Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Política - Nacional

PEC 241 sequestra a democracia


Gente de Opinião

Setenta e duas horas antes da PEC 241 entrar em fase final de debates no Congresso, a Procuradoria Geral da República divulgou uma nota que serve de alerta a um debate despolitizado e mal informado, cujo desfecho pode transformar programas de austeridade que são a prioridade número 1 do mercado financeiro em garantia constitucional, destinada a vigorar durante 20 anos – sem que o eleitorado, que irá atravessar cinco eleições presidenciais neste período, tenha o direito de dar um pio a respeito. A PGR pede o arquivamento da PEC, com o argumento de que o projeto, considerado essencial por Michel Temer e Henrique Meirelles, pretende fazer “alterações flagrantemente inconstitucionais.”

A nota foi divulgada pouco depois que a líder da minoria, Jandira Feghali (PC do B-RJ), ingressou no Supremo com um mandato de segurança para pedir que a suspensão da tramitação da PEC 241, que o presidente da Câmara de Deputados,  Rodrigo Maia, quer realizar nesta segunda-feira. Além de vários argumentos técnicos, o mandato coloca a questão política essencial, que lembrando que projeta “limitações às gestões administrativas de cinco governos federais e cinco legislaturas”.  

Num país onde o debate político tem sido anestesiado pela máquina de publicidade que procura ajudar Temer a lutar contra o relógio, antes de  ser corroído pela desconfiança e incerteza, matéria-prima essencial da investigação do TSE que pode cassar seu mandato e o de Dilma, a PEC 241 é uma dessas mudanças grandes e ruinosas que podem alterar o destino de um país por várias gerações. Merece ser debatido com consciência e critério.

Intelectual e economista respeitado, fundador do PSDB, o professor Bresser Pereira já disse que pode ser favorável a uma proposta que limite gastos do governo. Mas discorda da PEC 241. Por que? Porque limita gastos de toda natureza mas não toca nas taxas de juros – cuidado economicamente maroto e socialmente indecoroso, podemos acrescentar.  

A palavra pode parecer dura demais mas o fato é que, caso a PEC 241 venha a ser aprovada, o país estará colocado sob um regime de ditadura econômica, na qual o voto do eleitor deixará de fazer diferença. A questão essencial da política econômica de qualquer país – seja a Dinamarca, o Sudão ou o Brasil – é o limite de gastos públicos, que podem ir para a Saúde, a Educação, os programas científicos ou o cassino financeiro. Nas democracias, essas escolhas são um reflexo da decisão tomada em urna, depois de todos as mediações próprias do sistema representativo. Com a PEC, a linha geral já terá sido resolvida com antecedência, num dia qualquer de outubro de 2016, pela vontade exclusiva de 513 deputados e 81 senadores. A partir de então o Estado tem os gastos congelados pela inflação do ano anterior. Na prática, fica impedido de crescer.   

Instituído pelo Partido Republicano, um sistema semelhante – que estabelece um teto para o endividamento do governo federal – transformou-se numa camisa de força contra programas sociais e projetos de interesse popular nos Estados Unidos. Sempre que o limite está próximo de ser atingido, a bancada conservadora no Congresso aperta o garrote da Casa Branca – democrata ou mesmo republicana – para exigir cortes em despesas que considera supérfluas ou erradas, condição para que um novo patamar de endividamento seja autorizado. A chantagem, caso não seja atendida, envolve uma ameaça conhecida de quem acompanha o cotidiano de Washington: a paralisia da administração, com fechamento de escolas públicas, cortes em programas sociais e dispensa de funcionários.

Esta situação equivale a uma posição de chantagem e sequestro da democracia – e é justamente isso que se pretende instituir no Brasil. A diferença é que a versão Temer-Meirelles quer um controle ainda mais duro, fixado com antecedência, que não pode ser negociado antes de dez anos.   

Neste ambiente, a nota da PGR tem limites e méritos. Num sintoma óbvio das doenças políticas do momento, a crítica é basicamente corporativa, particular, de uma alta burocracia de Estado temerosa de ser atingida em sua autonomia de funcionamento, onde os gastos ocupam, obviamente, uma função essencial, e quer negociar mudanças favoráveis ao que considera seus interesses e necessidades. A PGR diz que " PEC 241 institui o Novo Regime Fiscal pelos próximos 20 anos, prazo longo o suficiente para limitar, prejudicar, enfraquecer o desempenho do Poder Judiciário e demais instituições do Sistema de Justiça e, nesse alcance, diminuir a atuação estatal no combate às demandas de que necessita a sociedade, entre as quais o combate à corrupção, o combate ao crime, a atuação na tutela coletiva, a defesa do interesse público”.

A verdade é que a mesma observação (o risco de “limitar, prejudicar, enfraquecer o desempenho”) também deve ser feita a outras áreas essenciais do Estado, como o Sistema Único de Saúde, a Previdência Social, a agricultura familiar, o ensino público, para não falar no esforço de estimular o crescimento e gerar empregos.

A PEC não é condenável porque diminui prerrogativas do Ministério Público ou outro setor do Estado,  mas porque atinge a única força capaz de proteger os interesses maiores da nação e resolver quem deve ficar com o maior quinhão -- a soberania popular. A própria nota da PGR reconhece, em outro parágrafo:

– As alterações por ela [PEC] pretendidas são flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a independência e a autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário e por ofenderem a autonomia do Ministério Público e demais instituições constitucionais do Sistema de Justiça [...] e, por consequência, o princípio constitucional da separação dos Poderes, o que justifica seu arquivamento.

Em outubro de 2014, a maioria dos brasileiros deixou claro, nas urnas, seu apoio a um programa de crescimento econômico, distribuição de renda e expansão de programas sociais.

De lá para cá, a maioria dessas reivindicações foi abandonada, inclusive pelo ajuste iniciado por Joaquim Lewy, no governo Dilma Rousseff . Exatamente dois anos depois, o que se tenta fazer é mais do que um ajuste, que pode ser apertado, diminuído ou mesmo revogado se assim se considerar conveniente.      

Uma Câmara eleita sob comando de Eduardo Cunha, expressão do pior que a política brasileira foi capaz de produzir desde a democratização, tentará a partir desta segunda feira revogar o direito do eleitor brasileiro tentar influenciar a política econômica no rumo que considerar mais adequado para sua vida, sua família, sua classe. Pode-se até votar num governo progressista – mas o eleito estará submetido a uma camisa de força para nunca sair do caminho escolhido.

Este é o debate. 

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

STF tem maioria para determinar recálculo de cadeiras na Câmara dos Deputados

STF tem maioria para determinar recálculo de cadeiras na Câmara dos Deputados

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta sexta-feira (25) maioria de votos para determinar que a Câmara dos Deputados faça a redistribuição do

Governo Federal se compromete a incluir plano de carreira da ANM na LOA 2024

Governo Federal se compromete a incluir plano de carreira da ANM na LOA 2024

O Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (SInagências) conseguiu uma solução direta do governo após intensa articulaç

Deputado estadual Pedro Fernandes será o relator da CPI das Reservas em Rondônia

Deputado estadual Pedro Fernandes será o relator da CPI das Reservas em Rondônia

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Reservas foi instaurada em Rondônia para investigar possíveis irregularidades nos processos de criação

Ministro Paulo Pimenta trata sobre parceria entre Rede IFES de Comunicação Pública, Educativa e de Divulgação científica com a EBC e o Governo Federal

Ministro Paulo Pimenta trata sobre parceria entre Rede IFES de Comunicação Pública, Educativa e de Divulgação científica com a EBC e o Governo Federal

Na tarde dessa segunda-feira (06), o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM), Paulo Pimenta, esteve r

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)