Terça-feira, 6 de novembro de 2018 - 19h27
A Justiça Eleitoral não conseguiu dar respostas efetivas aos problemas envolvendo o uso da internet nessas eleições. A avaliação foi a tônica do debate principal do 2o dia do Fórum da Internet no Brasil (FIB), que reúne empresários, pesquisadores, ativistas e representantes de instituições públicas em Goiânia nesta semana. O evento, maior encontro sobre o tema do país, é uma iniciativa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br).
A advogada e integrante do CGI Flávia Lefévre avaliou que a Justiça Eleitoral deveria ter dado mais atenção e investigado efetivamente a denúncia publicada pelo jornal Folha de S. Paulo durante o segundo turno eleitoral de que apoiadores do presidente eleito teriam custeado envios de mensagens em massa pelo aplicativo WhatsApp.
Se confirmado, o esquema teria desrespeitado a legislação eleitoral pelo uso de cadastros sem consentimento dos donos dos números, pela violação da proibição de contratação de serviço para emitir mensagens contrárias a um candidato e por propaganda eleitoral por mensagem instantânea, o que só seria permitido a candidatos a partidos, além de caracterizar um tipo de caixa 2 para financiamento indireto da campanha de Jair Bolsonaro com recursos de empresas privadas.
“Acho que o TSE errou no foco. Antes das eleições, disse que iria perseguir notícias falsas. Mas essas são a ponta do iceberg. O problema é o uso ilegal e abusivo dos nossos dados e o desrespeito à lei eleitoral”, pontuou Flávia Lefévre. Segundo a advogada, o caso pode ir para além da própria esfera da Justiça Eleitoral.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu em acórdão que, embora as redes sociais sejam gratuitas, se estabelece com seus usuários uma relação equivalente à de consumo. E o Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade dos consumidores e garante que fornecedores de bens e serviços têm de garantir segurança nesses produtos.
O representante do governo federal no Comitê Gestor da Internet, Luís Martins Castro, afirmou que o órgão buscou se aproximar da Justiça Eleitoral, tanto do TSE como de tribunais regionais, para levar a importância da temática da Internet aos magistrados. Mas, na avaliação dele, as autoridades subestimaram os possíveis problemas da campanha em ambientes online. “Houve ingenuidade da Justiça Eleitoral de que as plataformas iam dar conta do problema”, comentou.
O TSE realizou reuniões com representações de plataformas antes da campanha para cobrar providências. No caso do combate às notícias falsas, plataformas como Facebook e Google anunciaram medidas como parceria com agências de checagem e conteúdos informativos. O WhatsApp, que veio a ser o principal meio de disseminação de conteúdos enganosos durante as eleições, só agiu na reta final, derrubando contas, após a denúncia de esquemas de disparo em massa de mensagens.
Uma das iniciativas do TSE para discutir a atuação da Justiça Eleitoral no tema foi a implantação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do órgão, criado em 2017. O colegiado se reuniu algumas vezes no fim do ano passado e no primeiro semestre, deixou de se encontrar ao longo do 1º turno das eleições e retomou as reuniões no 2o turno.
O presidente da ONG Safernet e integrante do grupo, Tiago Tavares, afirmou que a entidade apresentou diversas recomendações aos atores envolvidos na campanha. Antes das eleições, sugeriu mecanismos para assegurar transparência nas propagandas eleitorais online, parte acatadas na resolução do TSE sobre o tema. No 2o turno, a ONG propôs ao WhatsApp a redução dos tamanhos dos grupos e do limite de destinatários para o encaminhamento de mensagens. As alterações não foram acatadas pela plataforma durante reunião com o Conselho Consultivo.
Para o professor da Universidade Federal do ABC e conselheiro do CGI Sérgio Amadeu, a Justiça Eleitoral poderia ter atuado junto ao WhatsApp para que a plataforma tomasse medidas técnicas de modo a evitar ou mitigar o envio de mensagens em massa. Na avaliação do docente, o avanço da desinformação que marcou o processo eleitoral trouxe sérios riscos ao regime democrático em nosso país e precisa ser discutido.
“A democracia sobrevive se os parâmetros de realidade forem destruídos? Se a opinião for maior do que os fatos? Eu acho que não. A democracia precisa de Estado de Direito, de regras. Esse não é um problema partidário. Precisamos começar a nos preocupar com a regulação da esfera pública algoritmizada [medida por algoritmos] e discutir a questão da ética”, defendeu.
A coordenadora do Coletivo Intervozes, Ana Cláudia Mielke, apontou falhas da Justiça Eleitoral não somente no tocante às novas mídias digitais, mas também sobre os veículos tradicionais. Ela citou como exemplos, episódios como emissoras que decidiram realizar entrevistas com apenas um dos candidatos à Presidência da República e outras redes que cancelaram debates em razão da ausência do então candidato e agora presidente eleito, Jair Bolsonaro.
“Parte dos meios privilegiou de forma declarada um dos candidatos, convidando só um candidato, o que é proibido pela legislação eleitoral que prevê isonomia. A substituição de debate por entrevista com candidato que comparece está prevista em resolução do TSE. Mesmo assim, redes como a Globo escolheram não manter [a realização de entrevista]”, colocou.
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