Domingo, 1 de julho de 2018 - 09h25
Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil – O mandato da ministra Cármen Lúcia como presidente de STF, que termina em 15 de setembro, poderá ser lembrado como o tempo em que o tribunal se apequenou.
Apequenar-se, disse ela em janeiro, seria rever a decisão que permite prisões após condenação em segunda instância, situação em que o ex-presidente Lula acabava de incorrer.
Impedindo o plenário de apreciar a matéria, para não ser derrotada, ela deu forte impulso à guerra entre os ministros, às decisões conflitantes que afetam a segurança jurídica. Isso é que encolheu a corte.
Longe de ajudar a mitigar a crise, o Supremo agora é parte dela.
Na sexta-feira a ministra divulgou a pauta de julgamentos pelo resto de seu mandato, e as duas ADCs sobre o assunto, que o ministro Marco Aurélio liberou ainda em dezembro, ficaram de fora.
Ele, que a acusou de manipular a pauta como nunca viu em 28 anos na casa, continuará esperando pela primavera, a posse de Toffoli em setembro. A ministra deu prioridade a temas laterais como a vaquejada, o sacrifício de animais por religiões de raiz africana e o direito dos pais de trocarem a escola pela educação dos filhos em casa.
Há pouco tempo, Cármen Lúcia lamentou não ter alcançado, em seu mandato, o objetivo da pacificação social.
Este milagre, que ainda não encontrou seu santo, pertence à esfera da política, não à da Justiça, mas a ministra teria feito muito se tivesse pacificado o STF.
Ali não deveriam ter entrado as asperezas da polarização política que vêm limando o convívio social no país.
Mas elas chegaram lá também, produzindo os formidáveis arranca-rabos entre Gilmar Mendes e Roberto Barroso, ou o jogo de puxar tapete entre Toffoli e Luiz Fachin.
Na Segunda Turma, o relator da Lava Jato, que se transfigurou em punitivista, para espanto dos que o conheceram no passado, joga para o plenário toda matéria em que sabe que será derrotado.
Assim tem feito com os recursos de Lula. Essa é sua estratégia política.
Foi de estrategista que Marco Aurélio chamou Cármen, quando ela decidiu colocar em julgamento o pedido de habeas corpus preventivo de Lula antes das ADCs sobre prisões após condenação em segunda instância.
Esta semana, após mais uma traquinagem de Fachin com um recurso de Lula, Toffoli, Gilmar e Lewandowski soltaram José Dirceu e outros implicados na Lava Jato. Para impedi-los, no caso de Dirceu, Fachin pediu vistas do processo.
Toffoli deu-lhe um olé, propondo a concessão de um habeas corpus “de ofício” (por iniciativa própria), já que seriam grandes as chances de redução da pena no julgamento dos recursos. Fachin protestou, Toffoli disse que ele não estava entendendo sua argumentação. “Nós dois estamos compreendendo o que estamos falando”, rebateu o relator.
E nós, outros, também entendemos o que disse Fachin com a frase: ali todos jogam e sabem qual é o jogo do outro.
No jogo, agora, atropelam regras e procedimentos jurídicos para alcançar o objetivo estratégico, a solução desejada mesmo quando ela não tem maioria.
Deixaram de se preocupar com as aparências, de revestir a estratégia com tecnicalidades.
Tudo muito parecido com as disputas regimentais no plenário da Câmara: nem sempre ganha quem tem mais voto mas quem maneja melhor o regimento e as jogadas que ele permite.
Só que o Supremo não é casa de políticos, o Direito não pode ser contornado por questões de ordem.
Na Câmara e no Senado, o presidente tem poder para pautar as matérias mas não o faz sem construir o consenso no colégio de líderes. No STF, Cármen Lúcia não abdicou de um milímetro deste poder.
Gaba-se de não ceder a pressões mas seu centralismo ajudou muito na conflagração interna.
Mas é preciso dizer que tudo começou antes, quando o STF passou a endossar tudo o que a Lava Jato fazia, buscando uma sobra dos aplausos.
Quando ela começou a mostrar seu focinho autoritário, violador da ordem jurídica, alguns refluíram para o antigo garantismo, e a guerra começou. Agora, saíram de férias, e a crise agradece.
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