Sábado, 16 de maio de 2015 - 09h02
Na audiência pública realizada na escola estadual Jaime Peixoto de Alencar, em Extrema de Rondônia, Distrito de Porto Velho, foi esclarecido que os índios Kaxarari não têm interesse em retirar produtores rurais da região da Ponta do Abunã. Foram ouvidas lideranças comunitárias e indígenas e será elaborado um documento e encaminhado à câmara técnica da Funai, que terá conhecimento do que está acontecendo.
O deputado Jean Oliveira (PSDB) iniciou a audiência pública agradecendo a presença dos moradores da Ponta do Abunã. Em seguida ele lembrou que o problema atinge a todos, sejam brancos ou índios e agradeceu a presença da imprensa, para que todos os que não puderam participar da programação possam conhecer o que está acontecendo na região.
Jean Oliveira destacou a presença da deputada federal Mariana Carvalho (PSDB-RO), do presidente da Câmara de Vereadores de Porto Velho, Jurandir Bengala (PT), e do vereador da capital, Everaldo Fogaça (PTB). O parlamentar citou que uma solução para o problema depende de atitudes tomadas no Município, no Estado na União.
Ainda de acordo com Jean Oliveira, o risco de um conflito social é grande, porque a Funai está redemarcando terras e que as glebas Euclides da Cunha e Marmelo podem passar a integrar reserva indígena. “Não posso deixar de destacar que o próprio cacique Kaxarari já disse não concordar da forma como essa redemarcação está sendo feita”, destacou.
Em seguida, Jean Oliveira afirmou que a finalidade da audiência pública é retratar o que está acontecendo e explicar a situação às autoridades federais. Ele lembrou que não se pode prejudicar os índios, mas as terras já estão ocupadas pelos brancos há mais de 30 anos e que existe uma boa convivência entre produtores e indígenas.
A partir de então, Jean passou a chamar as lideranças da região para expor a situação. O primeiro a se pronunciar foi José Aparecido Bispo de Oliveira, líder do movimento pela emancipação de Extrema. Ele disse ter sido surpreendido pelo programa Terra Legal, que não entregou a documentação a proprietários de área na Ponta do Abunã.
Segundo Bispo, depois disso foi informado que a Funai estaria redemarcando terras, com a intenção de aumentar a reserva dos Kaxarari. Ele assegurou que se a medida for tomada, de acordo com os mapas apresentados, a economia da região será afetada e diversos produtores ficarão sem terra para trabalhar. “Muita gente teve que ser medicada ao saber que ficará sem seu pedaço de chão”, afirmou.
O administrador da distrital do sul de Lábrea (AM), José Rabelo da Silva, explicou que o georreferenciamento que está sendo feito pela Funai não chegou ao conhecimento ao governo do Amazonas. Ele disse se entender bem com os Kaxarari, mas afirmou considerar um absurdo que um cidadão fique 30 anos em sua terra “e de repente alguém chegar a dizer: sai”.
Antonio Eurico, o Biro Biro, representando a associação Praça, de Lábrea, contou que na Linha 5 encontrou antropólogos com um mapa da Funai, próximo a locais onde há áreas tituladas pelo governo do Amazonas há 120 anos. Ele reclamou das ações de Organizações não Governamentais (ONGs), que enviam estudiosos para a região e não ouvem as famílias do campo.
O indígena Ari Kaxarari disse que não há um palmo de terra pedido pelos índios. “É bom falar aqui na frente com conhecimento. Sempre fui muito parceiro e muito homem. Já fui ameaçado por conta desse problema e não admito ameaça. Esse problema deve ser resolvido pelo governo Federal”, destacou.
Jean Oliveira explicou que a questão deve ser resolvida em conjunto pelo Município, União e Estado. “Em Alta Floresta, onde nasci, tem a etnia tupari. São índios amigos meus. Eu luto por melhorias de estradas, conseguimos levar uma farinheira para melhorar a situação deles. O problema é federal, mas a Assembleia Legislativa atuará sempre que houver risco de conflitos e não admitirá ameaças contra indígenas”, acrescentou.
José Rodrigues Gabriel, morador da Linha 4, disse que participa da audiência representando todos os produtores daquela região, “inclusive os que não puderam comparecer”. O agricultor questionou o motivo de só agora aparecer gente interessada em terras adquiridas há anos. José Rodrigues destacou a reforma agrária e disse que é impossível que aconteça com desapropriações de terras.
O ex-presidente de Associação de Pais e Professores de Extrema, Damião Rodrigues Gomes, disse ser importante que a Assembleia Legislativa tome conhecimento do assunto e leve o problema para ser resolvido em Brasília. “Tenho certeza que o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, saberá julgar essa situação. O Incra não pode dar um título de terra e 30 anos depois dizer que o documento não vale”, destacou.
A indígena Francisca Kaxarari, representante das mulheres da etnia, disse que os causadores do problema são os responsáveis pelo Programa Terra Legal. “Eu fui ameaçada, meu irmão e meu esposo também foram. A Funai enviou um ofício dizendo que a fundação não se pronunciará, porque não pretende tomar a terra de ninguém sem reivindicação nossa”, afirmou.
Francisca Kaxarari explicou, ainda, que há interesse em uma terra localizada no Amazonas, mas o processo está parado. “Há interesse político e pessoal nessa situação. Isso está causando problemas entre nós, indígenas, que somos inocentes, e os produtores que não têm conhecimento do que está acontecendo. Não fiquem dando ouvidos a quem não tem conhecimento de causa”, acrescentou.
Ela afirmou, ainda, que não há interesse em criar problemas com os brancos. “Quando lutamos pela emancipação, estávamos junto com vocês, fechando a BR 364”, citou. Jean Oliveira elogiou o posicionamento técnico de Francisca Kaxarari, explicando que índios e brancos devem se respeitar. O deputado citou, ainda, que a Assembleia pretende intermediar a questão para evitar qualquer conflito.
O presidente da audiência pública, Jean Oliveira pediu a leitura do Ofício 393, da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), enviado a Aparecido Bispo de Oliveira. O documento esclarece que a participação da Funai no programa Terra Legal se resume ao âmbito da câmara técnica, após acordo celebrado com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Incra e Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
O ofício destaca que as terras públicas federais são apresentadas para consulta em relação à eventual incidência em terra indígena ou existência de reivindicação indígena, permitindo, além da celeridade aos processos de destinação, à correção de eventual proposição inadequada.
A Funai afirma que já se pronunciou em relação a aproximadamente sete milhões de hectares de terras públicas na Amazônia Legal e que as áreas identificadas no mapa de georreferenciamento e apontadas por técnicos do Incra como de interesse da Funai, são, na verdade, glebas públicas disponibilizadas pela Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal.
“Assim, afirmamos que tal mapa não traduz a proposta de limites do reestudo da terra indígena Kaxarari, mesmo porque esse trabalho ainda se encontra em estágio inicial”, concluiu a Funai. Aparecido Bispo de Oliveira, por sua vez, afirmou que em nenhum momento teve acesso ao ofício enviado pela Funai e que soube das informações enviadas pelo órgão no momento da sua leitura na audiência pública.
O gerente do Basa em Extrema, Plínio Ramalho Neto, disse que o assunto da demarcação lhe causou estranheza, porque foi informado pelo povo indígena que não há interesse nas áreas constantes no mapa. “É preciso verificar a existência desse processo. A Funai diz que não há demarcação e os índios dizem que não querem essas terras. O Basa atendeu famílias que estão nessa área em questão. São terras produtivas. Não há legalidade em tirar essa terra das famílias do campo”, afirmou.
A liderança Raimundo Nonato de Araújo explicou que o processo judicial existe e que há determinação de juizado em Porto Velho para que a terra indígena Kaxarari seja ampliada. “Os técnicos do Terra Legal não são responsáveis por isso. Mas os produtores tomaram conhecimento do mapa por eles, porque não havia como regularizar as propriedades”, citou.
Segundo ele, o Ministério Público teria sido acionado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e assim ingressou com a ação judicial. Raimundo de Araújo disse que não foi definida a forma como a terra indígena será ampliada. “Espero que não seja em cima da terra dos produtores”, acrescentou.
Em seguida, Edvan Kaxarari, disse que precisava esclarecer um ponto importante. “Eu apresentei o mapa que está sendo falado aqui. E o mapa que eu apresentei não mostra nada do que está sendo dito”, afirmou, enquanto outros indígenas gritavam que a Funai não toma terra produtiva, ainda mais sem que os índios a tenham reivindicado.
O vereador Everaldo Fogaça afirmou que durante a audiência pública muita coisa começou a ser esclarecida. Ele explicou que também é jornalista e que não tinha escrito uma linha sobre esse assunto, para não acirrar os ânimos. Para ele, é necessário haver uma mediação para evitar um confronto entre indígenas e brancos. “Pelo que vimos aqui, os índios não querem tomar terra de ninguém”, destacou.
A cacique Marizina Kaxarari disse entender a situação dos produtores, que têm medo de perder a terra. “Com os índios foi pior. Perguntavam para o meu pai, quando eu era criança: seu Artur, onde o senhor nasceu? E ele dizia de onde tinha saído, onde estavam enterrados nossos antepassados e aquela terra não estava com a gente. A Funai não tem interesse em terra documentada. Mas talvez nos interesse a terra que foi invadida por alguém. Temos aprendido com vocês a buscar nossos direitos. E contem com a gente na luta. O indígena quando entra na luta fica até o fim”, afirmou.
Lucilene Kaxarari disse estar feliz, mesmo tendo sido ameaçada. “Em nenhum momento não dissemos que não havia nenhum processo. O processo existe, mas está parado. Por que vocês estão com medo de perder a área de vocês? A terra é de vocês, mas não é certo que usem os pequenos agricultores contra a gente. Estivemos junto com vocês quando a BR foi fechada pela emancipação de Extrema. Não é ameaçando a gente que vocês vão ter a nossa ajuda. Quem está dizendo que o financiamento deve ser bloqueado por causa disso deve ser processado”, detalhou.
O cacique Zezinho Kaxarari lembrou que em nenhum momento foi dito que o processo não existe. “Foi determinado que a Funai fizesse um reestudo do limite da terra indígena. Mas nem foi decidido se será ampliada. Há áreas que estão no estudo, já esclarecemos isso com nossos vizinhos, nossos amigos. Não queremos terra trabalhada. Nossa reivindicação é no fundo da reserva, onde não tem área desmatada”, afirmou.
Zezinho Kaxarari explicou que ao final do estudo será perguntado aos indígenas se há interesse em alguma área. Em seguida, ele lembrou não haver interesse de alguém em propriedades produtivas. “Não estamos atrás de confusão. Nossos vizinhos de bem nos conhecem. Nunca brigamos por terra, nunca tomamos terra de ninguém, porque não a entendemos como comércio, como muita gente faz que compra e revende. O problema é o grande querendo engolir os pequenos para comprar barato, e usando os índios. Isso pode existir. Eu já disse para o rapaz do Terra Legal que ele criou um problema. O mapa que foi apresentado não condiz com a realidade”, considerou.
Antonio Braño, representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário, disse que a situação do “ouvir dizer” não é boa. Ele citou que a Funai define a terra indígena e que a câmara técnica, onde o assunto está sendo discutido, se reúne a cada 15 dias. “Mas a câmara técnica não dá a palavra final. Qualquer antropólogo de respeito ouve o Zezinho Kaxarari. Aqui já há um entendimento prévio, que vai constar em ata. Agradeço por essa audiência ao deputado Jean Oliveira e ao (presidente da Assembleia Legislativa) deputado Maurão de Carvalho (PP)”, explicou.
O presidente da Câmara de Vereadores de Porto Velho, Jurandir Bengala (PT), disse que tanto os produtores rurais da região quando os índios podem contar com o apoio dos vereadores da capital. “Mas pelo que vemos, não será tão difícil resolver essa situação. Brancos e indígenas têm um bom relacionamento”, afirmou.
O vereador Edwilson Negreiros (PR) parabenizou o deputado Jean Oliveira pela iniciativa de propor a audiência pública e disse que veio trazer a solidariedade. “Deixo meu carinho e espero que essa situação seja resolvida o mais rápido possível para não ficar esse impasse. Acredito que o povo indígena e os agricultores vão chegar num entendimento e consenso para o bem de todos”.
O coronel Ênedy, representando a Polícia Militar, explicou que os policiais militares do Estado foram enviados à Espanha para aprender a técnica de mediar conflitos. “A ideia é essa mesmo. Mediar para que os conflitos não aconteçam. Através de audiências como essa se busca a harmonia e a convivência cidadã”, afirmou.
A deputada federal Mariana Carvalho (PSDB-RO) disse ser preciso ouvir a população para intermediar a resolução de problemas. “Não estamos aqui para lutar por essa ou por outra categoria. Coloco-me à disposição para trabalhar nesse processo sem bandeiras. É preciso somar forças”, acrescentou.
O deputado Jean Oliveira agradeceu a participação de todos e afirmou ter consciência de quem o problema não está resolvido. Apesar disso, disse que a audiência pública mostrou haver um entendimento de que os produtores rurais não devem ser retirados de suas terras. Ele encerrou os trabalhos afirmando ter certeza de que o impasse será resolvido.
A audiência pública foi presidida pelo deputado Jean Oliveira e a mesa composta pela deputada federal Mariana Carvalho (PSDB); presidente da Câmara de Vereadores de Porto Velho, Jurandir Bengala (PT); vereadores Everaldo Fogaça (PTB) e Edwilson Negreiros (PR); coordenador regional de Policiamento 1, coronel Ênedy Dias de Araújo; major James Alves Padilha, representando a Sesdec; gerente da Emater, Fabiano Barbosa de Oliveira; gerente geral do Banco da Amazônia em Extrema de Rondônia, Plínio Ramalho Neto; coordenador do Programa Terra Legal do Estado do Acre, Antônio Braño; administrador do distrito de Extrema, Darli Ferreira de Almeida e Zezinho Kaxarari, representante do povo Kaxarari.
Fonte: Juliana Martins e Nilton Salina
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