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Caderno de Conflitos no Campo Brasil é lançado durante audiência pública na Assembleia Legislativa


Caderno de Conflitos no Campo Brasil é lançado durante audiência pública na Assembleia Legislativa - Gente de Opinião

Marcando o lançamento do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2018, a Assembleia Legislativa realizou, na manhã desta quinta-feira (25), audiência pública proposta pelo deputado Lazinho da Fetagro (PT), em conjunto com a Comissão Pastoral da Terra (CPT Rondônia).

Na abertura, Lazinho disse que os conflitos no campo precisam ser enfrentados pela sociedade. "Ainda temos o registro de mortes e de violência em todas as regiões do país e aqui na Amazônia não é diferente. É onde temos o maior número de mortes e não podemos deixar de nos posicionar e cobrar ações concretas".

O deputado disse que "não é bom apresentar esses números, mas estamos fazendo essa divulgação, já que o Governo não faz. Não é com orgulho, com glória que fazemos isso, mas é importante para que a sociedade possa saber o real mundo em que a gente vive".

Participaram da solenidade o bispo da Diocese de Roraima, Dom Mario Antônio, o coordenador de Pastoral de Porto Velho, padre Valdeci Cordeiro, o defensor público João França, o superintendente regional do Incra, Erasmo Tenório, a coordenadora da CPT do Acre, Darlene Braga, a representante da CPT de Roraima, Maria José dos Santos, o professor da Unir, Ricardo da Cosa; o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Océlio da Silva, Vera Lúcia Gabriel, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Rondônia, entre outros.

Está é a 34ª edição do relatório que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro em 2018, neles inclusos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais.


Dados

A divulgação dos dados foi o foco dos trabalhos da audiência pública, para divulgar os números reais sobre as tensões do campo. Josep Iborra Plans, conhecido como Padre Zezinho, apresentou um resumo.

Ele mostrou que em 2018, 86% dos assassinatos no campo foram registrados na Amazônia Legal, sendo 16 no Pará e seis em Rondônia (com mais quatro em análise), somando 24 na região. No resto do Brasil, foram registradas quatro mortes.

Padre Zezinho mostrou que 38,5 milhões de hectares de terra estão em disputa na Amazônia Legal, representando quase 5% de todo o território nacional e 97,7% da terra em disputa.


Depoimentos

A representante da comunidade Quilombola de Santa Fé, Terezinha Gomes de Almeida, disse que "depois de 13 anos de luta, conseguimos a titularização da terra. Mas, depois disso fomos sendo esquecidos. E queremos direito à educação e saúde. Nossas crianças saem 11h de casa para a escola e retornam às 21h. A gente quer ser respeitada".

A produtora rural Ivanete Rivero, de Caracaraí (RR), disse que os moradores enfrentam ameaças de latifundiários, desde 2001, na localidade às margens do rio Branco. "A gente pede que as autoridades nos escutem e que façam a reforma de nossa área".

O acampado de Palontina, no Acre, Paulo Sérgio, relatou que tem sido ameaçado, preso por suposto crime ambiental, e que fazendeiros usam de influência para promover o terror. "Essa região do Sul do Amazonas, que abrange a divisa com o Acre e Rondônia, precisa ser olhada com atenção pelas autoridades. Fazendeiro usa áreas devolutas e não tem limites. Olhem por nós", pediu.

A representante do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Lindinalva Silva, contou que "os fazendeiros vêm tomando o nosso espaço, nosso chão para plantar. Precisamos da floresta e dos rios para sobreviver e passamos necessidades. Pedimos socorro".

O acampado Marcos Carvalho, do acampamento Dois Amigos, no distrito de União Bandeirantes, em Porto Velho, disse que a ocupação começou em 2014 e as famílias começaram a produzir. "Em 2017, começaram as ameaças e intimidações contra os acampados. Buscamos o apoio do deputado Lazinho e informamos às autoridades sobre a tensão na localidade".

Segundo ele, "sem a punição aos mandantes e aos executores de assassinatos no campo, a violência vai continuar, infelizmente. Foram dois acampados mortos e um policial militar, durante confronto, no ano passado. Isso não pode ficar impune".


Debates
Vera Lúcia, do Cimi, denunciou que as terras indígenas estão sofrendo com invasões e a falta de ações governamentais, contra esses abusos. "Também há conflitos, mortes e perseguições contra o povo indígena, que luta para manter as demarcações de suas terras, sua cultura e seu modo de vida", completou.

Já Océlio da Silva, do MAB, lembrou o trágico assassinato da militante Nicinha, há três anos, que atuava em defesa de pescadores e moradores na Ponta do Abunã. "Até hoje, esperamos por justiça e agora temos áreas que sofrem com as alagações e que as usinas não querem reconhecer e indenizar. Isso gera mais conflito, mais revolta e aumenta a tensão na região".

O professor Ricardo informou que há uma corrida global por terras agricultáveis, em razão do aumento populacional. "O capital vê as áreas produtivas, no Brasil e no mundo, como sua fazenda. Isso tem levado ao aumento das tensões no campo, a exemplo do Sul do Amazonas".

Ele chamou a atenção de que 28% do território nacional é ocupada por grandes propriedades. "Há uma falácia de que temos muitas áreas de reservas, áreas protegidas. O que não é verdade, temos mesmo é grandes áreas privadas. E aqui na Amazônia temos um espaço de disputa de terras, afetando aos camponeses, ribeirinhos, populações indígenas e quilombola".

Maria José, da CPT Roraima, declarou que "o momento é de reflexão, mas também de vergonha do poder público, pois estamos mostrando os conflitos e mortes no campo, com a maioria delas anunciadas e os governantes nada fizeram para evitá-las. A brutalidade e a violência marcam a luta pela terra no Brasil. É uma dívida social, que nunca é reconhecida pelo Governo, que não distribui terras e não combate os latifúndios. Não é apenas os grandes donos de terras que matam, o Governo também mata, ao ser omisso e negligente, além de ações policiais criminosas, como em Eldorado do Carajás (PA)".

Darlene Braga, da CPT do Acre, relatou que para coletar os dados, a CPT enfrenta muitos desafios. "Esse caderno tem o reconhecimento nacional e internacional, como um instrumento de denúncia, mostrando para a sociedade o que está acontecendo no campo e a omissão do Governo. Não é se vitimizar, é exigir respeito e gritar contra as injustiças", acrescentou.

Erasmo Tenório, do Incra, informou que para assentar as famílias, o órgão em Rondônia precisaria de mais de 200 mil hectares. "Temos conflitos antigos e, infelizmente, a reforma agrária não é um programa de Estado, mas de Governo. Não se dá continuidade, mas sim se começa do zero a cada mudança de Governo. Estou há quase 37 anos no Incra e já atuei na área de conflitos e a nossa luta é sempre para buscar o entendimento".

João Verde França, também lamentou os números elevados da violência no campo. Ele também se posicionou favorável à criação do Instituto de Terras de Rondônia, que já foi sugerido pelo ex-deputado estadual Maurão de Carvalho (MDB), ao Governo, através de uma lei autorizativa. "Seria importante que houvesse a criação do Instituto de Terras, sendo mais uma ferramenta na promoção da reforma agrária em Rondônia, uma vez que há muitas reclamações sobre a atuação do Incra no Estado", acrescentou.

O padre Valdeci leu o versículo de Números, da Bíblia Sagrada, que diz: " Tomem posse da terra e morem nela porque eu a estou dando a vocês". "É um momento de reflexão para todos nós, mas que não desanimemos em lutar por justiça social. Há um ataque aos direitos dos ribeirinhos, dos camponeses, dos indígenas e de todos os que lutam por seus direitos".

Dom Mário Antonio disse que o que o trouxe à audiência pública foi o trabalho da CPT. "É um trabalho corajoso junto aos povos da terra e das águas. É uma luta, um grito junto com todos, que o Brasil e o mundo precisam escutar. No lançamento do Caderno, na semana passada, foi destacado que os números mostram a ameaça ás lideranças, como forma de desmotivar os movimentos".

Ele fez um questionamento ao Estado e aos demais organismos: "Há morosidade na investigação dos mandantes e executores, uma impunidade que parece incentivo ao crime. É preciso vontade política para resolver os problemas do campo. Falta boa vontade. As justificativas não podem justificar a violência. São vidas humanas e os dados são estarrecedores".

Ao finalizar, Lazinho reconheceu que a vontade política é preponderante para a resolução dos problemas. "Mas, isso passa pelas eleições, onde a sociedade precisa ter consciência política para escolher com cuidado seus representantes. Já estive na luta no campo, hoje estou aqui na Assembleia, levando essa mensagem adiante e defendendo a reforma agrária e a justiça social".

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