Quinta-feira, 12 de outubro de 2017 - 21h14
Um Supremo dividido fez contorcionismo jurídico explícito nessa quarta-feira para evitar um choque com o Senado, decidindo que as medidas cautelares impostas a parlamentares, tal como a prisão em flagrante prevista na Constituição, devem ser autorizadas pelas respectivas Casas do Congresso. E com isso, em breve assistiremos a uma sessão do Senado rejeitando o afastamento do senador Aécio Neves do mandato e seu recolhimento domiciliar noturno. Mais uma vez, a lei é torcida como roupa molhada para que se encaixe numa situação específica e contenha a marcha da crise política rumo a uma crise institucional. Quando isso acontece, é sinal de anomia, de desarranjo entre as peças do mosaico que compõe a estrutura chamada Estado de Direito. A plutocracia política venceu mas, daqui para a frente, a imposição de medidas cautelares a parlamentes pelo STF deve ser mais frequente, expondo os congressistas ao vexame de desautorizá-las, minando ainda mais a confiança na representação parlamentar. Desgastou-se agora o STF. Desgastado será o Congresso sempre que tiver que embalar os Mateus da Casa.
Os congressistas sabem o que virá agora e por isso, embora o resultado resolva o problema concreto do senador Aécio, o Senado não ficou exatamente satisfeito, mas preocupado. Plenamente satisfeitos teriam ficado os políticos se o STF tivesse decidido, seguindo o argumento do ministro Alexandre de Morais, que abriu a divergência em relação ao voto do relator Luiz Fachin, que medidas cautelares não podem ser impostas aos parlamentares. Sustentou ele que a Constituição prevê uma única situação em que o Judiciário pode avançar contra a imunidade parlamentar, a da prisão em flagrante de delito por crime inafiançável. Assim foi justificada a prisão de Delcídio Amaral mas Eduardo Cunha também foi afastado da presidência da Câmara sem flagrante e sem que tenha havido manifestação da Casa. Fará uso do esperneio retroativo, é claro. Fachin defendeu, naturalmente, a imposição das medidas sem autorização parlamentar, tal como propôs em relação a Aécio, obtendo maioria na primeira turma do tribunal.
A rodada terminou em 5 a 5 mas, graças ao constrangido voto de desempate da presidente Cármem Lúcia, prevaleceu o entendimento (em texto verbal arredondado pelo decano Celso de Mello) de que, além da prisão no caso de flagrante, o STF pode, sim, aplicar medidas cautelares previstas no Código Penal aos parlamentares, desde que submetidas à autorização de seus pares. Cármen Lúcia fez um último contorcionismo pedindo que a palavra “submetidas” fossem trocada por “encaminhadas”. Dá no mesmo, mas soa menos a subordinação. E assim, sobre uma pinguela jurídica, atravessou-se mais uma vez o perigo de queda num choque institucional.
O que os senadores sabem, e temem, é que agora ficou aberta a porteira para a imposição mais frequente de medidas cautelares a parlamentares. Com tanta gente nas duas Casas na condição de investigados, não faltarão oportunidades. E aí, entra o desgaste. Sempre que isso acontecer, assistiremos a uma sessão em que o plenário da Câmara ou do Senado, encharcados de espírito de corpo, irão desautorizar a aplicação das punições. Desgaste em estado líquido. Especialmente para a Câmara, que se prepara para, mais uma vez, livrar também a cara do Presidente da República, denunciado por organização criminosa e obstrução da Justiça, depois de já ter escapado de uma corrupção passiva.
Quem bem resumiu a situação criada foi o ministro Ricardo Lewandowski: “Ninguém fica desautorizado, todos dentro de sua competência. E cada Poder arcará com o ônus de sua decisão perante a sociedade". Ou seja, se o Congresso quer proteger os seus, que fique com a conta. Mas quem perde, no frigir dos votos, com a desmoralização da representação popular é a democracia brasileira, esta plantinha que vem sendo tão espancada.
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