Segunda-feira, 6 de março de 2023 - 15h06
Vinício Carrilho Martinez (Dr)
Associate Professor at Federal
University of São Carlos (UFSCar)
Líder do Grupo de Pesquisa Sociedade
e Educação
https://www.youtube.com/@ACienciadaCF88
De
modo contundente, na largada do texto, podemos dizer que o Brasil enfrenta
problemas históricos (racismo, patriarcalismo), estruturais (desigualdades
colossais), antiquíssimos (elitismo, capacitismo, pensamento escravista) e
pós-modernos: atavismo, negacionismos, Fake News, descontrole do capital
financeiro. Neste contexto, traremos uma primeira aproximação ao conceito de
Democracia Coletiva – ao menos numa perspectiva complementar. Empregamos uma
análise conceitual, intuitiva e criativa.
Chamaremos
de Democracia Coletiva uma construção ideal (utópica) mas crível da Democracia,
e ainda que retida sob os marcos mais liberais da representação popular do
poder instituído. Neste sentido, também seria uma resposta plausível para nós,
especialmente no tempo político praticado entre 2022-2026, ao que denominamos
de Democracia Reativa: luta pelo fortalecimento institucional sob as bases da
urgente restauração dos postulados do Estado Democrático de Direito, no sentido
do fortalecimento democrático, social, republicano e popular, como incisão de
uma necessária desnazificação social (ADORNO, 1995), que se vincula aos
melhores esforços da Educação Popular, e capaz de aliar política e técnica como
substrato da liberdade e da emancipação (FREIRE, 1993).
Por
Democracia Coletiva, além da própria recuperação e fortalecimento do Estado
Social e das salvaguardas constitucionais – Justiça Social (art. 193, caput, da CF88), função social da
propriedade privada (art. 170, III, da CF88) –, entendemos haver uma série de
mudanças e de ações legislativas e políticas de proteção, regulação (controle)
e punição aos violadores do Princípio Democrático. No aspecto mais adstrito aos
crimes cibernéticos contra a Democracia, podemos mencionar a formulação legal
prevista como disciplinarização das Big Techs, havendo a previsão da
corresponsabilização criminal e pecuniária diante dos abusos e dos crimes
cometidos no meio virtual.
A
este rol, que, evidente, aqui não se esgota, inclui-se a eficácia na proteção e
na promoção dos direitos, das garantias e das liberdades configuradas pela
isonomia entre homens e mulheres, no enfrentamento e na mitigação de
gravíssimos problemas sociais, culturais econômicos, como o feminicídio[1], o
racismo, o escravismo evidenciados na cadeia de produção, no empobrecimento
provocado pelas detrações dos direitos trabalhistas, na reforma da previdência,
e tantas outras ações urgentes no sentido do “resgate da cidadania”, sob os
marcos do Estado Social desenhado na Constituição Federal de 1988.
O
esforço analítico, que não se deslinda da realidade mais prosaica na vida
privada ou pública, de todos nós, não quer olhar para o passado, no sentido
idílico e condenatório da tecnologia – reconhecido como neoludita, próprio de
Unabomber ou esposado em filosofia cínica (J. POSADAS, 1981) –, pois, ao
contrário, recusar a modernidade e o futuro não só é ineficaz, inócuo,
reacionário, como é insalubre ao Processo Civilizatório, atuando como forte
veneno do esforço dialético e teleológico do futuro: as distopias atuais,
aliás, são exatamente negacionistas do futuro. O esforço, ao menos nesta fase
em que estamos, diante da Democracia Reativa – reaver as bases mínimas de
segurança político-jurídica do Estado Democrático de Direito, na antevéspera do
Golpe de Estado de 2016 –, é um convite para abrirmos os olhos para o “futuro
necessário”: popular, democrático, inclusivo, liberto das Fake News fascistas.
Por
isso, também podemos dizer que conhecemos a Democracia, principalmente, pela
consagração dos vencedores na disputa por votos, no pleito que deve consagrar a
soberania popular, por meio da eficácia da cláusula pétrea que garante o voto
livre, secreto e soberano (periodicamente). O que está certo, sobretudo, quando
analisamos as últimas eleições (2018 e 2022): após 2018, o juiz que aprisionou
um dos principais contendores (Lula/PT) viria a ser entronizado como ministro
da Justiça, a serviço do rival e vencedor daquele pleito; em 2022, com graves
riscos ao próprio sistema eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atuou,
inclusive, acima dos contornos do Estado de Direito a fim de que a mínima
Democracia fosse assegurada.
As
investidas em contrário foram de toda ordem, a começar pela fábrica de Fake
News – sem controle e livres de uma legislação específica (que só tem início
agora no país)[2] –, a
última eleição trouxe à tona uma verdade absoluta, que, porém, vem sendo
descartada: a intrínseca correlação entre Democracia e a República, em especial
porque, sob a égide da Coisa Pública, há que prevalecer o Princípio da Verdade
e isto, por óbvio, não condiz com a mentira contada, forjada, planejada, a
partir dessa imensa fábrica de Fake News (“Gabinete do ódio”) que nos assola
todos os dias.
Por
outro lado, ampliando-se o leque democrático, muito além dos sistemas de defesa
da Democracia, estão predicadas a natureza e o alcance do Princípio
Democrático, que incluem, além de mecanismos, pressupostos e princípios,
processos e procedimentos, também a garantia de que a Democracia é pautada como
direito fundamental – desde que contabilizemos o artigo 21 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DHDUs)1.
Neste
sentido, ainda entendemos que o constitucionalismo dirigente (CANOTILHO, 1990)
nos forjou – desde o Processo Constituinte de 1985 – uma Constituição
Social/socialista derivada do constitucionalismo socialista da Espanha (1978) e
de Portugal (1976). Este é outro debate, bem específico, que foge ao nosso
esforço, entretanto, não é (ou não deveria ser) portador de nenhuma novidade
(DÍAZ, 1993).
A
história, no entanto, antecede ao que conhecemos mais de perto: a Constituição
Iugoslava (1953), seguida das constituições portuguesa (1976) e espanhola
(1978), reafirmou os compromissos do Estado Social como caminho salutar de
convívio ético e civilizatório, obrigando-se ao Poder Público patrocinar meios
e mecanismos necessários e eficazes ao descortínio de formas incrementadas de
sociabilidade democrática.
Enfim,
se a lógica não traiu a análise, essa é a força dialética que levou à ação e
também redimensionou o Estado Socialista, a partir da aurora do século XX.
Portanto, uma conclusão possível é de que o movimento socialista do futuro, mas
iniciado ontem, é o resultado da concreção do Estado Democrático de Direito
Social[3]: a
realidade do amanhã não abdica da utopia de hoje. Trata-se da dinâmica ou dos
marcos históricos que conformam o Estado Democrático de Direito no pós-guerra.
No entanto, podem ser outras, como salienta Jorge Miranda (1997), no sentido de
que são quatro as linhas de força dominantes na sequência imediata das duas
guerras mundiais.
Porém,
mesmo que Jorge Miranda (1990) ressalte outros aspectos dessa profunda
transformação pela qual passou o Estado ao longo do século XX – como a luta
pela emancipação dos povos coloniais – é preciso destacar as respostas dadas
aos regimes autoritários, configurando-se a defesa e a prevalência dos direitos
humanos.
No
seu conjunto, este seria o melhor link da Democracia com a inteligência
coletiva, uma vez que a soberania popular não é só fundamento do Estado
Democrático de Direito como também é, em essência, um Direito Humano
inexpugnável – como aposta histórica, seminal, certeira na esteira de que a
Democracia é um direito fundamental: toda pessoa tem o direito à participação
democrática (art. 21 da DUDHs).
Por
fim, a Democracia Coletiva também se equilibra no que podemos chamar de 5ª
Geração de Direitos Humanos: um clássico dos Direitos Humanos assentado no
artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em 1948, porém,
agora sob o foco dos tempos de avanço irrefreável da tecnociência e do poder
econômico das Big Techs, sobretudo, na forma ampliada da financeirização do
capital dominante e hegemônico[4].
Sem
as ilusões de que a tecnologia é uma aliada constante da Democracia, inclusive
porque os algoritmos parecem sugestionados pelo pensamento racista e elitista
(fascista), pensamos, concluímos, que há uma real, notória, verdadeira,
interação entre os postulados indicados desde a origem da Ideia de Rede
(MARTINEZ, 2001)[5],
como se fossem princípios e suposições verificáveis tanto no final do século XX
quanto na vigência deste breve século XXI: da comunicação todos-todos, da
interação digital como instrumento político de dissolução do arbítrio e do
aprofundamento democrático (LÉVY, 1998).
A
Democracia Coletiva, portanto, apresenta-se como constructo apto ao ensejo de
perfectibilidade, posto que estaria pautada entre a Democracia Virtual
(MARTINEZ, 2002) e a Democracia Reativa – antifascista, restauradora das
condições básicas de sociabilidade, capacidade de interação inclusiva e de
promoção da inteligência social.
Referências
ADORNO, Theodor W. Educação
e emancipação. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1995.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Edição.
Lisboa-Portugal : Almedina, 1990.
DÍAZ, Elías. Estado
de Derecho y sociedad democrática. Madrid : Taurus, 1998.
FREIRE, Paulo. Política
e Educação. São Paulo : Cortez, 1993.
J. POSADAS. A
ciência, os cientistas e a construção do socialismo. Editora Ciência,
Cultura e Política, 1981.
LÉVY, Pierre. As
Tecnologias da Inteligência: o Futuro do Pensamento na Era da Informática.
Rio de Janeiro :Editora 34, 1993.
______ O que é o
virtual? São Paulo : Editora 34, 1996.
______ O digital e a
inteligência coletiva. Folha de São Paulo, 06 julho 1997. Caderno 5, p. 3.
______ A inteligência
coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo : Edições Loyola,
1998.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. A rede dos cidadãos: a política na Internet. Tese de doutorado em
Educação. São Paulo : Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(FEUSP), 2001.
_____ Democracia
Virtual: o nascimento do cidadão fractal. 2ª Edição. Editora Praxis : São
Paulo, 2002.
MIRANDA, J. (Org.). Textos históricos do Direito Constitucional.
Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1990.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/lula-prepara-pacote-para-mes-da-mulher-de-olho-em-efeito-politico-eleitoral.shtml. Acesso em 6.3.2023.
[2] https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/03/06/lei-de-servicos-digitais-europa-pl-das-fake-news.htm. Acesso em 6.3.2023.
[3] O Estado Socialista o precedeu e o seguirá,
como desdobramento possível – ao menos, esta é a intenção original do modelo de
Estado português.
[4] A forma-Estado no eixo dessa imbricação entre o
Poder Público (ou sua negação) e o capital financeiro, necessariamente, traz
outros desafios estruturais, porque que o próprio Estado Rentista é o maior
beneficiário dessa estruturação político-econômica. Seria uma virtualidade
aplicar os enormes rendimentos públicos advindos da especulação financeira, em
Políticas Públicas de combate à fome e às desigualdades sociais? O rentismo
poderia atuar em favor do Estado Social ou tudo não passaria de mera atualização do Estado Burguês, em que a
expropriação suplanta os benefícios sociais? Isto também exige análise
específica, para além do esforço aqui anunciado. Entretanto, pode-se consultar
em: https://blogdaboitempo.com.br/2022/04/13/logica-disruptiva-do-capital-rentista/ & https://www.gentedeopiniao.com.br/politica/vinicio-carrilho/capitalismo-de-estado-rentista. Acesso
em 6.3.2023.
[5] Em suma, para Lévy, subsumir o individual no coletivo
significa passar da inteligência coletiva
ao coletivo inteligente: “A
programação cooperativa do sofware no ciberespaço ilustra de maneira evidente a
autopoiese (ou produção de si) da inteligência coletiva, especialmente quando o
programa visa ele próprio a melhorar a infraestrutura de comunicação social
(...) Navegar no ciberespaço equivale a passear um olhar consciente sobre a
interioridade caótica, o ronronar incansável, as banais futilidades e as fulgurações
planetárias da inteligência coletiva. O acesso ao processo intelectual do todo
informa o de cada parte, indivíduo ou grupo, e alimenta em troca o do conjunto.
Passa-se então da inteligência coletiva ao coletivo inteligente” (1996, p.
116-7).
A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes
A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez
Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci
Todos os golpes no Brasil são racistas. Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas. É a nossa história, da nossa formação
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a