incapacidade de ir para as ruas, e
se que traduziram em dolorosas derrotas. O enfrentamento precisa ser
feito, sem dúvida. Mas é preciso reorganizar e renovar, preparar força para as
eleições municipais de 2020.
As esquerdas e os progressistas têm uma presença débil nas prefeituras e nas câmaras municipais. Ou se reorganizam e se preparam ou colherão novas derrotas. As eleições municipais serão o momento de testar uma maior unidade progressista, pois uma frente eleitoral progressista e de esquerda ou surgirá das bases ou não surgirá, pois as direções partidárias se orientam pela lógica particularista de seus interesses.
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