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Vinício Carrilho

Candidaturas únicas desafiam a representatividade


Candidaturas únicas desafiam a representatividade - Gente de Opinião

Em 2024, 214 municípios brasileiros terão candidaturas únicas, um número superior às eleições de 2020. O que isso nos mostra? Quais os significados mais gerais e os problemas inerentes ou decorrentes desse fenômeno da política brasileira? Vejamos um pequeno passo a passo.

 

1.       Por que existe essa regra?

Existe em cumprimento ao Princípio Democrático, como estabelecido na Constituição Federal de 1988. À primeira vista seria uma contradição e de fato não deixa de ser, mas, digamos que não é uma contradição insolúvel, sem solução. Vamos pensar que sem a possibilidade de candidatura única o resultado seria muito pior, do ponto de vista da democracia representativa.

Afinal, sem essa possibilidade, quem seriam os/as próximos/as prefeitos/as e vice-prefeitos/as nos 214 municípios brasileiros com candidaturas únicas?

A regra – ainda que não se tenha uma legislação mais clara, atualizada sobre a candidatura única – pode ser entendida como uma “excepcionalidade”, casos que fogem à regra, a fim de que a representatividade mínima seja assegurada. Também podemos pensar que a candidatura única permite a expressão do eleitorado nas eleições municipais e que, sem nenhuma candidatura, a expressão popular eleitoral (ou seja, a representação por meio do voto) seria igualmente nula.

Como complemento devemos ter em conta que em 214 municípios brasileiros com candidatura única, a urna eletrônica trará três opções: voto no candidato/a, voto nulo, voto em branco. Desse modo, neste caso que está longe do ideal democrático, os eleitores podem manifestar suas declarações eleitorais.

Em decorrência disso, é importante destacar que é possível arguir contra a falta de legitimidade em algum ou alguns desses 214 municípios. A simples somatória dos votos válidos ao/à candidato/a não assegura, de modo imediato, a sua posse.

Se o/a candidato/a único/a obtiver baixíssima votação, a eleição em si pode ser anulada. No caso concreto: o candidato que obtiver menos votos do que a somatória de votos nulos e em branco. O eleitorado disse, claramente, que não se vê representado (ironicamente) na ausência de representação, ou seja, a candidatura única desagrada totalmente o eleitorado, especialmente quando há maioria de votos nulos ou em branco. Não é o caso de aprofundarmos aqui, porém, cabe pensarmos que pelo voto nulo o eleitorado manifesta seu total desacordo com essa forma de democracia representativa. Então, o voto nulo, em si, expõe um problema muito maior acerca da representatividade e do pluralismo político na democracia brasileira.

2.       Essa regra não fere princípios democráticos?

Se pensarmos a democracia representativa, como está delimitada na Constituição Federal de 1988, sobretudo a partir dos pressupostos e dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito, sim, a excepcionalidade da candidatura única fere diretamente o ideal democrático constitucional.

Vejamos que a Constituição é clara ao prefigurar o “pluralismo político” logo no artigo 1º:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

 

O Princípio do Pluralismo Político aqui se norteia pela diversidade de correntes e de ideais ou ideias políticas, desde que não propaguem o fim da própria democracia – como vemos em discursos de incitação ao ódio social. Portanto, não se trata de garantir um número cada vez maior de partidos políticos. Aliás, esse é outro enorme problema da democracia representativa brasileira.

Por outro lado, como dissemos no início, se não houvesse nem mesmo uma candidatura única, o “problema democrático” seria muito maior: sem a possibilidade de representação (única, neste caso) o Pressuposto da Representatividade seria aniquilado. Também podemos pensar que se trata de uma contradição entre a representatividade (pressuposto fundamental) e a representação em si. É verdade. No entanto, o Princípio do Pluralismo Político não pode naufragar o Pressuposto da Representatividade.

       Portanto, a excepcionalidade da candidatura única viria para assegurar – ainda que bem distante da normalidade e do ideal – que o Pressuposto da Representatividade fosse assegurado.

 

3.       Quais os impactos para o município?

      Os impactos são variados, em todas as áreas. Pode-se dizer que com baixíssima representatividade política, o município andará no final da fila daqueles que buscam compensação financeira em seus governos estaduais. É claro que indica fortemente o abatimento, a recusa ou a contestação do eleitorado: é interessante observar, após a proclamação dos resultados, o percentual contabilizado de votos nulos e em branco.

O fenômeno da candidatura única nos indica a pouca ou questionável “saúde política” desses municípios, porque, caso algum candidato/a sofra a contestação acerca da legitimidade de seu processo eleitoral, se os votos nulos e em branco tiverem maior somatória do que os votos válidos depositados na candidatura única, além de tudo, ainda haverá forte questionamento quanto à legitimidade jurídica/institucional.

Neste caso, a ilegitimidade política/institucional estaria praticamente decretada no caso de haver mais votos nulos e em branco, do que votos válidos.

Sem contar que o eleitorado seguirá ainda mais descrente na solução democrática da vida pública – começando pelo seu município. O que, por si, é péssimo.

 

4.       Há impactos para a eleição de vereadores?

Sem dúvida que sim. Se as opções são poucas, as escolhas são reduzidas. Pode-se pensar que a democracia sairá reduzida, menor do que quando teve início o processo eleitoral.

Se fossem quatro ou cinco candidaturas válidas e legítimas disputando a prefeitura (Poder Executivo municipal), com muito mais candidatos/as à vereança, as ofertas eleitorais estariam muito mais contempladas pelo Princípio do Pluralismo Político.

Neste sentido, também caberia pensar numa espécie de máxima – não só política: se o Ideal é validável, justo, Ético, quanto mais longe desse ideal pior será.

 

5.       Quais as regras para candidaturas únicas?

Apesar de constar como excepcionalidade no contexto do Pressuposto da Representação e do Princípio do Pluralismo Político, a candidatura única deve seguir a legislação regular. Isto é, salvo a prescrição do caso excepcional da possibilidade de candidatura única, as normas constitucionais e derivadas – por serem gerais (é o efeito erga omnes) – devem ser observadas.

 

6.       No que mais a candidatura única nos faz pensar?

  Gostaria de finalizar indicando, talvez, o maior problema político/institucional demonstrado nesses casos de candidatura única. Por que isso ocorre, ainda hoje, em 2024?

  Primeiro, e me parece o principal, a candidatura única explicita o crescimento desordenado na criação de pequenos, às vezes minúsculos, municípios pelo país afora.

  Muita gente defenderá tal expediente, com bandeiras como: devemos assegurar a Autonomia municipal para que a soberania popular seja preservada. Sim, isso é fato. Todavia, há uma realidade que não pode ser descartada pelo idealismo, em razão de algum princípio que se traga.

  Municípios com dois, três mil habitantes (muitas vezes com menos de mil eleitores) têm que, não só criar como manter estruturas burocráticas de governança: prefeituras, Câmaras Municipais e muitas outras instituições que são inerentes a um município.

  Se municípios maiores já sofrem sem recursos, o que dizer pensando na baixa ou nula arrecadação dos municípios muito pequenos, com dois, três mil habitantes?

  O problema realista, então, passaria obviamente pela revisão da existência de muitos desses 214 municípios muito pequenos e que, agora, ainda sofrem com o descrédito da candidatura única e que atinge diretamente os princípios e os pressupostos constitucionais da representação e do Pluralismo Político.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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