Lemos a notícia de que os moradores de rua serão alvo de uma espécie de censo. Não do IBGE, mas do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Equipes desse ministério vão averiguar quantos são os moradores de rua em 23 capitais de Estado e 37 municípios com mais de 300 mil habitantes. Na Amazônia, Belém, Manaus e Porto Velho estão na lista. No Paraná, Maringá; em Santa Catarina, Joinville. Por aí.
A pesquisa começou segunda-feira e se chama Contagem Nacional da População em Situação de Rua . Visa subsidiar políticas públicas voltadas a este segmento população.
Além de contar o número de pessoas que vivem na rua, a pesquisa levantará informações sobre o acesso a serviços públicos, as condições socioeconômicas e as formas de garantir o sustento. Estão em campo 2,5 mil pesquisadores, que trabalharão principalmente à noite.
É sempre ao cair da tarde e à noite que se vê, nas grandes cidades, qual calçada, ponte, praça ou asilo vão receber o mendigo e o trecheiro (nome dado aos migrantes que perambulam de cidade a cidade).
Quem são essas pessoas que procuram por sobrevivência aos olhos de todos, percorrendo as veias da cidade, construindo espaços reais num mundo ilusório? São compreendidos, ignorados, malvistos? Por quê?
Qual a razão do ser humano viver na rua? Acredita-se que existam diversas causas: a exclusão social, o desemprego, o abandono material por parte de familiares, o alcoolismo e o uso de drogas, a debilidade mental, a opção de vida livre, por não aceitar certas regras da sociedade. E – por que não aceitar? – a ausência de políticas públicas para fomentar a inclusão social.
Na verdade, há moradores de ruas que aparentam uma civilidade cativante. Alguns chegam a ter curso superior. Pesquisa feita em São Paulo, em 2003, demonstrou que 20% haviam freqüentado até a faculdade.
Segundo divulga a organização Casa da Aliança, no site da Adital, 40 milhões de crianças e adolescentes vivem nas vias públicas da América Latina. O contingente chega aos 100 milhões em todo o mundo. Bruce Harris, diretor regional para América Latina da entidade, chama a atenção para a situação do México. Somente na capital daquele país há 24 mil meninos e meninas habitando as ruas.
Moradores de rua estão alii por razões diversas. Uns gostam, outros suportam. Assim, é de se acreditar que o trabalho dos pesquisadores do governo vai ao encontro de uma realidade que há muito tempo a sociedade quer entender melhor. Nós, jornalistas, por exemplo, nunca confiamos plenamente nas estatísticas que nos fornecem os órgãos de promoção humana. Tampouco nos limitamos ao relato das organizações não-governamentais e do voluntariado que muito auxilia no amparo a essa gente.
Com o slogan "
Sempre teremos a oferecer e a receber", o
Grupo Anjos da Noite, de São Paulo, fundado em 1989 pelo Núcleo Assistencial a Caminho da Luz, atende os moradores de rua, dentro de suas possibilidades. Faz tudo o que pode para apoiá-los no resgate aos princípios básicos da dignidade humana. Algo que só é possível se a sociedade se unir e chamar para si a responsabilidade da ação.
Lembro-me que nos anos 80, o notável jornalista Edson Vicente, o Jerê, pautado por outro notável, Bernardo Pellegrini, saiu às ruas de Londrina (PR) para ouvir histórias da vida dos trecheiros. A reportagem foi um sucesso.
É importante conhecermos o perfil de cada um desses moradores de rua. Cada qual tem sua história, seu motivo de viver sem lar. Muitos vão nos dizer que a rua foi a sua escola, a sua universidade. Além de ser "o próximo" do qual falam as religiões, algum deles pode ser parente sangüíneo de quem não o reconhece. Já houve descobertas assim, mostradas pela TV, pelo rádio, pelos jornais.
Um saco plástico torna-se chapéu, um pedaço de jornal transforma-se em cobertor, um papelão, em parede. No entanto, a carência de recursos materiais dos moradores de rua não os tornam menos cidadãos. São eles que devem ter prioridade do senso de fraternidade que propiciam momentos de reflexão sobre os valores da vida humana, hoje tão banalizada.
Quinta-feira, 28 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)