Domingo, 15 de outubro de 2017 - 09h37
247 – Os vídeos da delação de Lúcio Funaro complicam ainda mais a situação de Michel Temer, às vésperas da votação na Câmara dos Deputados.
Isso porque ele confirma praticamente tudo o que foi dito pelo empresário Joesley Batista, da JBS, a quem vendeu seu silêncio sobre os esquemas de propinas do PMDB.
Em vídeo anterior ao de Funaro, Josley relatou essa obstrução judicial a Temer e ouviu como resposta: 'tem que manter isso, viu?'.
Agora, os deputados honestos – ou dispostos a se reeleger em 2018 – não têm como votar contra o pedido de investigação formulado contra Temer.
Em entrevista recente à revista Época, Joesley já havia antecipado tudo o que foi dito por Funaro. Relembre:
ÉPOCA – Até que ponto o senhor pagava para conseguir uma facilidade ou pagava para resolver uma dificuldade? Dava para distinguir?
Joesley – A corrupção virou regra do jogo. Muitas vezes não chegava explicitamente a ter a dificuldade. Mas tive casos clássicos de chantagem. Por exemplo: na Caixa, com Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, que mandavam em gente lá. Se eu não aceitasse pagar, o crédito legítimo que eu havia pedido não era apreciado. Nunca paguei propina ao corpo técnico da Caixa. No FI-FGTS, por exemplo, nós demos entrada num pedido de financiamento. Fábio Cleto, indicado por Funaro e Eduardo Cunha, descobriu. Foi aí que o Lúcio entrou na minha vida. O modus operandi sempre foi assim: eu tentava fazer operações na Caixa, o Lúcio descobria e vinha falar comigo. Ele dizia: “Vai ter os 3%, não é?”. Eu dizia que não. Mas tinha de pagar. O modus operandi do Lúcio e do Eduardo é um toma lá dá cá muito às claras. Paga os 3% e passa no comitê. Se não paga, alguém pede vista. Pronto.
ÉPOCA – A influência do PMDB na Caixa era tão grande assim?
Joesley – Não era só influência. Eram pessoas colocadas em cargos estratégicos por uma organização criminosa. Elas tinham a capacidade de aprovar ou barrar um negócio. É por isso que políticos lutam tanto por cargos, como a gente vê na TV. O que está por trás dessas negociações políticas por cargo é a disputa para ver qual Orcrim vai ficar com qual parte do governo. É para fazer dinheiro. Eu não achei que estava lidando com organizações criminosas. Hoje é que percebo isso.
ÉPOCA – Nesse mesmo momento, no decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto demais? Muito arriscado?
Joesley – Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: “O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa não atenda”. Passou um mês, veio o Altair. Meu Deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.
ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família”. Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso ir preso porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato”.
ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos você”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.
ÉPOCA – Quem era o mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução.
ÉPOCA – O que eles diziam?
Joesley – Até dezembro, acreditou-se que a solução seria aprovar a anistia ao caixa dois e a Lei de Abuso de Autoridade. Com a Lei do Abuso, acreditava-se que se iria segurar a Lava Jato. E com a anistia ao caixa dois, acreditava-se que se legalizavam as coisas erradas do passado.
ÉPOCA – Quem comandava esse movimento?
Joesley – O presidente Temer. Geddel articulava a anistia ao caixa dois e Renan articulava o Projeto de Abuso de Autoridade. Tive conversas com Renan sobre Abuso de Autoridade, quando ele era presidente do Senado. Era uma pauta dele. Mas os dois assuntos morreram. A recuperação econômica começou a vir, e os políticos começaram a acreditar que, por meio dela, conseguiriam comprar o silêncio dos brasileiros. O brasileiro não iria mais para a rua e eles poderiam abafar a Lava Jato. Tudo voltaria ao normal, voltaria ao controle dos políticos. Eles não estavam entendendo – a maioria ainda não entende – o que está acontecendo no Brasil. Não querem ver que o sistema político faliu. Acabou. Não dá
ÉPOCA – E aí vem a decisão de tentar a delação?
Joesley – Iríamos esperar o quê? Ser presos, a empresa quebrar, causar desemprego, dar prejuízo ao BNDES, à Caixa, ao mercado de capitais, aos credores? Quando percebi que as coisas não iam mudar e não havia o que esperar, que os políticos não estavam entendendo o que estava acontecendo com o país, aí comecei a registrar minhas conversas. Fui ao Temer. A empresa não aguentaria mais tanta investigação.
ÉPOCA – Mas o que Temer poderia dizer que mudaria essa situação?
Joesley – Nada. Mas eu queria entender se ele estava entendendo, se ele tinha alguma solução. Pensei: vou lá contar um pouco da minha história e ver o que ele fala. Porque eu sei que continuar pagando o silêncio do Eduardo e do Lúcio estava errado e não ia resolver meu problema. Era insustentável. Queria ter a certeza da história do Lúcio e do Eduardo. Porque o Geddel não parava de me cobrar.
ÉPOCA – Queria ter certeza de que Temer continuava concordando em pagar o silêncio dos dois?
Joesley – Eu queria ter certeza de que essa agenda ainda era do Temer. Será que ainda é? De repente eu chegava lá e o Temer dizia: “Não, Joesley, para, não precisa mais não”. Mas ele fala para mim que tem de continuar isso. Me arrepiei. Pensei: “Meu Deus do céu. Se ele acha que tem de continuar, já é um problema”. Aí eu continuo falando. E digo para ele que as minhas soluções não são duradouras. Não é sustentável. Ele vira para mim e diz: você está no caminho certo. Fiquei ainda mais preocupado. Estava sem interlocução. Aí ele falou do Rodrigo (Rocha Loures).
ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio. O que ele não conseguia resolver ele pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.
ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava constantemente tanto Eduardo Cunha quanto Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do período que convivemos meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio com o Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro. Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o Eduardo. Em 2015, quando ele assumiu a presidência da Câmara. Não sei também quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo. “Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…”. Ele dizia: “Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.
ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus mudou o governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.
ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: “Joesley, estão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a CPI. Falei: Eduardo, pode abrir, não tem problema. Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês. Falei: Não, não tem problema. Você tá louco? Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: é sério que não tem problema? Eu: é sério. Ele: Não vai te prejudicar em nada? Não, Eduardo. Ele imediatamente falou assim: Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões. Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar melhor”. Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás.
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