Domingo, 28 de outubro de 2007 - 10h51
Desde a febre migratória gerada pela condição de nova fronteira agrícola, entre 1975 e 1985, o campo de Rondônia não vivia um período tão evidente de transformação de seu perfil econômico. Pouco a pouco, a geração de exportações, empregos e impostos criados pelo segmento madeireiro está sendo substituída pela forte expansão da indústria de alimentos.
O esgotamento do modelo extrativista vegetal tem favorecido o avanço das indústrias de processamento da produção de leite, carnes, soja, milho, arroz e feijão. Entre 2001 e 2004, o PIB agropecuário teve crescimento médio de 8,8%, chegando a R$ 1,5 bilhão. Os principais pólos são o eixo Ariquemes-Machadinho D´Oeste e Jaru-Ji-Paraná. O setor responde por 15,3% do PIB estadual de R$ 9,74 bilhões – apenas Tocantins (22,8%) supera essa participação no Norte.
A indústria de transformação, sobretudo de alimentos e bebidas, já responde por 23,7% do PIB do setor industrial rondoniense. O segmento cresceu, em média, 10,32% nos quatro anos até 2004, segundo o IBGE. As madeireiras ainda respondem por 25,2% da riqueza industrial. E a produção moveleira, por outros 7,7%.
Nos últimos cinco anos, entretanto, o número de madeireiras mingou. O governo federal, que obrigava os posseiros a desmatar 50% das fazendas para conceder o título da terra na década de 70, passou a limitar a derrubada da floresta aos 20% da área total de cada propriedade. O cerco legal e as pressões ambientais resultaram na redução das operações e na decadência da exploração desenfreada das florestas do Estado. Das duas mil sociedades registradas, que chegaram a gerar 40% do PIB industrial e 90% das exportações, sobraram apenas 600 empresas.
Expansão do Setor de Alimentos
Para compensar a brusca mudança de padrões e exigências, o Estado passou a viver um “boom” na indústria de alimentos. Entraram em operação 14 frigoríficos e 55 laticínios da última década. Atraídas por incentivos fiscais e matéria prima abundante, grandes indústrias como Bertin, Friboi, Minerva, Marfrig instalaram-se no Estado. E não deve parar por aí. Hoje há quatro novos frigoríficos, dois laticínios e um curtume em construção no Estado.”O nosso futuro está na indústria de alimentos, e não em outros segmentos industriais”, aposta o secretário estadual de Planejamento, João Carlos Ribeiro. “Seremos grandes produtores de proteína e podemos dobrar a produção em cinco ou seis anos”. Os produtores locais utilizam, segundo ele, apenas 40% das propriedades. “Está havendo uma mudança no perfil do produtor com a agregação de mais tecnologia, o que é uma demanda dos frigoríficos, por exemplo”, diz Ribeiro.
Dona de um rebanho de 12 milhões de cabeças de gado, Rondônia produz 366 mil toneladas de carne. Em 2006, o produto rendeu US$ 140 milhões em divisas ao Estado – ou quase metade de todas as exportações. Maior produtor de leito do Norte e nono no país, o Estado registrou recorde de 673 milhões de litros de leite no ano passado – 68% da produção foi exportada.
“A pecuária está mudando com o sistema de integração com a lavoura e o uso de subprodutos para alimentar o gado”, avalia o presidente da Federação das Indústrias de Rondônia (Fiero), Euzébio Guareschi. “E vamos ganhar ainda mais competitividade com a intensificação do uso da tecnologia”. A chance para as outrora poderosas madeireiras deve ser, segundo ele, a reestruturação do nível tecnológico e a verticalização da produção. O reflorestamento deve avançar sobre o modelo lastreado no corte por manejo.
No segmento agrícola, a bonança também é visível. Mesmo com uma área de 360 mil hectares, ou 7% inferior à safra passada, o Estado produziu 767,5 mil toneladas de grãos (+ 2,2%) no ano safra 2006/2007. Terceiro item da pauta exportadora do Estado, o grão rendeu US$ 55 milhões em exportações no ano passado. Graças ao dinamismo do commodities, Rondônia registrou em 2006, a quarta maior variação nas vendas externas (52%) do Brasil. No Norte do País, o Estado é o maior produtor de café e o segundo maior de soja, milho, feijão e cacau.
Um diferencial de Rondônia está na sua privilegiada situação sanitária, reconhecida internacionalmente como área livre de febre aftosa com vacinação. Atentos ás oportunidades, os pecuaristas tiraram proveito das restrições sanitárias impostas a tradicionais Estados exportadores. Quando se comparam os nove primeiros meses deste ano com o mesmo período de 2005, constata-se um consistente avanço de Rondônia no mercado externo. As vendas de carne bovina aumentaram três vezes e meia – ou US$ 100 milhões. Em 2005, quando um foco de aftosa em Mato Grosso do Sul fechou mercados ao produto brasileiro, a participação do Estado nos embarques externos era de 1,5%. Neste ano, a fatia saltou para 5%, passando do oitavo ao quinto lugar no ranking nacional. Os pecuaristas ocuparam o espaço dos tradicionais Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Pará.
Em meio à euforia do novo ciclo de efervescência econômica, há quem veja limites para uma intensificação na exploração da terra. Arcebispo de Porto Velho, dom Moacir Grecchi reclama do legado do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado em 1974 pelo então presidente Ernesto Geisel, que transformou Rondônia numa fronteira agrícola incandescente. “A soja foi uma desgraça, a pecuária e a extração de madeira também são ruins, uma praga”, afirma ele que desde 1988 comanda 11 paróquias e 600 igrejas do Estado.
O consolo para os críticos do agronegócio ainda é o perfil fundiário do Estado, baseado em pequenas propriedades. Legado o modelo de colonização incentivado pelo Incra, 80% das 105 mil fazendas têm até 100 hectares. O presidente da Fiero afirma que 85% da pecuária é desenvolvida em áreas já desmatadas. Para Euzébio Guareschi, a falta de apoio ao setor agrícola impulsionou os pecuaristas. Parece que o novo modelo de desenvolvimento, mais marcado pelas necessidades do mercado, tem levado a uma intervenção estatal mais próxima da realidade da região>
Cassol sugere fundo para Amazônia
Filho de uma família de pioneiros em Rondônia, o governador Ivo Cassol (sem partido), 48 anos, resume em sua trajetória a saga da colonização do Estado, expõe as contradições do progresso provocadas pelas sensíveis questões ambientais e revela a origem de uma região que parece vocacionada para o agronegócio. Dono de fazendas, madeireira e do maior grupo privado de geração de energia elétrica do Norte do país, o catarinense Cassol garante que Rondônia está no “caminho certo” para consolidar-se como “Eldorado” do agronegócio. Morador da região de Rolim de Moura desde 1977, Cassol veio aos 18 anos para Rondônia em busca de oportunidades e, com a ajuda do pai e de cinco irmãos, fez da exploração das novas terras da família, ricas em mogno e cerejeira, o caminho para o sucesso empresarial que pavimenta sua carreira política.
“Gaúcho” que deu certo, Cassol tem hoje um patrimônio declarado de R$ 20 milhões e, embalado pelo sonho de virar senador em 2010, traça um cenário favorável à produção local na próxima década. Ele prega a “radicalização” na industrialização da matéria prima produzida no Estado.”Temos que crescer o setor de transformação, parar de exportar matéria-prima e agregar valor aqui”, disse ao Valor.
Em seus planos, o governador quer elevar em 50% a produção de leite – hoje em 2,1 milhões de litros por dia – incentivar o aproveitamento de derivados como o soro e aumentar o rebanho estadual a 18 milhões de cabeças de gado em cinco anos. “A pecuária avança forte. E se os frigoríficos pagarem preços melhores, vamos ter gado confinado e uma escola de abate ainda melhor”, prevê. Ele comemora a instalação de quatro novas plantas de abate de gado e diz que três laticínios começarão, em breve, a processar 600 mil litros de leite por dia. “Hoje, temos uma indústria de soro de leite e podemos ter mais três o quatro. Vamos consolidar esse setor no Estado”, afirma. De jeito simples e direto, o que não rara vezes provoca polêmica, Cassol avisa que continuará a atrair indústrias com incentivo fiscal. E diz que manterá a todo custo o diferencial de área livre febre aftosa. “Aqui, fazemos o dever de casa. Se entrar gado de fora, na alisamos. Matamos mesmo”, afirmar o governador. Recentemente, houve suspeitas, não confirmadas, de ocorrência de um foco numa fazenda de Theobroma, na região central do Estado.
Alvo de críticas de ONGs ambientalistas em razão dos índices de desmatamento de Rondônia, Ivo Cassol afirma apostar no reflorestamento, mas rebate as acusações contra os madeireiros. “As derrubada se dão em áreas da União. O Estado não tem como agir”, informa. “Mas madeireiro não é bandido. Combatemos os maus empresários e fortalecemos os bons. Aliás, nunca se combateu tanto as derrubadas e as queimadas como agora”. O Estado ainda tem, segundo ele, 70% das florestas em pé. “Os ambientalistas que tenham dignidade para preservar a Amazônia”, ataca. Pragmático, o governador diz que “ninguém quer botar a mão no bolso” para garantir o futuro da região Amazônica. E sugere, não sem antes cutucar seus adversários de ONGs, algumas alternativas para a questão. “A sociedade tem que pagar. Fazer um fundo e compensar. É fácil exigir e achar que somos trouxas aqui na Amazônia. Não ganhei nada para preservar. Sou contra a hipocrisia”, critica.
Fonte: Jornal Valor Econômico – 22 de outubro de 2007 - Texto: Mauro Zanatta - DECOM
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